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Reino Unido e Europa: amor e ódio

A menos de uma semana para os britânicos votarem a possível saída da União Europeia, o Brexit, as pesquisas de opinião ainda não conseguem prever o resultado do referendo. A população segue na dúvida: ser ou não ser europeu, eis a questão. A União Europeia nasceu com a comunhão de Bélgica, França, Itália, Holanda e Alemanha Ocidental, que, em […]

REFERENDO: Britânicos estão divididos sobre deixar ou não a União Europeia / Andrew Boyers / Reuters
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Da Redação

Publicado em 17 de junho de 2016 às 20h36.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h26.

A menos de uma semana para os britânicos votarem a possível saída da União Europeia, o Brexit, as pesquisas de opinião ainda não conseguem prever o resultado do referendo. A população segue na dúvida: ser ou não ser europeu, eis a questão.

A União Europeia nasceu com a comunhão de Bélgica, França, Itália, Holanda e Alemanha Ocidental, que, em 1957, criaram a Comunidade Econômica Europeia (EEC), um acordo de livre comércio assinado em Roma. O Reino Unido só viria engrossar as fileiras — a contragosto de algumas partes da política local — em 1973, depois de ter sido barrado duas vezes pelo então presidente da França, Charles de Gaulle, em 1963 e 1967.

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Dois anos depois, em 1975, já se debatia a saída do bloco em um referendo. Uma ala pequena, porém cheia de voz, do Partido Conservador (o mesmo do atual primeiro-ministro David Cameron) defende que o Reino Unido saia da união desde a época do governo de Margaret Thatcher. Esse grupo ganhou voz como oposição durante os anos do primeiro ministro Tony Blair. Para satisfazer os descontentes, Cameron prometeu um referendo sobre o assunto durante seu primeiro governo. Pensou que mais tarde conseguiria contornar a promessa com uma nova negociação com Bruxelas, mas não deu. Além das razões políticas e econômicas, o fato é que os súditos da rainha não se sentem europeus.

Distanciamento

Mais do que a questão geográfica — o Reino Unido é uma ilha separada dos outros 28 países que compõe a UE —, a noção de uma identidade europeia é bastante recente em todo o continente. Trinta anos antes de entrar no bloco econômico europeu, em 1973, os britânicos lutavam contra italianos e alemães na Segunda Guerra Mundial. A rixa entre Inglaterra e França é ainda mais antiga, data de por volta do ano 1.000, e é marcada por conflitos como a Guerra dos Cem Anos, que começou no século XIV.

Mais um  sinônimo de isolamento é a integração monetária, que nunca existiu. Os britânicos ainda usam o sistema imperial, com a cunhagem das moedas em modelo próprio, se recusando a aceitar o Euro, a moeda comum do bloco. O sistema métrico também é o do império britânico. Nele, as distâncias ainda são contadas por polegadas, pés, jardas, milhas e léguas, os acres medem as áreas e até a cerveja é medida em pints, diferente do resto do continente. Dirige-se os carros na famosa “mão-inglesa”, o oposto do que é feito nos outros países da região.

Construir uma identidade que abarque todo um continente é algo que vem sendo feito da década de 1990 para cá. Esse é um dos motivos para que os britânicos mais jovens sejam a parcela mais contrária a saída do bloco. Além da perspectiva de trabalhar e estudar em outros países sem a necessidade de visto, eles sentem-se mais integrados com o restante do continente.

Uma pesquisa do Pew Research Center mostra que dentre os britânicos de 18 a 34 anos, 57% tem uma visão favorável à União Europeia. Na população acima de 50 anos, a porcentagem cai para 38%.

Um dos motivos defendidos pelos favoráveis à saída é a perda de protagonismo que o Reino Unido costumava desempenhar na União Europeia. Com sua influência política e econômica reduzida em um bloco que cresceu nos últimos 50 anos, para os britânicos mais velhos, que são os principais apoiadores do Brexit, permanecer  na união parece fazer pouco sentido.

Dados do Centro Nacional de Pesquisas do Reino Unido mostram que “europeu” é uma palavra pela qual o britânico não se vê reconhecido. Em 2001, 43% se diziam mais atrelados com a palavra “britânico”, 38% com “inglês” e apenas 3% com “europeu”. Doze anos depois, os números permaneciam virtualmente os mesmos. De acordo com as pesquisas, 64% dos britânicos não se vê reconhecido de maneira alguma com a Europa. É o maior índice quanto a esse quesito em todo o continente. Na Alemanha, apenas 25% dos habitantes se sentem dessa maneira, na França 36%.

Dos quatro países que compõe o reino da rainha Elizabeth, os ingleses são os mais propensos a virar o barco pró-Brexit. Na Inglaterra, onde está também a maior parte da população, cerca de 50% apoiam a saída. No País de Gales o número é menor, 45%. Já na Escócia e na Irlanda do Norte, a vontade pela permanência na Europa é maior, 36% e 25% respectivamente. Esses países não se enxergam tanto como ingleses ou britânicos e também seriam os que mais perdem economicamente com a saída.

Fica ou sai?

Embora a baixa identificação com o restante do continente seja um motivo para explicar o pano de fundo do plebiscito, ela não é suficiente para decretar a saída do bloco. As pesquisas mostram que a margem de diferença entre a saída e a permanência são baixas. De acordo com um levantamento encomendado pelo jornal The Daily Telegraph, 49% preferem a saída, enquanto 48% que preferem ficar no bloco. O instituto de pesquisa ICM, a pedido do jornal The Guardian, calcula as chances de sair em 53%. Com as margens de erro que essas pesquisas trazem, qualquer cenário é virtualmente possível.

No dia 23, além do plebiscito, outros eventos movimentam a atenção dos britânicos, principalmente os mais jovens. Cerca de 180.000 jovens devem ir ao festival de música Glastonbury, que acontece durante cinco dias em uma fazenda em Somerset. As autoridades britânicas também estimam que entre 300.000 e 500.000 pessoas, muitos abaixo dos 30 anos, deixem o país durante a semana para frequentar a Eurocopa na França. Estas pessoas podem votar por e-mail ou procuração, mas o processo é burocrático. A ausência desses votos diante do cenário pode complicar ainda mais o resultado das urnas.

Atualmente, dentre os principais partidos do Reino Unido, o Partido Trabalhista defende a permanência junto ao bloco europeu, bem como a parte do Partido Conservador que compõe o governo do primeiro ministro Cameron e o Partido Liberal Democrata. O Partido Nacional Escocês também é pró-Europa. Autoridades internacionais como o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente da China, Xi Jinping, são alguns que apoiam a que as coisas permaneçam como estão. Economistas independentes e donos de grandes negócios também não querem ver a ilha se distanciar mais do continente.

A saída é defendida pelo Ministro da Justiça, Michael Gove, e também pelo ex-prefeito de Londres, Boris Johnson. Metade dos membros conservadores do parlamento também suportam o Brexit. Partidos nacionalistas na Alemanha, Holanda e França apoiam a debanda. A defesa da soberania do Reino Unido e políticas anti-imigração são as principais reivindicações.

Se os britânicos escolherem sair, a votação é definitiva. Será aberta uma negociação de dois anos com a União Europeia para discutir os termos do divórcio, que tem tudo pra ser turbulento. Se o Reino Unido escolher ficar, deve esperar algum tipo de represália vinda de Bruxelas. O movimento nacionalista tem crescido em outros países e a União Europeia não deve deixar passar a chance de inibir novas rebeliões. Thatcher dizia que ficar no meio do caminho é perigoso, já que a pessoa poderia ser atingida pelo tráfego de ambos os lados. Chegou a hora do Reino Unido decidir para qual lado vai.

(Thiago Lavado)

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