Sigrid Guimarães: o inventário extrajudicial ainda é a melhor hipótese para o cumprimento de um testamento (Alocc Gestão Patrimonial/Divulgação/Divulgação)
Karla Mamona
Publicado em 5 de dezembro de 2022 às 09h28.
Na sala de reuniões com meus clientes, vejo em ação a tal “família estendida”, tão brasileira e tão discutida por historiadores, antropólogos e sociólogos. Ali, a toda hora, surgem afilhados e sobrinhos aos quais se querem garantir os estudos; tios, primos, amigos de longa data em dificuldades; empregados aos quais se deseja dar merecida tranquilidade.
O fato é que uma legião de agregados alheia à lista de herdeiros prevista na lei é socorrida mais ou menos regularmente, e a pergunta recorrente é: o que será deles se eu não estiver mais aqui para fazer o Pix?
Você pensou “testamento”? – Certo, é o instrumento clássico, retratado na literatura universal, nos filmes e nas novelas. No entanto, é preciso ter em vista algumas condicionantes que ameaçam sua adequação a esses casos.
Para começar, tenhamos em mente que o testamento integra o inventário, e mesmo que o processo se faça por via extrajudicial, mais simples e ágil, o testamento será submetido à Justiça. Além de cumprir com uma série de formalidades, os contemplados deverão pagar o imposto de transmissão causa mortis antes de receber o legado. – O que acontece se entre os contemplados estiverem pessoas que até ontem dependiam da sua ajuda?
Considere também que o seu testamento só será aberto quando todos os legatários indicados estiverem presentes. Imagine que eles sejam vários, que, na ocasião, um esteja vivendo em Miguel Leão, no Piauí, outro em Nova York e um terceiro em Taupo, na Nova Zelândia. Nada vai andar enquanto todos não forem localizados, informados e reunidos. Só então, o testamento será aberto. Tudo correndo bem, enfim, ele será lido, na íntegra, e cada qual tomará conhecimento não só do que tem a receber como do que os demais receberão. Todos estarão expostos, e talvez alguém possa ficar chateado.
Mesmo com esses inconvenientes e podendo levar vários meses, o inventário extrajudicial ainda é a melhor hipótese para o cumprimento de um testamento; uma hipótese que pode ser inviabilizada se ele for questionado por herdeiros legítimos, se houver discordâncias entre eles ou algum deles for incapaz (um menor de idade, por exemplo). O processo, então, será obrigatoriamente judicial, implicará em burocracia extenuante e estará sujeito a estender-se por anos. Há risco de que, no final das contas, o patrimônio tenha perdido parte substancial do valor, enquanto o devotado empregado, o agregado em dificuldades e a escola do afilhado aguardam suas boas intenções se transformarem em dinheiro na conta. Isso, sem falar no prejuízo para os herdeiros.
Felizmente, há outros instrumentos. Entre eles, estão os planos de previdência privada, uma opção bastante simples e acessível. É verdade que, há alguns anos, essa era uma alternativa de custo elevado, dadas as altas taxas e a baixa rentabilidade dos planos. Contudo, nos últimos tempos, o aumento da competição propiciou um pouco de redução das taxas enquanto regras mais flexíveis para a gestão dos fundos que lastreiam os planos multiplicaram a oferta, que hoje admite produtos com diferentes níveis de risco, estratégias e perspectivas de retorno.
De qualquer modo, é importante não perder de vista que, nesse caso, a motivação essencial para fazer um plano de previdência não é incrementar o patrimônio, pois existem alternativas mais eficientes para esse fim, mas beneficiar pessoas, que, na sua ausência, poderão receber rapidamente o valor investido (até 30 dias), sem participarem do inventário. Naturalmente, a condição é que a soma não avance sobre os 50% destinados por lei aos herdeiros necessários. O objetivo não é, de modo algum, ludibriar alguém, mas evitar dores de cabeça para todos.
Vale estar atento às possibilidades de modulação para atender a casos particulares. Pode-se, por exemplo, determinar a conversão do saldo em renda mensal, se houver razão para acreditar que o beneficiário não saberá lidar com o montante total. Além disso, é possível contemplar várias pessoas no mesmo plano, inclusive com diferentes percentuais, dispensando a necessidade de várias contratações.
Evidentemente, a proteção dos agregados da tal família estendida é apenas um aspecto peculiar do processo de sucessão, tema que abordei mais amplamente no artigo aqui publicado em setembro deste ano. O recomendado é que a questão seja tratada dentro do contexto geral do planejamento sucessório, sempre acompanhado por um advogado especializado e, de preferência, também por um consultor financeiro.
*Sigrid Guimarães é sócia e CEO da Alocc Gestão Patrimonial