A ambição global de Xi Jinping
Lucas Amorim, de Pequim Pequim amanheceu preparada para a festa no sábado. Era véspera do início da “Belt and Road Conference” (Cinturão e Rota, em português) um evento pensado para mostrar ao mundo o tamanho das ambições internacionais da China. Pela cidade, faixas alaranjadas decoravam milhares de postes reforçando o mote do evento: “união para […]
Da Redação
Publicado em 15 de maio de 2017 às 16h52.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h18.
Lucas Amorim, de Pequim
Pequim amanheceu preparada para a festa no sábado. Era véspera do início da “Belt and Road Conference” (Cinturão e Rota, em português) um evento pensado para mostrar ao mundo o tamanho das ambições internacionais da China. Pela cidade, faixas alaranjadas decoravam milhares de postes reforçando o mote do evento: “união para paz e prosperidade”.
Na teoria, a conferência, que termina nesta segunda-feira, reúne mais de 60 nações da Ásia e da Europa Central para discutir um plano comum de investimento em infraestrutura. Os projetos somam mais de 69 bilhões de dólares para integrar as economias com pontes, estradas, oleodutos, novas rotas comerciais. Na prática, é a ponta de lança de um ambicioso plano do presidente chinês Xi Jinping de virar a maior potência econômica do planeta.
Ao investir em infraestrutura mundo afora, a China busca retornos mais atrativos para suas reservas internacionais que somam mais de 3 trilhões de dólares e estão estacionadas em fundos americanos com retornos limitados. A ambição global também responde a um desafio interno de Xi e do partido comunista que ele comanda. Com a economia crescendo menos que em anos anteriores, e a população envelhecendo em velocidade maior que a projetada, encontrar novas frentes de expansão é fundamental para se consolidar no poder. Em outubro, Xi deve ser reconduzido para mais cinco anos à frente do partido – e, consequentemente, do país – e a ambição internacional deve ser um dos motes de seu novo mandato.
Por agora, como se viu no fim de semana, a conferência reforça sua imagem como o líder inconteste de um partido onipresente. Em cada esquina de Pequim, grupos de voluntários se postaram com bandeiras e faixas vermelhas para saudar Xi e seus convidados. Nos arredores da praça Tianamen, a mais importante do país, o aparato de segurança era tão forte que as filas para revistas de turistas se alongavam por quarteirões. Soldados montavam guarda em centenas de postos de controle pela cidade e em todas as estações de metrô. Nada podia dar errado, e até o tempo ajudou. Na semana anterior, uma nuvem de poluição e poeira levou a qualidade do ar para níveis irrespiráveis em Pequim – não se via 100 metros à frente. Desta vez, céu azul, e, segundo institutos independentes, ar tão limpo quanto no interior de São Paulo no mesmo momento.
Xi abriu o evento por volta das 9h de domingo, e o discurso, claro, foi transmitido ao vivo pela CCTV, o canal oficial do governo. Em sua fala, o presidente chinês classificou a iniciativa “Um Cinturão, Uma Rota” como o “projeto do século”. “Abrangendo milhares de quilômetros e milhares de anos, as antigas rotas da seda incorporam o espírito de paz e cooperação, abertura e inclusão, aprendizado e benefício mútuos. Devemos promover novos tipos de relações internacionais com cooperação vantajosa para todos”, afirmou Xi.
O evento reuniu representantes de mais de 100 países. Dos 65 países formalmente envolvidos no plano, apenas 20 mandaram seus chefes de Estado. Os outros 44 optaram por representantes menos importantes — caso de todas nações do Oriente Médio.
O ambicioso projeto chinês começou a sair do papel em setembro de 2014. Num evento em Astana, no Cazaquistão, Xi propôs o lançamento de uma Nova Rota da Seda, que ligaria as cidades ricas da China ao Mar Báltico, com novas rotas de transporte que favorecessem o comércio e o desenvolvimento da região. Xi falou até em uma nova conversão entre as moedas locais, que dispensasse o dólar nas intermediações. Um mês depois, na Indonésia, Xi anunciou um plano para unir por mar os países do Sudeste Asiático. Um ano depois, a China ainda anunciou a criação do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura.
Somadas, as três iniciativas deram origem ao Um Cinturão, uma Rota nos moldes atuais e reforçam o discurso histórico feito por Xi Jinping em Davos no início deste ano, quando, mesmo sem citar o presidente americano Donald Trump, se colocou como protagonista de uma nova ordem comercial global.
Xue Li, o diretor do centro de política e economia globais da Academia de Ciências Sociais da China, costuma chamar o projeto de Plano Marshall Chinês, fazendo referência ao conjunto de investimentos americanos para estimular a economia europeia no pós-Guerra. A questão que traz inquietação para vizinhos como a Índia e levanta desconfiança de países como os Estados Unidos é que, desta vez, não há um pós-guerra que justifique toda essa reengenharia da arquitetura global, como a China vem defendendo.
A explicação da renovada ambição chinesa está na história, segundo Howard French, no recém-lançado Everything Under the Heavens (Tudo sobre os céus). “A China está voltando ao papel de Reino do Meio, de um mundo dividido entre China e não-China, a hierarquia de duas mãos com a China, obviamente, no topo”, diz. Segundo French, as novas décadas devem trazer de volta a lógica expansionista que predominou na China até o século 18.
O país se estabelecia não com conquistas militares, mas impondo sua política e seu modelo econômico – conhecidos na China como tian xia. Foi dessa forma que a China dominou o Sudeste Asiático e é dessa forma que pretende voltar a reinar não só em sua esfera de influência, mas globalmente. “Depois de ir tão longe e tão rápido em poucas gerações, a China não parece inclinada a parar aqui”, afirma French.
O problema, evidentemente, é que as ambições chinesas encontram forte resistência mundo afora. A estabilidade do partido comunista, que controla os projetos chineses com mão de ferro, não é vista nos países parceiros. Novos governos no Sri Lanka e em Mianmar, por exemplo, estão rejeitando acordos firmados por antecessores. Na Ásia Central, poucos projetos teriam de fato viabilidade econômica, o que faria seu financiamento pouco atrativo mesmo para bancos chineses.
Questões políticas também pesam. O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, optou por não participar do fórum. A Índia está boicotando o projeto por causa de preocupações com os investimentos chineses em seu rival Paquistão. Na véspera do evento, o governo indiano afirmou que a iniciativa pode representar “dívidas insustentáveis para vários países”.
No encontro que terminou hoje em Pequim, Xi Jinping esbanjou otimismo. O dia-a-dia de seu plano de conquista global deve se provar muito mais conturbado.