A macabra disputa entre terroristas no Afeganistão
Num intervalo de 10 dias, quatro atentados do Talibã e do Estado Islâmico deixaram 141 mortos no país que recebe cada vez mais tropas americanas
Da Redação
Publicado em 29 de janeiro de 2018 às 20h18.
Última atualização em 29 de janeiro de 2018 às 20h18.
Uma macabra corrida entre o Talibã e o Estado Islâmico (EI) para ver quem mata mais deixou ao menos 141 mortos (sem contar os terroristas) no Afeganistão em nove dias, entre sábado 20 e esta segunda-feira 29. Foram quatro atentados, envolvendo suicidas com coletes com explosivos e comandos armados de fuzis; dois cometidos pelo talibã e os outros dois, pelo EI.
A onda de ataques equivale a um balde de água fria para o governo americano, que vinha comemorando recentemente os sinais de recuo e de disposição de negociar, ao menos por parte do talibã. Depois da retirada das forças de combate dos EUA e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), nos últimos anos, haviam permanecido no país apenas equipes militares de treinamento e assessoria. Os ataques contra alvos do talibã, do EI, da Al-Qaeda e de seus aliados passaram a ser realizados principalmente com drones.
Essa dinâmica foi revertida pelo presidente Donald Trump. Em abril, ele ordenou o disparo da chamada “mãe de todas as bombas”, com 11 toneladas, contra um reduto do Estado Islâmico no leste do Afeganistão, matando 92 militantes. Trump também ordenou o aumento de tropas e de equipamentos.
Grupos terroristas competem entre si para realizar as ações mais ousadas, com o maior número de mortos, que demonstrem sua força em contraste com a vulnerabilidade do Estado — golpes de propaganda para recrutar mais militantes e atrair mais apoio financeiro e político.
Três dos atentados foram realizados na capital, Cabul, a região mais protegida do país. O ataque desta segunda-feira teve como alvo uma instalação militar, a Universidade de Defesa Nacional Marechal Fahim.
A base de treinamento, usada por instrutores americanos e da Otan, foi atacada de madrugada por cinco militantes. Dois deles morreram ao detonar os explosivos em seus coletes na entrada da base. O objetivo era facilitar a invasão de três outros, armados com fuzis.
Mas os guardas conseguiram interceptá-los, matando dois e capturando o terceiro. Mesmo assim, 11 soldados afegãos morreram e 16 ficaram feridos. O atentado foi reivindicado pelo EI.
Perto da mesma academia, em outubro, 15 cadetes foram mortos e 4 feridos quando um suicida se explodiu perto do micro-ônibus que os transportava para casa. Naquele caso, foi o talibã quem assumiu a autoria.
O grupo foi formado originalmente por filhos de refugiados afegãos que estudaram nas madrassas, escolas religiosas do lado paquistanês da fronteira, e que ocuparam o Afeganistão a partir de 1993, com apoio do Paquistão. Ele também assumiu o atentado de sábado, no qual uma ambulância-bomba explodiu no centro de Cabul, matando ao menos 103 pessoas e ferindo mais de 230.
A ambulância conseguiu passar por um posto de controle do Exército em uma das regiões mais vigiadas da capital, perto da Praça Sadarat, a cerca de 1,5 km da embaixada dos EUA e do quartel-general da Otan. Mas foi parada em um segundo posto de controle, onde explodiu. Era hora do almoço e havia muita gente na rua. A maioria dos mortos eram civis.
O atentado de sábado foi o segundo maior desde que o talibã e a Al-Qaeda iniciaram sua insurgência contra o governo afegão e a presença dos EUA e da Otan no Afeganistão, após a invasão americana do país, em outubro de 2001. A violência se intensificou a partir da chegada do EI, nos últimos anos.
O maior atentado foi a explosão de um caminhão-bomba em maio do ano passado, perto da embaixada da Alemanha em Cabul, e matou 150 pessoas.
Nenhum grupo assumiu a autoria, mas, segundo o NDS, o serviço de inteligência afegão, ele foi executado pela rede Haqqani, baseada no Afeganistão, que também luta contra o governo afegão e a presença dos EUA e da Otan no país.
O grupo recebeu ajuda do governo de Ronald Reagan nos anos 80, na luta dos combatentes islâmicos para expulsar a então União Soviética do Afeganistão. A Al-Qaeda também recebeu essa ajuda, já no governo de George Bush pai, no fim dos anos 80.
Se o talibã carrega uma ambulância com explosivos, o EI ataca entidades humanitárias. O grupo assumiu o atentado de quarta 24 contra a sede da ONG britânica Save the Children em Jalalabad, no leste do Afeganistão.
O ataque seguiu o padrão do de segunda-feira: um suicida detonou os explosivos em um veículo no portão de entrada, abrindo caminho para a invasão de quatro homens armados. Cinco pessoas morreram, além do suicida e dos quatro invasores, mortos em uma batalha de dez horas com as forças de segurança, deslocadas para lá.
Outro alvo civil foi atacado no sábado 20: o Hotel Intercontinental de Cabul, um dos poucos com um padrão ocidental na cidade, e que por isso hospeda muitos funcionários e jornalistas estrangeiros. Lá, o confronto com os seis militantes que invadiram o hotel durou 16 horas. O ataque deixou 22 mortos, a maioria civis estrangeiros, e foi assumido pelo talibã, embora algumas autoridades afegãs o tenham atribuído à rede Haqqani, sua aliada.
“Essa pode ser uma estratégia do talibã de demonstrar que continua forte no Afeganistão por meio de ataques de grande repercussão, seja para testar a força do governo, seja para superar seus concorrentes, principalmente o EI”, disse à VICE News a pesquisadora Emily Winterbotham, do Royal United Services Institute for Defence and Security Studies, em Londres.
“À medida que o EI prova sua resiliência, podemos ver uma escalada nos ataques, com os dois grupos tentando superar um ao outro”, previu a especialista.
A onda de ataques tem alcançado um outro objetivo: o de aumentar a insatisfação contra o governo do presidente Ashraf Ghani, eleito em 2014, e contra as Forças Armadas, acusadas de corrupção e incompetência.
“Em vez do silêncio, o presidente precisa aparecer, falar com o povo, garantir que está buscando atender as reivindicações, trabalhando para reformar o setor de segurança”, tuitou Smaira Hamidi, ativista afegã dos direitos humanos.
Depois do atentado com a ambulância no sábado, a Casa Branca divulgou uma declaração de Trump: “Esse ataque assassino renova nossa disposição e a de nossos parceiros afegãos. A crueldade do talibã não prevalecerá”.
A nota continua: “Os EUA estão comprometidos com um Afeganistão livre de terroristas que podem atacar americanos, nossos aliados e todos que não compartilham sua ideologia perversa. Agora, todos os países deveriam adotar ações decisivas contra o talibã e a infra-estrutura terrorista que o apoia”.
O talibã controla 40% do território afegão. É o auge de sua influência, desde que o grupo foi destituído com a invasão americana, em 2001, por se recusar a entregar o líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden. Cerca de 7.000 integrantes das forças de segurança afegãs e 3.000 civis foram mortos no ano passado.
Quando Trump assumiu, em janeiro do ano passado, havia 8.400 militares americanos no Afeganistão. O efetivo aumentou para 13.000, e deve chegar a 16.000. Além disso, o presidente anunciou em agosto que os comandantes no terreno teriam mais autonomia de decisão. Ele também prometeu aumentar a ajuda às forças afegãs: “Quanto mais eficazes as forças de segurança afegãs se tornarem, menos teremos que fazer”.
A julgar pela onda de ataques do talibã e do EI, o Afeganistão ainda vai precisar muito dos americanos.