Variação na tela: preço de títulos de renda fixa deverá ser informado mensalmente (Getty/Getty Images)
Bianca Alvarenga
Publicado em 16 de agosto de 2022 às 06h03.
Última atualização em 16 de agosto de 2022 às 15h45.
O conto da renda fixa sem volatilidade, com retorno garantido, é uma das principais razões para desilusões financeiras dos investidores. Muitas vezes, ao comprar um título de crédito, como um CDB, uma LCI ou até uma debênture, somente a rentabilidade é avaliada, e o prazo, o risco ou a liquidez ficam de lado, em letras pequenas.
Se por alguma ocasião a aplicação precisa ser resgatada, é aí que o investidor acaba descobrindo da pior forma que, sim, é possível perder dinheiro na renda fixa. Para piorar, muitas vezes ele sequer consegue entender por que o investimento perdeu valor, uma vez que a corretora ou banco apenas entrega o preço do título naquele dia, sem informar o quanto disso é volatilidade e quanto é a "multa" do saque antecipado. Mas isso em breve vai mudar.
A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) tenta ganhar terreno aos poucos. A representante da indústria já havia obrigado os fundos de renda fixa mostrarem aos cotistas o valor dos títulos de crédito de forma periódica. A partir de janeiro, será a vez dos distribuidores de investimentos fazerem o mesmo.
As entidades que fazem parte da Associação deverão apresentar periodicamente ao investidor o preço de títulos de renda fixa, como debêntures, CRI e CRA. Isso significa que cada investidor poderá acompanhar, na carteira de investimentos, quanto ele receberia se decidisse resgatar aquele título naquela data. O processo, chamado de marcação a mercado, acompanha o preço de um ativo ao longo do tempo – ou seja, como as condições de juros e inflação influenciaram o valor do título.
"O objetivo é trazer mais transparência e padronizar as informações, como já acontece nos fundos de investimento, para que o investidor possa comparar o desempenho da carteira", explicou Luciane Effting, vice-presidente do Fórum de Distribuição da Anbima, em entrevista à EXAME Invest.
A Anbima enviou a bancos e corretoras as regras para a precificação dos ativos, e cada casa deverá fazer os cálculos por conta própria para apresentar aos investidores. Inicialmente, será uma atualização mensal, mas a representante da Anbima diz que, no futuro, cada distribuidor poderá decidir se fará a precificação em janelas mais curtas.
Na prática, a partir de janeiro, muitos investidores que acreditavam estar ganhando dinheiro de forma segura e linear perceberão que, sim, a precificação dos investimentos muda, mesmo na renda fixa. É importante explicar e reforçar, no entanto, que ver um ativo no vermelho não significa que o rendimento está comprometido. Quem carregar aquele título até o vencimento deverá receber exatamente o que foi acordado no investimento, não importando a volatilidade.
"Se o investidor carregar o papel até o vencimento, ele fará jus à taxa contratada inicialmente. Mas se quiser liquidez no meio do caminho, o preço será aquele que o mercado está pagando", alertou Effting, da Anbima.
Ela ponderou que as oscilações captadas podem ser positiva ou negativas. A atualizações de preços permitirá, por exemplo, que o investidor capte momentos de valorização dos títulos e que, com essa informação em mãos, decida se vale a pena fazer o resgate antecipado ou carregar a aplicação até o vencimento. "Hoje, ele nem tem essa informação", completou a representante da Anbima.
A princípio, o que o investidor verá na tela é o preço atualizado daquele ativo. Além desse preço, pode ser aplicado um extra (chamado de spread) cobrado pelas corretoras. Trata-se de uma forma de "multa" pelo resgate antecipado do título. O valor do spread não faz parte do cálculo da Anbima, e costuma ser informado só no momento do saque dos recursos.
"O valor do título exibido não vai embutir as taxas da negociação com o distribuidor. Há uma discussão, na CVM, sobre a transparência dessas taxas. já tínhamos agenda nesse tema, unimos forças com a CVM, e devemos ter uma nova norma sobre o assunto até o final de 2022", disse Luiz Henrique Carvalho, gerente de Representação de Distribuição da Anbima.
Ele diz que, caso a mudança ocorra, além do preço atualizado, o investidor também saberá, com antecedência, as taxas que incidem sobre o resgate antecipado.
A falta de transparência na precificação de títulos de crédito privado é a principal razão para um pleito antigo da indústria: a criação de uma plataforma única de negociação, mais ou menos nos moldes do homebroker de ativos de renda variável.
A execução do plano, no entanto, esbarrou em dois obstáculos. O primeiro é a dificuldade dos distribuidores em formular preços periodicamente para os títulos, e o segundo é o custo de uma plataforma, frente ao tamanho do mercado de crédito privado.
O primeiro obstáculo será, em partes, superado com a mudança proposta para janeiro, mas enquanto a plataforma não sai do papel, a precificação representa uma conquista de terreno – e, sem dúvidas, um ganho para o investidor.