Marketing

Como o shopper marketing ajuda a entender o consumidor

Em entrevista, Rafael D’Andrea explica o conceito e sua relação com o varejo

Shopper marketing: estratégia é construída em cima de todos os pontos de contato com o consumidor (Getty Images)

Shopper marketing: estratégia é construída em cima de todos os pontos de contato com o consumidor (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 4 de agosto de 2011 às 15h00.

Rio de Janeiro - Compreender e dominar todos os fatores que estão envolvidos na decisão de compra dos consumidores. Essa é proposta do shopper marketing, tendência que valoriza o comportamento dos clientes e busca oferecer a melhor experiência possível para fidelizá-los. Neste contexto, o ponto de venda ganha importância crucial para aqueles que decidem adotar o conceito como estratégia.

No Brasil, o shopper marketing ainda não se desenvolveu plenamente, devido à falta de entendimento dos profissionais sobre os processos necessários para estruturá-lo.

Para apresentar o conceito ao mercado nacional, os autores Rafael D’Andrea, Matheus Alberto Cônsoli e Leandro Angotti Guissoni lançaram no fim de julho o livro “Shopper Marketing - A nova estratégia integrada de marketing para a conquista do cliente no ponto de venda”.

A obra pretende desmistificar a estratégia e apresentar planos de ação para empresários e diretores de marketing.

Em entrevista, o coordenador do livro, Rafael D'Andrea, explica como a relação entre as marcas e os consmidores pode ser mediada a partir do shopper marketing e como usar estas informações em vendas, sem a necessidade de grandes investimentos.

Leia abaixo a conversa na íntegra, em que o profissional detalha esses processos.

Como deve ser elaborada a estratégia do shopper marketing?

Rafael D’Andrea - O conceito deve ser compreendido como uma evolução do marketing ao consumidor e do gerenciamento de categoria. O shopper marketing é o elo entre o trade e os clientes.

A estratégia é construída em cima de todos os pontos de contato com o consumidor, a partir das decisões que ele está fazendo ao adquirir um produto, desde a escolha da marca até o canal da compra.


Isso pode ser realizado a partir de comunicação por parte do varejo ou de ativações de marca. Este processo deve envolver desde a divulgação destes matériais até produção da embalagem do produto.

Um exemplo interessante é o da marca de fraldas geriátricas da Kimberly-Clark, nos Estados Unidos, que criou uma embalagem semelhante à moda underwear, para torná-la mais discreta.

Esse processo atrai a atenção dos consumidores e permite uma entrada na categoria, mesmo que a maior parte do faturamento da companhia não venha deste segmento. Isso é shopper marketing, porque coloca em evidência o comportamento de compra no centro da decisão.

A embalagem não é apenas vista a partir do aspecto de sua funcionalidade e leva em consideração o processo de compra.

Outro exemplo é o caso da Água Nestlé vendida dos Estados Unidos também. O produto é uma commodity, no qual a empresa colocou o selo Pink Ribonn, sinalizando que uma parcela das vendas seria direcionada para o combate ao câncer de mama no país.

Não houve alteração de preço, mas o que chamou a atenção dos consumidores e colaborou para o faturamento foi este valor agregado que a causa trouxe para o produto. Em meio a várias opções iguais, o consumidor prefere levar este porque se sente melhor colaborando com a humanidade.

Em quanto uma estratégia baseada nesse conceito pode colaborar para aumentar as vendas?

Rafael D’Andrea - Uma estratégia tradicional de gerenciamento de categoria pode aumentar de 10% a 15%, na comparação entre lojas, dependendo também da execução do plano.

Com o shopper marketing é possível direcionar ações para os consumidores mais fiéis, podendo vender produtos ou serviços complementares. Isso é importante tanto para a indústria e, principalmente, para o varejo, que pode segmentar a oferta para os clientes que são mais sensíveis ao preço.


Dependendo do tipo da ação, com o shopper marketing pode-se dobrar as vendas, desde que a estratégia conecte todos os pontos de contato.

Qual a diferença entre shopper maketing e trade marketing?

Rafael D’Andrea - O objetivo do trade marketing também é oferecer uma experiência de compra melhor para o shopper. A semelhança entre os dois é que eles buscam influenciar o consumidor no processo de compra. Embora os métodos usados no trade marketing sejam diferentes, a expectativa é alcançar o mesmo resultado. Os dois são complementares.

Quando uma empresa lança uma ação de trade marketing, ela é voltada para o canal e pode ter vários objetivos. Podemos ter ações promocionais para o trade e para o consumidor, por exemplo.

Do ponto de vista da organização, as ações voltadas para o trade podem ser incentivos, concursos para distribuidores e atacadistas. O shopper marketing tem um nível de sobreposição do trade marketing.

Sob a perspectiva do resultado, o objetivo é o mesmo, aumentar a conversão de vendas do seu produto. A diferença é uma questão de método mesmo.

Isso funciona na internet também?

Rafael D’Andrea - O shopper marketing funciona tanto para ponto de venda tradicional como para o ambiente online. O conceito está ligado ao processo de decisão, desde o momento em que o consumidor escolhe comprar até quando adquire um produto. O que as empresas devem fazer é buscar estímulos que aumentem as chances de conversão de compra.

A Amazon é um exemplo. Ao entrar no site, o internauta é recepcionado com cinco opções de livros. Logo na entrada, a companhia segmenta o shopper segundo um perfil e isso já é uma ação de shopper marketing, segmentar uma oferta que tenha valor para o cliente. Então a empresa passa a oferecer uma segmentação de promoção ao cliente e permite aos shoppers visualizarem páginas do livro para criar um estímulo.


Esse processo também está relacionado à experiência?

Rafael D’Andrea - Do ponto de vista do varejo físico está ligado ao gerenciamento de categoria. Do ponto de vista do marketing, de forma mais ampla, tem a ver com melhorar a experiência de compra. O shopper marketing é um marketing de experiência, baseado na compreensão da jornada de compra do consumidor.

Como é essa “jornada de compra”? Como ela se desenvolve?

Rafael D’Andrea - A jornada é um modelo de compreensão de comportamento de consumidor em três momentos: antes da compra, durante a compra e o consumo de fato do produto. A base para entender isso é que o cliente e o shopper são a mesma pessoa, mas têm expectativas diferentes.

Por exemplo, ao comprar uma geladeira, 74% das pessoas procuram por um modelo na internet que mais se adeque a sua necessidade. Destes, 91% comprarão exatamente o produto que pesquisaram e apenas 9% decidirão a compra no ponto de venda.

Isso é terrível para a indústria, principalmente para este segmento, em que as empresas estão acostumadas a influenciar o consumidor no ponto de venda, não é?

Rafael D’Andrea - Antes da compra o shopper decide o que comprar e onde poderá fazer isso. É claro que muitas decisões são tomadas no ponto de venda, mas isso varia de acordo com a relevância da compra.

Quanto mais importante for a compra, maior o nível de planejamento. Mas é preciso deixar claro que tudo isso não é compra por impulso. A compra não planejada é uma coisa e aquela feita por impulso é outra.


Quais as diferenças? 

Rafael D’Andrea - Não planejamos qual marca de desodorante compramos, temos uma preferência. Quando vamos ao ponto de venda, se não o há produto que queremos, levamos outro, ou podemos decidir qual comprar, se encontrarmos uma oferta. A compra não planejada é normalmente voltada para itens de conveniência.

Já a compra por impulso não é planejada e possui um fator de persuasão inesperado, um ímpeto que atrai o consumidor, como na oferta que o Groupon fez para vender o Mini da BMW.

Esse ímpeto pode ser motivado por degustação, com a ação de promotores no ponto de venda, ou por brindes. O primeiro ponto da jornada de compra é o impacto visual. Isso direciona o olhar dos consumidores nas lojas para aquilo eles querem adquirir.

E no varejo, como isso é pode ser realizado?    

Rafael D’Andrea - Essa é uma dificuldade do setor. Ele não tem como segmentar a oferta para todos. Qualquer shopper terá dificuldade em algum item de sua preferência, quando ele não faz parte dos mais vendidos da loja.

Talvez seja um produto que não tenha um giro muito grande e não possua um espaço maior para identificá-lo. Existem técnicas de shopper marketing para comunicar os produtos, a partir de sinalização e até com aplicativos para iPhone, como vemos no exterior.

Como fazer a segmentação dos shoppers?

Rafael D’Andrea - Não existe um shopper único para as marcas. É preciso compreender a classe social e a região onde habita. O primeiro passo é descobrir os grupos de shoppers que consomem determinado produto.

Por exemplo, entre a classe C, há algum tempo, a compra de iogurtes e sobremesas lácteas estava ligada ao impulso. Hoje, a situação já é diferente. Não existe um shopper de alimentos mundial. Não se pode aplicar uma pesquisa realizada para o shopper americano no Brasil, porque as diferenças culturais implicam neste processo.


Então essa estratégia deve ser aplicada em cada loja?

Rafael D’Andrea - Não necessariamente loja a loja. A rede Pão de Açúcar tem clusters de pontos de venda com comportamentos parecidos e por isso há uma necessidade de segmentação dentro das bandeiras. Esse fator pode dificultar o trabalho das agências de promoção ao migrarem para o conceito de shopper marketing.

Elas são contratadas pela indústria para promover os produtos sem a participação do varejista. Isso não existe no shopper marketing, porque além do conhecimento do comportamento do consumidor, é preciso compreender também como funciona o varejo, pois é nestes pontos de venda que acontecem as ativações e a produção dos estímulos.

Outro ponto importante é que o varejista é o maior interessado em gerar fluxo para sua loja. A própria busca na internet é interessante para ele, como também as outras mídias de comunicação.

Há espaço para o desenvolvimento de agências de shopper marketing no Brasil?

Rafael D’Andrea - Sim e elas devem trabalhar na integração entre o mundo da ativação e o universo do ponto de venda. Observo que no exterior as agências que têm um passado ligado ao gerenciamento de categorias têm mais chance de sucesso nessa empreitada, bem como aquelas que conhecem os aspectos operacionais do varejo.

No Brasil, as agências de promoção têm certa dificuldade de aderir a este modelo, justamente por não possuírem uma inteligência de mercado.

Seu trabalho está mais voltado para a execução e menos para o planejamento. Ainda não temos certeza sobre o futuro do shopper marketing. Vamos lançar a agência shopper no próximo mês, voltada para execução, contando com o apoio da Tool Box, empresa de pesquisa para fornecimento de insights.


Qual a mensagem principal que o livro pretende trazer?

Rafael D’Andrea - Esta é a era do shopper. O marketing deve se voltar para ele, porque houve um esgotamento das ferramentas nesta relação com o consumidor. O livro pretende ajudar os profissionais a melhorarem a performance dos negócios mudando apenas o mindset. A obra mostra como cada centavo aplicado as marcas pode ser revertido em vendas mais a frente.

Outro ponto que merece destaque é a mudança da visão fragmentada que se tinha a respeito do trade marketing. O livro também mostra como o shopper marketing deve ser uma estratégia integrada ao trade e seu papel para preencher todos os pontos de contato dos consumidores com as marcas.

Como as marcas devem se comunicar com o consumidor na “era” do shopper marketing?

Rafael D’Andrea - A mensagem deve ser trabalhada de acordo com o momento. Não existe mais aquela ideia de o meio ser mensagem. É preciso construir diálogos em todos os pontos de contato que envolvam a decisão de compra do consumidor. Cada companhia deve encontrar os argumentos corretos para estruturar sua comunicação.

Às vezes a relação com o consumidor é não apenas de atributo, mas sim de proporcionar uma experiência de compra agradável, como no caso das fraldas geriátricas da Kimberly-Clark.

Simplesmente, o produto certo na hora certa. Em uma situação hipotética, podemos supor que uma empresa queira vender gerador de energia a diesel no Brasil, país que não sofre tanto com problemas de apagão.

O que deve ser trabalhado para atrair o consumidor? O risco, a ocasião em que o consumidor poderá precisar do aparelho. Não é uma boa escolha comunicar os atributos do produto neste cenário.

*Com reportagem de Bruno Mello

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