França: os eventos de maio de 1968 começaram com protestos universitários em Sorbonne (Reg Lancaster/Daily Express/Hulton Archive/Getty Images)
AFP
Publicado em 26 de abril de 2018 às 11h40.
Sacudida por uma revolta estudantil, a França viveu em maio de 1968, há 50 anos, a maior greve geral de sua história, marcada pela confluência entre um profundo mal-estar popular e desejos de mudança.
Em uma sociedade aprisionada por estruturas conservadoras e autoritárias, a revolta dos estudantes encontrou expressão primeiro na luta contra a guerra de Vietnã, um vínculo entre os jovens contestadores do mundo inteiro.
O movimento começou na universidade de Nanterre, a oeste de Paris. Em 22 de março, Daniel Cohn-Bendit, estudante alemão de sociologia, e uma centena de colegas ocuparam um prédio para protestar contra a prisão de estudantes dos "Comitês Vietnã".
'Danny, le Rouge' (Danny, o Vermelho), como era apelidado na época, uma alusão aos seus cabelos ruivos, "não deixa ninguém indiferente. Seus talentos de líder das massas e de agitador lhe deram uma grande popularidade em Nanterre, inclusive entre quem não compartilha de suas ideias", escreveu a AFP na ocasião.
"Sua silhueta imponente, coroada pelos cabelos ruivos, seu rosto quadrado que ostenta uma barba densa e sua voz estrondosa dominam sem esforço os auditórios, às vezes turbulentos".
Os estudantes protestavam contra uma reforma que defendia a seleção nas universidades e reivindicavam o direito a residências universitárias mistas.
Em 31 de março, a AFP contou em reportagem, em uma dessas residências, como um grupo de rapazes "conseguiu abrir uma porta de comunicação no quinto andar para acessar a parte reservada às moças", sob o olhar alarmado e, depois resignado, do zelador.
A mobilização foi crescendo em Nanterre e, em 3 de maio, os estudantes, cujo campus tinha fechado as portas na véspera, dirigiram-se à Sorbonne.
Maio de 1968 começou naquele dia, às 16H45. Equipados com capacetes e escudos, policiais entraram na prestigiosa universidade parisiense para desocupá-la e detiveram cerca de 600 jovens.
Os estudantes se transformaram, então, em "manifestantes descontrolados", segundo o prefeito da Polícia de Paris, Maurice Grimaud.
Os primeiros confrontos ocorreram no entorno de Sorbonne. Logo, as universidades, as escolas e os teatros ocupados por jovens viraram locais de debates permanentes, onde todos queriam mudar o mundo. Nas paredes cobertas de pichações, era possível ler: "A imaginação no poder".
Na noite de 10 de maio, foram erguidas dezenas de barricadas no Quartier Latin de Paris. Diante das bombas de gás lacrimogêneo, jovens responderam atirando paralelepípedos. Os confrontos deixaram vários feridos.
A manifestação maciça de 13 de maio, em Paris, implicou a união dos movimentos estudantil e operário. As fábricas já tinham sido palco de vários conflitos sociais em 1967 e no começo de 1968. A automatização das tarefas, divididas e cronometradas, acelerou as cadências. Quando seus corpos já não conseguiam mais acompanhar o ritmo, os operários mais velhos começaram a ganhar menos.
O setor agrícola também de manifestou, sobretudo no oeste do país, muito mobilizado.
A confluência entre esses mundos se deu facilmente nas ruas.
Os mais jovens foram os mais dispostos a confraternizar, embora, no mundo operário, os sindicatos observassem primeiro com receio, e inclusive com hostilidade, aqueles "esquerdistas" dispostos a doutriná-los. Apesar dessa desconfiança inicial, o diálogo foi se estabelecendo entre todos.
"Na Sorbonne é mais divertido do que na fábrica ocupada", declararam à AFP jovens operários da Renault. "Na Fábrica, os jovens dormiam essa noite e jogavam cartas. Na Sorbonne se discute, tem gente interessante".
A partir de 14 de maio, com as fábricas ocupadas, os trens e os transportes paralisados e os postos de gasolina desabastecidos, a França viveu a maior greve geral de sua história, um movimento que durou semanas e teve a adesão de sete a dez milhões de trabalhadores.
Após a "noite das barricadas", em 24 de maio, na qual morreram um jovem em Paris e um delegado de Polícia em Lyon, o movimento deu uma reviravolta.
As negociações entre os sindicatos e o governo desembocaram no dia 27 nos Acordos de Grenelle, marcados por uma alta de 35% no salário mínimo.
A base operária continuou a greve, mas as últimas fábricas ocupadas foram evacuadas pela Polícia em junho, às vezes com grande truculência, como na fábrica da Peugeot em Sochaux, no leste da França, onde dois trabalhadores morreram no dia 11.
À frente do Estado, o general Charles de Gaulle demorou a se dar conta da magnitude do protesto. Em 24 de maio, seu projeto de referendo para reformar a sociedade não suscitou mais que indiferença.
De Gaulle deu um golpe psicológico ao "desaparecer" em 29 de maio. Um dia depois, voltou após ter comprovado com o comando das tropas francesas na Alemanha, baseado em Baden-Baden, que poderia contra com elas em caso de necessidade.
O presidente anunciou em 30 de maio sua permanência no poder e a dissolução da Assembleia Nacional. Centenas de milhares de pessoas desfilaram, então, pela avenida Champs Elysées, agitando bandeiras francesas e cartazes, aos gritos de "Abaixo a anarquia" ou "França, ao trabalho", relatou a AFP naquele dia.
A direita ganhou com folga as legislativas de 30 de junho de 1968, mas, dez meses depois, De Gaulle fracassou no referendo que havia convocado para modificar a organização territorial do país e acabou apresentando sua demissão.