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A China pode parar o imparável Kim Jong-un?

Kim Jong-un sabe que não pode ir à guerra com os Estados Unidos ou com a China, mas precisa ameaçar para sobreviver

Xi Jinping: o último teste coreano foi realizado para constranger o líder chinês, segundo analistas (Fred Dufour/Reuters)
CR

Carolina Riveira

Publicado em 6 de setembro de 2017 às 20h45.

Enquanto se ocupava em ser o anfitrião da 9ª conferência dos Brics, encerrada nesta terça-feira, o presidente chinês Xi Jinping passou os últimos dias dividindo a atenção entre o grupo dos países emergentes e o vizinho Kim Jong-un, ditador norte-coreano. Após cinco testes nucleares só neste ano, a Coreia do Norte realizou no último domingo o que vem sendo considerado o maior lançamento de todos: o regime afirma ter produzido com sucesso uma bomba de hidrogênio, com maior capacidade que a nuclear — o artefato provocou um tremor de magnitude 6.3 graus no país.

A poucos quilômetros de onde Kim Jong-un assistia aos potenciais estragos da chamada “bomba H”, Xi Jinping discursava na abertura do encontro dos Brics (grupo que reúne China, Brasil, Rússia, Índia e África do Sul). No dia seguinte, o Conselho de Segurança da ONU se reuniu em caráter extraordinário, e a embaixadora dos Estados Unidos na organização, Nikki Haley, afirmou que Pyongyang estava “implorando por guerra”.

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Mas além de ter contribuído para aumentar de forma considerável as tensões na comunidade internacional, a data escolhida por Kim para lançar sua nova superbomba, em meio a um encontro na qual a China se esforçava para reforçar sua liderança geopolítica entre os emergentes, pode significar que os norte-coreanos quiseram mandar um recado especial a Pequim. “A Coreia do Norte quis deixar claro que não escuta a China, não respeita a China e não se importa com a China”, diz o professor Xiaohe Cheng, da Escola de Estudos Internacionais da Renmin University, da China. “O teste roubou a cena na reunião dos Brics e tentou arruinar a reunião, e foi uma derrota para os chineses, que estavam determinados a fazer o encontro dos Brics um grande sucesso.”

As relações entre Pyongyang e Pequim têm esfriado neste ano, sobretudo no mês passado, depois que a China acatou sanções do Conselho de Segurança da ONU e parou de importar ferro, chumbo e outros minérios da Coreia do Norte. Os chineses respondem por 93% do comércio norte-coreano, e só os minérios vendidos para a China fazem a Coreia do Norte faturar 1 bilhão de dólares por ano – ainda que em volume muito menor, outros países também fazem negócio com Pyongyang, como o próprio Brasil, que exporta café, chá e especiárias e compra produtos como máquinas e aparelhos elétricos.

A importância chinesa nas finanças norte-coreanas é o que fez o presidente americano, Donald Trump, declarar sucessivas vezes que a China não dá um fim em Kim Jong-un porque não quer fazê-lo. De fato, é inegável que o comércio com a Coreia do Norte — tanto o legalizado quanto o tráfico na fronteira — é justamente um dos pontos que fazem a China não abandonar de vez Pyongyang. Mas o principal motivo é que os chineses temem que, com a queda do regime norte-coreano, as duas Coreias se unifiquem e transformem-se num poderoso aliado militar dos Estados Unidos. Outro medo de Pequim é que muitos imigrantes norte-coreanos venham ao país se o reinado de Kim Jong-un acabar.

Assim, em meio à crise, a China vem tentando ser o fiel da balança para evitar um embate direto entre os ânimos acirrados de Donald Trump e Kim Jong-un. Ao mesmo tempo em que tenta pressionar o ditador norte-coreano para segurar a onda em seus testes nucleares, os chineses também querem que Estados Unidos e Coreia do Sul parem com seus exercícios militares conjuntos, vistos pela Coreia do Norte como uma provocação. Mas nenhuma das partes está colaborando.

“Com esse último teste, é possível que os norte-coreanos quisessem sinalizar duas coisas diferentes para a China: que a defesa da Coreia do Norte não é dependente da proteção chinesa e que a pressão chinesa não será atendida pelos norte-coreanos enquanto não for atendida pelos EUA e pela Coreia do Sul”, diz a especialista em segurança internacional Raquel Gontijo, do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes) da Unesp.

O teste da nova bomba de hidrogênio norte-coreana também acontece próximo ao Congresso do Partido Comunista Chinês, realizado a cada cinco anos e agendado para outubro. A reunião, evento mais importante da política chinesa, vai escolher líderes para importantes cargos do país — e vai ratificar Xi Jinping no cargo até 2022.

“Eu acredito que a mensagem básica da Coreia do Norte é tanto para a China quanto para os Estados Unidos: eles não vão abrir mão das armas nucleares sob qualquer circunstância, e a pressão internacional não vai ser capaz de pará-los”, afirma Benjamin Silberstein, especialista em Coreia do Norte e países asiáticos na Universidade da Pensilvânia.

Para o pesquisador, além de mostrar que a Coreia do Norte não vai se deixar intimidar pela comunidade internacional, Kim Jong-un também quer usar a força para obrigar os Estados Unidos a negociarem um acordo no qual Pyongyang saia fortalecido e que permitiria à Coreia do Norte manter seu programa. E, para isso, o apoio da China seria crucial. “Um dos objetivo de Kim provavelmente é fazer com que a China seja uma facilitadora no reconhecimento global da Coreia do Norte como um estado nuclear”, diz Silberstein.

Kim Jong-un sabe que não pode ir à guerra com os Estados Unidos ou com a China, mas precisa ameaçar para sobreviver. “Ele quer evitar que aconteça na Coreia o que aconteceu no Iraque e na Líbia: uma intervenção estadunidense para promover uma mudança de regime”, diz Raquel Gontijo, da Unesp. “Não há uma expectativa realista de que a Coreia do Norte abra mão do seu programa nuclear agora. O que pode ocorrer, se houver incentivos suficientes — como garantias de não-intervenção e benefícios econômicos —, é a suspensão temporária desse programa.”

O problema é que, ao bater de frente com seu único aliado, Kim pode não estar usando a estratégia certa. “Esse sexto teste nuclear não vai ajudar a Coreia do Norte a ganhar o respeito da China”, diz Cheng, da Renmin University. “Pelo contrário, vai fazer a China se aproximar ainda mais dos Estados Unidos e tomar medidas punitivas contra a própria Coreia do Norte.”

Por outro lado, resolver a questão não é tão simples quanto parece a Trump, e nem mesmo a China é capaz de fazê-lo sozinha. Atores como Estados Unidos, Rússia, Coreia do Sul e Japão também precisarão deixar o orgulho de lado e negociar saídas para o conflito. Algo que não vem acontecendo até agora, nem mesmo após a eleição de Moon Jae-in, presidente recém-eleito na Coreia do Sul e que assumiu com uma bandeira de propor mais diálogo com os vizinhos do norte. “A China sozinha não vai conseguir forçar a Coreia do Norte a abandonar suas armas nucleares. A desnuclearização da península coreana precisa de um esforço coletivo em que todas as partes precisam trabalhar juntas”, completa Cheng.

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