Mundo

Amadores agem como intermediários na adoção pela Internet

Grupos moderados por pessoas sem autorização para atuar como assistentes sociais "ajudam" pais que enfrentavam dificuldades para criar crianças adotadas


	Crianças: grupos informais "ajudam" pais adotivos
 (Reuters)

Crianças: grupos informais "ajudam" pais adotivos (Reuters)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de agosto de 2015 às 09h19.

Hickory -- Quando Megan Exon começou a atuar como moderadora de um quadro de avisos na Internet, em 2007, ela encarou a tarefa como um meio de ajudar crianças a encontrar um lar melhor.

O grupo se chamava "adoção_interrupção" e atraía pais que enfrentavam dificuldades para criar crianças adotadas.

Megan Exon, moradora da Carolina do Norte, não era uma assistente social licenciada nem especialista em adoção. Era uma mãe, de 41 anos, que dois anos antes havia adotado uma criança. Seu marido havia visto o anúncio de um menino taiwanês na Internet, em um dos fóruns online que sustentam o mercado clandestino de crianças que estão sendo rejeitadas pelos pais adotivos nos EUA.

O casal que estava abandonando o menino taiwanês de 4 anos disse a Megan Exon que os pés dele eram grandes demais e suas orelhas pareciam engraçadas. Se pais podiam se descartar de filhos adotivos de modo tão insensível, avaliou, talvez ela pudesse ajudar as crianças a encontrarem novas famílias, atuando como moderadora de sites na Internet.

"Nós apenas estávamos apresentando pessoas", afirmou Megan Exon sobre o grupo online, no qual pais buscavam novas famílias para crianças indesejadas, uma prática conhecida como "recolocação particular".

Por mais que parecesse bem-intencionada, ela iria se arrepender do papel que teve na rede de "recolocação", um conjunto de fóruns de Internet onde pessoas em busca de crianças podem rapidamente encontrar uma. Elas podem fazer isso sem envolver o governo e, algumas vezes, com a ajuda de intermediários cuja ação é ingênua, imprudente ou ilegal, constatou uma investigação da Reuters.

Os perigos da rede de "recolocação" se tornaram evidentes para Megan Exon logo depois de ela ter encaminhado duas famílias para um casal que vivia no Estado de Illinois, Nicole e Calvin Eason. Os Eason ficaram com as crianças, um menino russo e uma menina norte-americana.

Como os moderadores de outros sites de "recolocação", Megan não pensou que averiguar o histórico dos interessados fosse sua responsabilidade. Depois que as conexões iniciais eram feitas em seu quadro de avisos, cabia às famílias se encarregarem de checar a situação dos futuros pais. "Nós sempre lembrávamos às pessoas: 'arranje um advogado''', afirma.

"E, obviamente, nem sempre as pessoas faziam isso." Para obter a custódia legal por meio do serviço de acolhimento de crianças em novos lares nos EUA, os futuros pais passam por checagem de antecedentes criminais, inspeções na residência e, na maioria dos Estados, dezenas de horas de treinamento. Depois da colocação da criança, assistentes sociais visitam regularmente a família para garantir que a criança está segura.


Na "recolocação" privada informal, nada disso acontece. Os quadros de aviso online surgem como um serviço do tipo faça-você-mesmo para pais encerrarem sigilosamente uma adoção que, com frequência, está relacionada a crianças estrangeiras. Por não envolver autoridades do serviço de proteção social nas transferências de custódia, os pais podem contornar algumas das mais básicas medidas de segurança do governo --que demandam tempo- para proteger as crianças.

Intermediários

Em um quadro de avisos Adopting-from-Disruption a Reuters descobriu dezenas de outros intermediários que anunciavam crianças. Poucos tinham formação como assistente social. Alguns haviam ficado com algumas ou as recolocado pessoalmente em outras famílias. Muitos pareciam ter um perfil de benfeitores, como Megan Exon, que tenta ajudar crianças necessitadas em busca de novas famílias.

Em alguns casos, os anúncios de crianças indesejadas driblam um amontoado de leis estatais que definem quem pode transferi-las e como. De alguma forma, 29 Estados norte-americanos têm leis estabelecendo como se pode anunciar crianças para adoção. Em muitos desses Estados as pessoas que ajudam na recolocação têm de ser licenciadas para essa tarefa.

O Yahoo removeu o Adopting-from-Disruption depois de a Reuters lhe ter informado o que acontecia lá. Depois, a empresa retirou do ar outros cinco grupos para os quais a Reuters chamou sua atenção.

Um grupo relativamente novo de "recolocação" é a página do Facebook chamada de Way Stations of Love, fundada no ano passado por Tim Stowell, de 60 anos, quatro filhos adotivos, e funcionário de um internato para meninos no Estado do Tennessee. O Facebook diz que a atividade na página é "um reflexo da sociedade".

Stowell afirma que o Way Stations tem duplo propósito: apoiar pais estressados que buscam uma recolocação (oficial) e ajudar a encontrar novas famílias para as crianças, se necessário. Atualmente o grupo tem 275 membros. Sua classificação no Facebook é como "secreta", o que significa que somente membros podem vê-la, outros precisam de permissão de Stowell para aderirem.

Como a maioria dos intermediários, Stowell afirma deixar a responsabilidade de averiguação dos futuros pais para as famílias que oferecem a criança. Em alguns casos, diz ele, os pais fazem contato pelo site e trocam e-mails particulares para definir a transferência da custódia. "E eu nunca sei o que acontece com elas", afirma Stowell, referindo-se às crianças.


No Tennessee, nenhuma lei impede Stowell de pôr anúncios de adoção ou ajudar pais a encontrarem crianças disponíveis. Mas Stowell diz não ter certeza se outros intermediários que facilitam tais tranferências online estariam violando a lei. "Pode ser que estejam", diz. "Não sei se as leis estaduais se mantêm em compasso com o modo como a Internet funciona. Espero que as pessoas obedeçam as leis de seus diferentes Estados, quaisquer que sejam." Idaho é um Estado que impõe restrições a anúncios de adoções. Há um estatuto proibindo pessoas sem licença estadual de divulgarem crianças para adoção ou transmitirem a outros "a habilidade de colocar, localizar, dispor ou receber uma criança ou crianças para adoção".

"Só Tentando Ajudar"

Uma lista online de crianças disponíveis é mantida por uma organização não-governamental com sede em Idaho chamada Lares Cristãos e Crianças Especiais, ou Chask, na sigla em inglês. Há quase uma década o grupo vem ajudando a pôr crianças em contato com novos pais. Não tem licença estadual.

"Nós apenas estamos tentando ajudar famílias", diz Tom Bushnell, advogado que fundou o grupo com sua mulher, Sherry.

A maioria das crianças relacionadas para "recolocação" tem origem em adoções internacionais fracassadas, e um aviso de alerta em seu website diz: "A Chask tem de ser considerada o 'último recurso' possível para se encontrar um novo lar adotivo para uma criança previamente adotada." De início, os reguladores não estavam familiarizados com a Chask. Depois de a Reuters ter feito perguntas recentemente sobre a organização, um porta-voz do Departamento de Saúde e Bem-Estar do Idaho disse no final do mês passado que o procurador-geral do Estado iniciou uma avaliação. Segundo o porta-voz, está em questão o "escopo das atividades da Chask e se eles não estão violando a lei do Idaho".

Tom Bushnell diz que a Chask não está violando a lei estadual sobre anúncio de crianças para adoção, em parte pelo fato de o computador usado pelo grupo se localizar em outro Estado.

No entanto, as crianças anunciadas e as próprias transferências de custódia podem estar violando a lei -um acordo entre Estados norte-americanos chamado Pacto Interestadual para a Colocação de Crianças (ICPC, na sigla em inglês).


Embora o ICPC tenha sido adotado por cada Estado, alguns deles não fixaram as penalidades para violação do pacto. Em outros, os descumprimentos são consideradas contravenções, mas, mesmo assim, as autoridades quase nunca processam os infratores. Illinois informa que não indiciou ninguém em 15 anos.

Muitos policiais não estão familiarizados com o ICPC. Autoridades a par do pacto dizem estar concentradas em ajudar as crianças e não em verificar se a lei é cumprida.

"Falando honestamente, nós não ficaríamos tão preocupados com uma punição para uma pessoa que viole o pacto", afirma o vice-gestor do ICPC no Estado do Oregon, Harry Gilmore.

"Tendências Violentas"

Quando Megan Exon ficou sabendo sobre os Eason, por intermédio de outra mulher que monitorava os quadros de avisos, ela diz ter ficado horrorizada. Uma mulher que conhecia desse serviço lhe disse suspeitar que os Eason estavam mentindo para convencer os pais a lhes entregar crianças.

Mesmo assim, Megan não tinha nenhuma ideia sobre o tipo de pais que os Eason eram. Autoridades do serviço de proteção a crianças haviam retirado anos antes os dois filhos biológicos de Nicole Eason, um menino e uma menina. Um relatório de autoridades que retiraram o filho recém-nascido dos Eason descreve o casal como tendo "graves problemas psiquiátricos" e "tendências violentas".

E um homem que, com Nicole, chegou a levar uma criança estava negociando na Internet imagens de crianças nuas. Ele agora cumpre pena de 20 anos em uma prisão federal.

Megan Exon acabou dirigindo por dez horas de sua casa na Carolina do Norte até a residência dos Eason em Danville, Illinois, para tentar reaver a menina e o menino que ela ajudara a recolocar lá. Calvin Eason concordou, e ela levou as crianças naquele mesmo dia.

Ela está prestes a adotar a menina, agora com 14 anos; o garoto, Dmitri Stewart, está com 20 anos e vive por conta própria.

Agora, Dmitri conta sua experiência de vida na casa dos Eason. Estranhamente, nenhum dos quartos tinha portas. Dmitri perguntou por que a Nicole. "Gosto de ver você dormir", ela respondeu, segundo conta Dmitri. Sua resposta, diz ele, fez com que ele se sentisse "muito estranho".

Dmitri não tinha nenhuma ideia sobre há quanto tempo a menina de 8 anos, de cabelo castanho desgrenhado e amplo sorriso, estava morando lá. Ele não sabia então de onde ela tinha vindo e diz que ela dormia na cama dos Eason.


Os Eason nunca o mandaram à escola, diz, por isso, ele ficava em casa e fumava cigarros que lhe davam. Uma foto tirada em Danville mostra Dmitri na escada em frente à casa, com um cigarro e uma garrafa de água na mão esquerda. Ele veste uma camisa de futebol e calças escuras, e tem uma expressão vazia.

Em uma entrevista, Nicole Eason se melindrou com o relato de Dmitri. Ela disse que o quarto dele tinha uma porta-sanfona, que nunca lhe comprou cigarros e a menina nunca dividiu a cama com os Eason. Ela também afirmou que as autoridades nunca levaram seus filhos biológicos e que eles ainda vivem com ela. Autoridades nos Estados de Massachusetts e Carolina do Sul confirmaram à Reuters que as crianças foram tiradas dela há mais de uma década, e nunca devolvidas.

"Mundo da Adoção"

A experiência com os Eason convenceu Megan Exon a parar imediatamente de atuar como moderadora do quadro de avisos de "recolocação". "Senti que talvez estivéssemos fazendo algo errado", diz ela. "Eu não queria mais ser parte disso." Mais do que a maioria das pessoas -e certamente mais do que o governo dos EUA- os Eason entendem o risco da troca de crianças pela Internet: como crianças podem ser entregues sem nenhuma supervisão, e o quanto é fácil para os pais enganarem e serem enganados.

"Você quer saber o que está errado no mundo da adoção?", perguntou Nicole. "Você não consegue informação. Você também é enganado." Em entrevistas à Reuters, os Eason falaram das crianças que levaram por meio da "recolocação". A maioria delas ficou com eles só por um curto período.

Nicole recitou os nomes delas e falou sobre o quanto significa para ela ser mãe. "Me faz sentir importante", explicou. "Imagino que talvez esse seja meu problema psicológico… é como, o que eu seria sem eles?" No mês passado os Eason estiveram em um quarto de hotel em Tucson, no Estado do Arizona. Eles tinham acabado de sair de uma casa cujo dono os despejou porque, segundo disse, eles não tinham pago o aluguel por dois meses.

Diante do hotel, Nicole respondeu a uma pergunta sobre se o casal poderia buscar outras crianças.

"Sim", disse ela. "Tenho crianças no meu quarto." (Reportagem adicional de Ryan McNeill e Robin Respaut em Nova York)

Acompanhe tudo sobre:CriançasEstados Unidos (EUA)InternetPaíses ricos

Mais de Mundo

Eleições EUA: faltam 3 meses para os americanos irem às urnas. E a tensão só aumenta

Brasil, Colômbia e México voltam a cobrar que Venezuela divulgue atas de votação

Nicarágua e China inauguram rota marítima comercial direta

Dissidências das Farc anunciam cessar-fogo durante a COP16 na Colômbia

Mais na Exame