EUA: Como a legalização da maconha diminuiu o número de prisões
Em entrevista, Jonathan Caulkins, professor da universidade americana Carnegie Mellon, fala sobre a experiência de seu país com a liberação da droga
Isabel Seta
Publicado em 12 de janeiro de 2017 às 15h08.
Última atualização em 23 de junho de 2017 às 15h14.
Um relatório divulgado pela organização Human Right Watch nesta quinta-feira aponta que a Lei de Drogas (11.343), aprovada em 2006, como um “fator chave para o drástico aumento da população carcerária no Brasil”. Segundo o documento, a falta de clareza da lei, que endureceu as penas para traficantes e abrandou as punições para os usuários, deu possibilidade para que muitos usuários fossem enquadrados como traficantes. Em 2005, 9% dos presos no país foram detidos por crimes relacionados às drogas. Em 2014, esse número passou para 28%, segundo a organização, que faz uma análise da situação dos direitos humanos em mais de 90 países.
A situação carcerária no país voltou a impulsionar o debate sobre a descriminalização e legalização de drogas consideradas mais leves, como a maconha. EXAME Hoje conversou com o professor da universidade americana Carnegie Mellon Jonathan Caulkins sobre a experiência dos Estados Unidos com a liberação da maconha em vários estados.
Caulkins é pesquisador do tema no centro de pesquisa sobre drogas da organização RAND e já publicou vários livros sobre o assunto, como Marijuana Legalization: What Everyone Needs to Know (Legalização da Maconha: o que todo mundo precisa saber, em tradução livre), pela Oxford University Press.
Uruguai, Colorado, Washington, Oregon e Alasca são exemplos de alguns lugares que legalizaram a maconha. Quais foram os impactos econômicos e sociais da legalização?
São dois pontos sobre isso. O primeiro é que, apesar de alguns estados dos Estados Unidos terem legalizado, federalmente a maconha continua proibida e isso importa muito, porque dificulta a entrada de empresas de maconha no mercado. Já no Uruguai, só se pode plantar em casa e vender em estabelecimentos autorizados, então também é difícil ver um impacto econômico. E o segundo ponto é que faz pouco tempo que a maconha foi legalizada nesses lugares, eu acho que precisaremos de mais 25 anos para ver os resultados mais gerais.
Mas já podemos ver algumas mudanças que vieram com a legalização?
A grande mudança nos Estados Unidos e na Austrália é a redução no número de prisões por violar o código penal. Apesar de nós não colocarmos na cadeia pessoas por usarem maconha, essas pessoas eram presas. Então, o número de prisões diminuiu muito, apesar de ter aumentado o número de ofensas civis, como usar maconha em público. Outra coisa que já observamos é uma queda no preço e a proliferação de tipos de produtos — cremes, vaporizadores, comestíveis, etc. A potência da maconha também aumentou, porque se tornou mais fácil produzir mais e melhor e por uma questão técnica: metade do THC não está nas flores e agora as pessoas não precisam mais jogar o resto da planta fora e podem extrair o THC das folhas, por exemplo, e usar em outros produtos. Mas eu acho que antes de falar em legalização, o Brasil deveria estar pensando em descriminalização. Há vários países que já descriminalizaram e estudos sobre o assunto que mostram que esse é um primeiro passo importante. Vermont descriminalizou em 2013 e nós fizemos um estudo lá que mostrou que o número de prisões caiu 90% depois da descriminalização. É possível tirar muita gente da cadeia, principalmente os usuários, só com a descriminalização.
O Brasil está justamente vivendo uma crise do sistema carcerário. Facções estão brigando pelo controle de rotas de tráfico na Amazônia e nossas prisões estão lotadas, em parte porque 40% das pessoas presas está, na verdade, em prisão provisória esperando o julgamento. A descriminalização pode mudar esse quadro?
Descriminalizar de fato reduz o número de prisões e de gente na cadeia, mas não ajuda a diminuir o tamanho do mercado negro. Na verdade, o que pode acontecer é justamente o contrário e o mercado ilegal crescer, porque as pessoas não serão consideradas criminosas se usarem maconha. Para o mercado ilegal diminuir, é preciso dar um passo a mais e legalizar.
Há casos de lugares que descriminalizaram e o tiro saiu pela culatra por conta desse aumento do mercado negro?
O tiro sair pela culatra acho que não seria o termo correto. Muita gente argumentaria que a redução no número de prisões já é um motivo bom o suficiente para descriminalizar e que o aumento do mercado negro é tolerável –até porque nossos números sobre o mercado negro são ruins e não revelam muita coisa. Não é que um seja bom e o outro seja ruim, é um trade-off. A questão real é se a descriminalização faz o uso aumentar. Comumente, pelo menos nos EUA, o ato da descriminalização vem depois da jurisdição já ter descriminalizado, então, se você olha como era um ano antes da descriminalização e um ano depois, normalmente não vê muita mudança no aumento ou diminuição do uso. Mas, se observar em um longo período, normalmente o ato de descriminalizar acontece em uma década na qual o uso estava aumentando. É a mudança na legislação que aumenta o uso? Eu diria que não. Mas a descriminalização vem junto com uma tendência de mudança de atitude em relação à droga e o aumento do uso? Daí, sim.
O Brasil é muito diferente de países que já avançaram na seara das drogas, como o Uruguai, Holanda, Espanha e estados dos EUA. A experiência de outros lugares pode nos servir de exemplo?
É uma pergunta filosófica. Me parece loucura não tentar aprender com os outros países. Mas é igualmente loucura achar que é possível importar políticas e resultados específicos para uma realidade completamente diferente.
O Canadá deve se tornar o primeiro país do G-7 a legalizar a maconha. O que podemos esperar?
Eu acho que o Canadá realmente vai legalizar e vai acabar com o mercado negro lá. Vai ser a experiência mais interessante em políticas de droga que eu já vi em toda minha vida. Mas não acho que será nesse ano ainda. Eu imagino que vão introduzir a legislação na primavera e daí haverá muito debate e discussão para só tomar ações no outro ano.
A descriminalização e mesmo legalização da maconha é muito mais aceita do que a de drogas mais pesadas, como crack, cocaína, heroína. Qual é a sua opinião a respeito disso? Deveríamos legalizar todas as drogas?
Pessoalmente eu acho que seria loucura legalizar todas as drogas, principalmente as pesadas, como crack, metanfetamina e heroína, porque elas são extremamente perigosas e muito sedutoras, e as pessoas cometem erros. Muitos jovens arriscam com drogas como essas sem ter o córtex totalmente desenvolvido, e se você ficar viciado em metanfetamina, você nunca mais será o mesmo, mesmo que pare de usar depois. A maconha é uma categoria completamente diferente, porque não tem esses efeitos tão devastadores. Mesmo assim, eu sou meio cético no que diz respeito a permitir que grandes corporações e empresas vendam maconha, como fazemos com o tabaco. Podemos nos arrepender em 20 anos se fizermos isso. Há outras opções que eu acho que deveriam ser consideradas e que também acabariam com o mercado negro, como organizações não lucrativas vendendo em pequenos cafés, o que seria quase como cultivar em casa, mas considerando que um pé é dá mais do que só para uma pessoa. Isso poderia acabar com o mercado ilegal, mas sem trazer os erros das grandes corporações.
Nós falamos do Canadá, Uruguai e Estados como países que estão mudando suas políticas em relação às drogas. Mas as Filipinas estão em uma guerra às drogas que já matou 6.000 pessoas. O que os outros países ao redor do mundo estão fazendo?
Temos quatro continentes liberais e dois continentes conservadores em relação às drogas. E o problema é que os dois conservadores são os continentes com o maior número de pessoas. Os países da África e da Ásia são muito mais conservadores frente às drogas do que outros países. Eu vivi no Oriente Médio e havia muita gente na cadeia por vender cannabis. Um país que precisamos prestar atenção é a Jamaica. Eu não sei exatamente o que está acontecendo lá e como vai ser, mas eles estão legalizando o uso medicinal e parece que qualquer estrangeiro que alegar que precisa da maconha medicinal poderá comprar. Eu acho que isso é uma tentativa explícita de permitir o turismo de maconha, então a Jamaica merece ser assistida de perto.