Acompanhe:

A decisão da CVM sobre os dividendos de FIIs e o que esperar pela frente

A marcação a mercado (mark-to-market – MTM) é o principal ajuste no resultado dos FIIs que causa variações patrimoniais – lucro ou prejuízo contábil

Modo escuro

Continua após a publicidade
Navi: decisão é acertada, pois mantém a essência do FII como veículo que emula a renda mensal que a posse de um imóvel confere a seu dono (Navi/divulgação/Divulgação)

Navi: decisão é acertada, pois mantém a essência do FII como veículo que emula a renda mensal que a posse de um imóvel confere a seu dono (Navi/divulgação/Divulgação)

L
Luis Stacchini e Gustavo Ribas

Publicado em 13 de junho de 2022 às, 09h42.

* Luis Stacchini e Gustavo Ribas

Desde o dia 17 de maio, investidores de fundos imobiliários respiram aliviados após a reconsideração do colegiado da CVM sobre o tratamento das distribuições de dividendos provenientes da apuração de resultado segundo regime de caixa. O entendimento anterior do Colegiado (de dezembro de 2021) exigia que, para realizar distribuições de dividendos, os FIIs, além de aferir o resultado caixa, deveriam ter reserva de lucros (ou lucros acumulados) para fazer frente a essas distribuições.

Neste artigo, pretendemos mostrar situações que levam a divergências entre o resultado caixa e o resultado contábil. Além disso, vamos explorar a diferença de tratamento contábil entre as carteiras de crédito dos FIIs e de empresas, onde acreditamos que há mais espaço para a discussão.

Lucro contábil versus lucro caixa – breve resumo sobre marcação a mercado

A marcação a mercado (mark-to-market – MTM) é o principal ajuste no resultado dos FIIs que causa variações patrimoniais – lucro ou prejuízo contábil – que não possui efeito caixa. Em nosso último artigo, detalhamos seus efeitos em cada uma das classes de FIIs (crédito, tijolo e FOF). De forma simples, o resumo abaixo facilita o entendimento de como funciona esse processo:

Marcaçao ao mercado

(Navi/Divulgação/Divulgação)

A decisão recente permite a distribuição de dividendos oriundos de resultado caixa (aluguéis, juros dos CRIs e dividendos recebidos de outros FIIs), mesmo que o patrimônio líquido do FII possua prejuízo acumulado contábil (devido a impactos de MTM). Na nossa visão, essa decisão é acertada, pois mantém a essência do FII como veículo que emula a renda mensal que a posse de um imóvel confere a seu dono. Mesmo com desvalorização, um imóvel segue gerando renda de aluguéis; um FII, mesmo que suas cotas caiam, continua distribuindo dividendos; um CRI, mesmo que a curva de juros futuros suba, permanece adimplente. Assim, acreditamos que manter a previsibilidade de distribuição é muito importante para o mercado de FIIs como um todo.

Os CRIs e as provisões

Com a decisão final da CVM, o mercado respira aliviado. E, de fato, deveria. É importante lembrar, no entanto, o motivo que trouxe essa discussão. Acreditamos que o objetivo do regulador é impedir que FIIs distribuam mais dividendos vis-à-vis o lucro/riqueza que produzem, o que poderia esconder a verdadeira rentabilidade dos fundos e levar a erros na tomada de decisão pelos investidores.

Nesse sentido, há um tema ainda pouco debatido que afeta, em particular, os FIIs de CRI: as provisões. Quando começamos a analisar o mercado percebemos que não há padronização com relação à metodologia de provisionamento de créditos nos FIIs. E mais, em muitos casos, nos deparamos com fundos que sequer realizam qualquer tipo de provisão em seus CRIs. Mas por que esse tema é importante?

O que são provisões de crédito e como são feitas pelas empresas?

As provisões para créditos de liquidação duvidosa (PCLD) são reservas criadas pelas empresas para fazer frente à perdas relacionadas à inadimplência das operações de crédito. Qualquer empresa que possui carteira de crédito (seja por concessão de empréstimo ou por fazer vendas a prazo) realiza provisões.

E como são feitas essas provisões? De forma simples, há duas metodologias para esse cálculo: a provisão por aging e a provisão por perda esperada. Na primeira, é feito o provisionamento da carteira de crédito de acordo com intervalos de atraso e, para cada nível de atraso, é definido um percentual de provisão (em linha com o observado historicamente, ou de acordo com o disposto em regulação). Já a segunda, é realizada no momento da originação do crédito, com base na expectativa de perda dos créditos adimplentes e ainda não vencidos.

A tabela abaixo exemplifica ambas, sendo a provisão aplicada nos créditos a vencer, por perda esperada, e as provisões aplicadas nos intervalos de atraso, por aging.

Provisão aplicada nos créditos a vencer

(Navi/Capital/Divulgação)

Por que os CRIs são pouco provisionados?

Uma grande diferença entre uma carteira de crédito de um banco ou o “contas a receber” de aluguéis de uma empresa de shoppings, em relação a um CRI, reside no fato de que os CRIs normalmente possuem garantias reais. Ou seja, são ativos colocados como garantia da operação que, em última instância, podem ser vendidos para que o devedor recupere seu saldo de crédito, mesmo se houver inadimplência.

De fato, na maior parte das operações é possível estimar o valor das garantias e verificar o excesso em relação ao valor da dívida (do CRI). Contanto, já há uma quantidade grande de casos em que vemos maior dificuldade para precificar as garantias, o que torna o fluxo de recebíveis do projeto (e a inadimplência) bastante relevantes para garantir que as obrigações do CRI (juros e amortização) sejam honradas. Além disso, hoje há diversas operações com lastro em debêntures, notas promissórias e mesmo em cotas de SPE que, em última instância, não têm garantia real e advém de risco puramente corporativo.

Conclusão

O mercado de FII de CRI cresceu agressivamente nos últimos anos — representava menos de 10% do Ifix, em 2015, e hoje perfaz mais de 45% do índice — e isso trouxe uma maior variedade de operações e perfis de risco.

Na nossa visão, ao haver indício de não recuperação de saldos a pagar em um CRI, seja por inadimplência ou por desvalorização do colateral, a provisão de CRIs se faz necessária e deveria reduzir o potencial de distribuição de rendimentos de um FII. Um evento de default, sem que haja provisões prévias, pode impactar fortemente o patrimônio de um FII abruptamente, podendo ocasionar perdas relevantes e reduções maiores nos dividendos subsequentes.

A previsibilidade nas distribuições e o alinhamento entre dividendo e o lucro/geração de riqueza são de suma importância para os FIIs. A decisão da CVM endereça o primeiro ponto, mas acreditamos que o tema das provisões virá à tona em algum momento nos FIIs de crédito. Se bem implementado, pode ajudar a equalizar as distribuições de dividendos com a geração de resultado econômico e colaborar ainda mais com a evolução da indústria.

*Gustavo Ribas é sócio, deputy CEO e Co-CIO de Real Estate da Navi Capital. Foi executivo do grupo 3G por sete anos (2012-2019), tendo iniciado como analista de renda variável na 3G Capital e depois como membro do Comitê de Investimentos para América Latina. De 2016 a 2019 foi diretor da tesouraria global do Burger King nos EUA e head global de real estate. Iniciou sua carreira no Banco BBM (2005-2010) e, entre 2010 e 2012, foi analista de renda variável para a Itaú Asset. É economista formado pela UFRJ, advogado pela UERJ e mestre em Economia e Finanças pela FGV, EPGE.

Luis Stacchini é Sócio e Co-CIO de Real Estate da Navi Capital. Por oito anos foi analista de Equity Research, cobrindo o setor imobiliário no Credit Suisse, tendo sido o analista responsável pela cobertura do setor entre 2018 e 2020. Foi ranqueado pela revista Institutional Investor nos anos de 2019 e 2020. É engenheiro formado pela Poli-USP e possui a certificação CFA.

Últimas Notícias

Ver mais
Haddad diz que PL dos impostos sobre aplicações financeiras segue amanhã para Casa Civil
Economia

Haddad diz que PL dos impostos sobre aplicações financeiras segue amanhã para Casa Civil

Há um dia

Como declarar fundos imobiliários no imposto de renda 2024?
seloGuia de Investimentos

Como declarar fundos imobiliários no imposto de renda 2024?

Há 4 dias

Quais são as maiores pagadoras de dividendos? Juntas, empresas distribuíram US$ 1,66 trilhão em 2023
seloOnde Investir

Quais são as maiores pagadoras de dividendos? Juntas, empresas distribuíram US$ 1,66 trilhão em 2023

Há 5 dias

Eletrobras (ELET6) reverte prejuízo no 4T23 e propõe dividendos de R$ 1,2 bilhão
seloMercados

Eletrobras (ELET6) reverte prejuízo no 4T23 e propõe dividendos de R$ 1,2 bilhão

Há 5 dias

Continua após a publicidade
icon

Branded contents

Ver mais

Conteúdos de marca produzidos pelo time de EXAME Solutions

Exame.com

Acompanhe as últimas notícias e atualizações, aqui na Exame.

Leia mais