EMMANUEL MACRON: presidente eleito da França sabe que país está dividido / Christian Hartmann/ Reuters (Christian Hartmann/Reuters)
Da Redação
Publicado em 11 de maio de 2017 às 19h38.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h19.
Mariana Prado Zanon, de Montpellier
No boulevard Paul Riquet, no centro de Béziers, os moradores da cidade aguardavam o resultado da eleição presidencial francesa no último domingo, 7. Na sede local do partido de extrema direita Frente Nacional (FN), não muito longe dali, após examinar em seu laptop os primeiros resultados divulgados pela imprensa belga e suíça — importantes fontes de informação em dia de eleição, uma vez que a lei eleitoral francesa impede a divulgação de sondagens no dia do pleito —, Franck Manogil, assessor regional do FN , sentiu o gosto amargo da derrota enquanto os partidários de Macron comemoravam a vitória do candidato eleito.
Béziers, comuna francesa de 76 mil habitantes, localizada no estado da Occitanie, é liderada por um partidário da Frente Nacional. O prefeito Robert Ménard é um dos braços direitos de Jean-Marie Le Pen, fundador do FN e pai de Marine. Desde 2014, quando teve início o mandato de Ménard, a cidade é apelidada de “feudo da Frente Nacional” por conta das polêmicas políticas xenófobas e extremistas que tentou colocar em prática.
A Occitanie é uma das regiões francesas que registra o maior índice de desemprego e onde o voto é tipicamente de direita. Macron teve 63% dos votos no departamento e 53% dos votos na cidade de Béziers. No primeiro turno, Macron terminou em quarto lugar no estado, atrás de Marine Le Pen, Jean-Luc Melénchon (França Insubmissa) e François Fillon (Republicanos).
É por isso que o resultado de Béziers surpreende: como um local famoso por ser conservador e anti-imigração escolheu Emmanuel Macron e não Marine Le Pen?
Na rádio Béziers 1, o chefe local do FN, Bruno Lerognon, tentou explicar a pontuação de Le Pen abaixo das expectativas. “O que prejudicou Marine Le Pen em nossa cidade foi o último debate televisivo onde muitos indecisos decidiram barrar nosso partido por não concordarem com as propostas relativas a Europa e a saída da zona do euro, esse foi o grande erro de Le Pen”. Já para Franck Manogil, as razões para a vitória do candidato de centro são outras: o apoio fundamental dado pelos Republicanos a Macron no segundo turno e a alta abstenção.
A resposta no entanto pode ser outra: os jovens preocupados com os grandes temas nacionais foram às urnas dessa vez. Para Benjamin Charbet, pesquisador na área de ciências políticas na Universidade de Montpellier, “as questões nacionais passaram na frente das questões locais nesta eleição”.
Para Jérôme Toulza, nativo de Béziers e representante do partido Em Marcha! na cidade, a vitória de Macron representa novos ares na política francesa impulsionado pelo desejo de mudança dos jovens. “Segundo as pesquisas, cerca de 54% dos abstencionistas foram adultos com mais de 47 anos, isso quer dizer que os jovens votaram e votaram Macron”.
Segundo dados divulgadas pela Ipsos, empresa de pesquisa e de inteligência de mercado, os eleitores de Marina Le Pen foram em grande maioria, trabalhadores do campo, proletários, moradores de cidade pequenas e desempregados entre 32 e 49. Enquanto os eleitores de Macron foram os diplomados em geral, jovens de 18 a 27 anos e aposentados. Montpellier, segunda maior cidade da Occitanie, com 84 mil jovens e que votou 66% Macron. “A estratégia usada foi: votar em Macron contra a extrema direita”, diz Charbet.
A cidade de Béziers é um bom exemplo do que seriam as políticas da FN para o país que foram rejeitadas nas urnas. Robert Ménard, o prefeito, dobrou o efetivo de guardas civis da cidade, armou-os com revólveres calibre 38, criou uma brigada canina e uma brigada equestre para proteger a cidade e impôs um toque de recolher para menores de 13 anos após as 23h nas zonas mais pobres de Béziers. Em maio de 2015, declarou em uma emissora de TV, que 64% das crianças escolarizadas na cidade são de confissão mulçumana baseando-se em uma análise de nomes e sobrenomes. Então, propôs cotas étnicas alegando que o alto índice de crianças estrangeiras no sistema escolar dificulta a integração social das mesmas. Em abril de 2017, Robert Ménard foi obrigado a pagar 2 mil euros de multa por incitação ao ódio e a discriminação e sofreu penalidade de 400 mil euros em verbas para prefeitura.
Em 2015, Ménard passou a defender publicamente as propostas do FN pedindo um programa presidencial capaz de unir todos os eleitores da direita. No ano seguinte, assinou uma lei que proíbe o uso do burkini e do véu islâmico em todos os locais públicos sem se opor a outros símbolos religiosos invocando as “raízes cristãs” da França. Mais tarde, foi pessoalmente acompanhado de uma equipe de polícia expulsar refugiados sírios instalados ilegalmente em um imóvel na periferia da cidade. Em 2016, propôs um referendo na cidade para impedir o acolhimento de refugiados. O referendo não aconteceu por ser considerado inconstitucional. Em resposta, Ménard lançou uma campanha publicitária alertando os cidadãos contra “os perigos da chegada dos imigrantes”.
Políticas públicas como essas deixam claro que, apesar da vitória de Macron, a ameaça radical de direita ainda não desapareceu na França. O prefeito de Béziers não se pronunciou sobre o resultado em seu município, preferiu, no entanto, olhar para o futuro – ou seja, as eleições legislativas. Em sua conta no Twitter postou apenas: “precisamos criar um grande movimento patriótico aberto aos eleitores da FN e aos Republicanos para as eleições legislativas”.
A tensão de uma França dividida chegou a ser sentida na contagem de votos. “Eu fui mesária e comemorei a vitória de Macron, porém senti sobre mim os olhares desconfiados dos adversários na hora da contagem dos votos”, confessa Dolorès Roqué funcionária socialista e parte da oposição da prefeitura de Béziers.
Emmanuel Macron sabe desse clima no país. Em seu discurso de vitória, ele evocou os tempos difíceis vividos na França devido à crise imigratória e as incertezas da UE. “Eu sei que nosso país está dividido e entendo todos que votaram na extrema direita. Eu sei o que a raiva, a dúvida e a ansiedade de muitos têm expressado e vou lutar contra as divisões que nos afligem”, disse ele.
Só que para conseguir colocar seu projeto político em prática, Macron precisará que seu partido ganhe a maior parte dos assentos na Assembleia Nacional — as eleições legislativas acontecerão nos dias 11 e 18 de junho. Será que os eleitores darão um cheque em branco ao jovem presidente? Apesar da cisão atual na sociedade francesa, a pequena Béziers mostra que a mudança é possível.