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A Turquia se volta para o Oriente

Cada vez mais autoritário e criticado por líderes europeus, Erdogan busca na Rússia e no Irã os aliados fundamentais para se manter no poder

Erdogan e Rouhani no Irã: unidos contra o Curdistão e por uma aliança que limite a influência europeia e americana no Oriente Médio (Murat Cetinmuhurdar/ Presidential Palace/Reuters)
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EXAME Hoje

Publicado em 5 de outubro de 2017 às 20h51.

Última atualização em 5 de outubro de 2017 às 20h51.

A Turquia deu nesta quarta-feira mais uma mostra de endurecimento do regime, numa escalada que começou com a fracassada tentativa de golpe perpetrada em julho de 2016. A Suprema Corte turca condenou 42 dos 47 homens acusados de tentar assassinar o presidente turco Recep Tayyip Erdogan.

Eles teriam tentado matar o presidente enquanto ele e sua família estavam hospedados em um resort de luxo na cidade de Mugla, na região sudeste do país, na noite do golpe. Segundo relatos, Erdogan escapou por pouco do ataque liderado por militares rebelados.

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Trinta e quatro dos acusados foram sentenciados a prisão perpétua, seis foram condenados a prisão e dois pegaram penas mais leves, segundo a agência Reuters. “Espero que o veredito de hoje seja benéfico para todos”, afirmou o juiz Emirsah Bastog ao ler a sentença.

Não foi, evidentemente. Segundo os acusados, o julgamento não foi justo, e eles sequer tiveram oportunidade de se defenderem. “Desde o momento em que fui preso na base aérea em 16 de julho eu fui tratado como um criminoso”, afirmou o ex-oficial Ergun Sahin à corte. “Palavras não significam nada se não tivermos a chance de um julgamento justo”, afirmou Gokhan Sen, outro acusado.

Para o professor de Relações Internacionais da Faculdade de Belas Artes Sidney Ferreira Leite, a condenação demonstra a transformação do país em uma ditadura. “A condenação já era esperada, porque já não há mais autonomia dos poderes no país. Todos estão sob controle do governo”, afirma.

A decisão ocorre na mesma semana em que Erdogan afirmou que o país não perde nada se ficar fora da União Europeia. No domingo, o presidente turco afirmou que o bloco europeu falhou na luta contra o terrorismo e mesmo assim continua proibindo e não legitimando as ações da Turquia.

Erdogan não utiliza só desse argumento para provocar a União Europeia. A Turquia recebeu mais de 3,4 milhões de refugiados nos últimos anos, e se tornou o país com a segunda maior população de refugiados do mundo. Para Erdogan, o país contribuiu significativamente para o controle na entrada de refugiados na Europa, e evitou as tensões nas fronteiras do continente. Em troca, acertou receber ao menos 3 bilhões de euros em compensação e facilidade na obtenção de vistos para turcos entrarem no bloco europeu.

A postura cada vez mais dura de Erdogan pode marcar o fim de negociações e acordos iniciados há décadas. O primeiro acordo firmado entre a União Europeia e a Turquia ocorreu em 1959, e em 1987 o país requisitou a entrada definitiva ao bloco. Mas a discussão sobre sua solicitação só teve início em 2005.

Em 2016, a Turquia foi palco de um cataclisma político, com uma tentativa fracassada de golpe militar. Cerca de 250 pessoas morreram, e mais de 50.000 foram presas, incluindo membros da oposição, militares, jornalistas e professores.

Após o episódio, Erdogan saiu ainda mais fortalecido e ganhou argumentos para exercer um governo cada dia mais autoritário. Em abril deste ano, uma reforma constitucional foi aprovada pela população e fez com que Erdogan adquirisse ainda mais poderes sobre o país. A reforma mudou o sistema de parlamentarista para presidencialista, extinguindo o cargo de primeiro-ministro de concentrando ainda mais os poderes no cargo de presidente.

Desde então, o governo de Erdogan tem recebido duras críticas da comunidade internacional, e as negociações com o bloco europeu se tornaram ainda mais difíceis. Após a tentativa de golpe, o processo de entrada do país na União Europeia foi congelado. Segundo o secretário do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, o governo populista de Erdogan e as restrições à liberdade de expressão são inaceitáveis para um país que deseja ser membro do bloco europeu.

Nos últimos meses, a chanceler alemã Angela Merkel trocou acusações com Erdogan, afirmando que cidadãos alemães teriam sido presos na Turquia por contrariar o governo. Para ela, está claro que a Turquia não deve entrar na União Europeia, e que essa discussão deve acabar logo. Além da Alemanha, o governo francês também já se mostrou contra a entrada do país no bloco.

Olhos voltados para o oeste

Encurralado na Europa, Erdogan se concentra no Oriente Médio. Nesta quarta-feira, ele se encontrou com o líder iraniano Ayatollah Ali Khamenei e com o presidente Hassan Rouhani para firmar um acordo e tomar medidas contra o referendo pela independência do Curdistão Iraquiano, realizado no fim de setembro. A área, localizada na fronteira do Iraque com a Turquia, é rica em petróleo e próxima de núcleos terroristas que a coloca como eterna fonte de tensão na região.

Após a votação e a aprovação por mais de 90% da população curda pela separação, a Turquia afirmou que não realizaria mais nenhuma negociação com a região, e só trataria das trocas comerciais com o Iraque. Aliado ao Irã, o país passou a ameaçar com medidas “mais duras” a região autônoma.

Erdogan também tem na Síria um ponto nevrálgico de sua influência na região. Com tropas no país desde começo da guerra civil – em 2011 – a Turquia se tornou peça chave nos acordos e conciliações na Síria. No mês passado, o presidente russo Vladimir Putin afirmou que a Turquia, em parceria com a Rússia, foi fundamental para criar condições para o fim da guerra.

Para o professor Sidney, tanto a participação do país na guerra da Síria quanto o posicionamento contra os curdos apontam para a mudança de eixo na política externa do país. “Do meio de seu mandato até os dias de hoje, o presidente Erdogan fez uma mudança de eixo da política externa, trocando a inserção do país na Europa por um protagonismo no Oriente Médio”.

A Rússia é fundamental nesta mudança de postura. Em 2016, tropas turcas alvejaram um caça russo que entrou no espaço aéreo do país, congelando as relações entre Putin e Erdogan. Mas Erdogan pediu desculpas pelo ocorrido e, em agosto do ano passado, Erdogan visitou Moscou e relatou as boas relações com o líder russo. Foi o início de uma aliança fundamental para sua sobrevivência política e influência na região – e, ao mesmo tempo, dando mais uma banana para os líderes ocidentais.

Putin comanda a política russa desde a virada do século. Erdogan é o presidente turco há três anos, mas foi primeiro-ministro do país entre 2003 e 2014, o que faz com que seja o homem forte da política turca há 15 anos. Líder de um estado tradicionalmente laico, o presidente vem cedendo cada vez mais à influência da religião na política turca – permitindo, por exemplo, que mulheres voltem a usar véu em instituições estatais.

Por combinar religião e política, reprimir (e matar) opositores, e expandir a influência turca no oriente, é acusado por opositores e observadores internacionais de reavivar um sultanato como nos tempos do império otomano. Como se vê pelas recentes declarações, ele não está nem aí para as críticas.

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