Painel de cotações da B3 | Foto: Germano Lüders/Exame (Germano Lüders/Exame)
Guilherme Guilherme
Publicado em 24 de agosto de 2021 às 06h30.
O pregão de segunda-feira, 23, demonstrou mais uma vez o descompasso entre o mercado brasileiro e o externo. Enquanto os índices americanos renovaram máximas históricas em meio ao apetite por risco no exterior, a bolsa brasileira teve mais um dia de perdas: o Ibovespa caiu 0,48% e já está 10,46% abaixo do recorde de 7 de junho.
No ano, o desempenho do Ibovespa está 20 pontos percentuais abaixo do americano S&P 500 e do pan-europeu Stoxx 600. O principal índice da B3 perde também para bolsas de outros emergentes, como a da Índia e a da Rússia, que acumulam respectivamente alta de 18% e 16,3% no ano. Aos 117.472 pontos, o Ibovespa caiu 1,3% no período.
A performance deixa o Ibovespa longe do intervalo entre 130.000 e 140.000 pontos projetado por especialistas no início do ano. Segundo analistas, a maior parte da resposta para o desempenho abaixo do esperado está em Brasília, por causa das incertezas fiscais e das disputas políticas envolvendo o governo de Jair Bolsonaro.
“O Brasil perdeu o benefício do movimento de alta global. Aqui, a percepção de risco está maior do que no início do ano. A melhora do passa pela redução do risco fiscal e de ruídos ligados ao ambiente politico”, diz Bruno Lima, analista-chefe de ações do BTG Pactual Digital.
O cenário contrasta com o de meados de junho, quando o Ibovespa estava na casa de 130.000 pontos e o mercado revisava as expectativas de crescimento da economia para cima, com consequente melhora da percepção fiscal.
Duas decisões do governo e da equipe econômica foram o estopim para a virada no clima no mercado. Primeiro, a proposta de reforma tributária com tributação sobre dividendos e aumento da carga de impostos para empresas.
Mais recentemente, em agosto, a proposta do governo de parcelar o pagamento de precatórios, uma conta estimada em 90 bilhões de reais em 2022, teve uma repercussão negativa no mercado. O ministro da Economia, Paulo Guedes, intitulou o problema de “meteoro” por seu poder de destruição e por ter aparecido “de repente”.
A proposta despertou a percepção de risco no mercado de que o governo está disposto a sacrificar o teto de gastos em 2022 pensando em acelerar os gastos no ano eleitoral, deixando saúde fiscal do país e a conta para depois.
Desde o início do mês, quando os precatórios entraram de vez nas discussões do mercado, o juro futuro com vencimento em 2026 saltou 200 pontos base, saltando para 10% ao ano, o que tem gerado uma onda de reprecificação dos ativos. Seu efeito foi sentido principalmente em ações de empresas ligadas à economia doméstica e que dependem de financiamento.
“A bolsa, os juros e até a taxa de câmbio, que se mantinha comportada, entraram em uma dinâmica preocupante, típica de um cenário de incerteza política semelhante ao período que desembocou no impeachment de Dilma Rousseff”, analisou a gestora Blue Capital em nota enviada a clientes.
Somente neste mês de agosto, as ações de Americanas (AMER3) e da C&A (CEAB3) acumulam perdas de mais de 20%, enquanto as incorporadoras MRV (MRVE3), Gafisa (GFSA3) e Trisul (TRIS3) têm perdas de mais de 10%. Não ficaram de fora das perdas nem as ações ligadas ao turismo, que eram uma das grandes apostas de investidores para o segundo semestre: CVC (CVCB3), Azul (AZUL4) e GOL (GOLL4) têm quedas de cerca de 10% em um mês.
“O que tirou o momento das ações ligadas à tese de reabertura foi a curva de juros, e não a variante Delta. Foi frustrante, porque tinha tudo para dar certo”, comenta Lima.
Para parte do mercado, as incertezas fiscais só devem diminuir quando a PEC dos Precatórios, que visa viabilizar o pagamento da dívida em parcelas, for endereçada, o que pode demorar alguns meses pela tramitação.
Dúvidas sobre a reforma tributária no que diz respeito ao Imposto de Renda e a possibilidade de um aumento de gastos com programas sociais, com a aproximação das eleições de 2022, reforçam a cautela de investidores.
No mercado de câmbio, o real vem despontando como uma das moedas com pior desempenho dos últimos dois meses, com o dólar acumulando uma alta de 8,5%, no período.
Desde o início de 2020, a divisa americana já subiu cerca de 34% contra o real, enquanto acumula perdas contra uma cesta de moedas desenvolvidas simbolizada pelo índice DXY. A alta do dólar no Brasil também supera a valorização em outras economias emergentes, como a mexicana e a sul-africana, onde a alta está entre 7% e 8% desde 2020.
Parte da recente valorização da moeda americana também se deve a fatores externos. Um deles é a expectativa de redução de estímulos por parte do Federal Reserve, restringindo a oferta de dólares no mundo.
O outro motivo está na China, cujo governo avança em medidas de intervenção nos setores de tecnologia e educação. São decisões que repercutiram negativamente entre investidores globais. Além disso, dados da China indicaram desaceleração da atividade econômica.
No último dado divulgado da produção industrial, a China reduziu seu crescimento anual de 8,3% em junho, para 6,4% em julho, abaixo das expectativas de expansão de 7,8%. Já o varejo chinês decepcionou pela terceira vez em quatro meses, com o crescimento anual recuando de 12,1% para 8,5% nos mesmos meses de comparação.
“Os mercados emergentes sofreram com isso, mas o Brasil ainda mais por causa de sua dinâmica interna”, diz Lima.