“A casa virou o novo templo”, diz Mauro Jeckel, da startup Spume.co
Uma pesquisa da empresa de big data mostra os efeitos da pandemia no mercado imobiliário – e as mudanças no comportamento do consumidor
Ernesto Yoshida
Publicado em 26 de agosto de 2020 às 13h44.
Fundada em 2014, a Spume.co é uma startup brasileira especializada em big data e inteligência artificial para predição de eventos. Neste ano, chamou a atenção por prever, com 30 dias de antecedência, o pico do coronavírus no Brasil e em outras partes do mundo por meio de um algoritmo construído com a ajuda de especialistas como cientistas, matemáticos e infectologistas. Hoje, a plataforma convocamosvoce.org atualiza, em tempo real, o comportamento do vírus pelo mundo.
A pedido da EXAME, Mauro Jeckel, CEO da Spume.co, extraiu, entre os mais de 12 milhões de textos coletados de janeiro até julho, os principais efeitos da covid-19 no mercado imobiliário . O recorte leva em consideração 15 bases de dados, entre elas redes sociais, números do IBGE e índices do setor, além de 30 emoções distintas, como alegria, tristeza, insatisfação e raiva.
“Contamos com a ajuda de dois algoritmos proprietários para interpretar textos e identificar as causas raízes”, explica Jeckel. Entre os clientes da startup estão empresas como Basf, Boticário, Saint-Gobain e Suvinil. A seguir, os principais insights da Spume.co:
1. A casa é o novo templo
Durante a pandemia, o tempo que as pessoas passam acordadas usufruindo da casa aumentou de 25% para 66%. Com isso, o interesse por assuntos relacionados a conforto, decoração , lazer em casa, saúde e bem-estar teve um salto. Algumas palavras mais buscadas de março a julho: Netflix, videogame, TV, cadeira de correr, quadro, luminária, cafeteira, microondas, aparelho de ginástica, yoga, vitamina e meditação. “As casas viraram uma espécie de templo, onde as pessoas vivem e se protegem”, afirma Jeckel.
2. Reparos em alta
As pessoas também estão mais preocupadas em fazer pequenos reparos do que reformar , segundo a Spume.co. “Elas não têm ido ao banco pedir empréstimo para fazer uma reforma, mas estão indo comprar objetos para mudar a casa, pois o furo aparente e a pintura desgastada, por exemplo, começam a incomodar mais”, diz Jeckel.
Segundo ele, o índice de massa corrida, que mede a importância que as pessoas dão para a relação com a casa, atingiu o maior pico dos últimos 20 anos. “A venda de massa corrida subiu cinco vezes em relação ao final do ano, que é período de maior venda”, diz ele. O dinheiro antes gasto com deslocamentos, viagens, academia e lazer passou a ser canalizado para a casa.
“São gastos compensatórios. É o que chamamos de “efeito batom” – um movimento percebido após grandes crises, como a Segunda Guerra Mundial e a queda das Torres Gêmeas, em que produtos como chocolates e batons, que proporcionam prazeres baratos, tiveram disparo nas vendas.”
3. Mudança para a periferia
De acordo com a Spume.co, a previsão é que 20% dos brasileiros que pertencem às classes A e B sigam trabalhando de casa após a pandemia. Com isso, a expectativa é que 14% dessas pessoas se mudem, em um primeiro momento (nos próximos dois anos), para periferia das cidades. Na etapa seguinte, o novo lar poderá ser na praia ou no campo.
“Observamos esse movimento na Europa e nos Estados Unidos. Moradores da capital passaram a viver na periferia e, depois, se mudaram da periferia para a praia ou para o lago”, diz Jeckel. “Essa não é uma tendência imediata, mas, seguindo os padrões mundiais, tudo indica que ela vai se consolidar.”
4. Busca por mais um cômodo
A busca de imóveis com um cômodo a mais ou a ampliação de um ambiente já existente para transformá-lo em home office são outras tendências apontadas pelo estudo. “A mudança para a periferia, inclusive, tem a ver com essa necessidade, considerando que nelas o preço do metro quadrado é menor, o que possibilitaria a escolha de imóveis mais espaçosos e com mais um cômodo para home office.”
5. Repensando o aluguel
Com os juros em queda e a vontade de fazer reparos na casa, quem mora de aluguel começa a analisar se não valeria mais a pena partir para a casa própria. “Temos notado um interesse maior de quem quer vender e comprar um imóvel”, diz Jeckel. A maioria dos inquilinos se sente, psicologicamente, dono do imóvel, exceto em dois momentos: nas reuniões de condomínio e na hora de reformar a casa. “Essas situações geram uma sensação de impotência”, diz o executivo.
Uma coisa é certa: o mercado imobiliário terá que se adaptar às novas necessidades de um novo consumidor.