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O mito da riqueza

Não existe uma cifra mágica que, uma vez atingida, livre-nos da imprevisibilidade do futuro e nos exima de criar as condições para enfrentá-la

Poupar é indispensável, mas está longe de ser o bastante para manter a riqueza e proteger-se do imprevisível | Foto: Thinkstock (ovelyday12/Thinkstock)

Poupar é indispensável, mas está longe de ser o bastante para manter a riqueza e proteger-se do imprevisível | Foto: Thinkstock (ovelyday12/Thinkstock)

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Da Redação

Publicado em 17 de fevereiro de 2022 às 06h34.

*Por Sigrid Guimarães

A palavra “rico” vive envolta em imprecisão e fantasia. Quem diz “Fulano é rico” expressa pouco mais do que uma sensação. Na esperança de extrair alguma objetividade do interlocutor, quase sempre a pergunta que se faz é: “Mas rico quanto?”. Não importa qual seja a resposta, essa é a pergunta errada.

Desde os primórdios da humanidade, nós perseguimos a riqueza para nos proteger da incerteza do futuro. Assim nasceu a agropecuária, deixamos de ser nômades, passamos a armazenar alimentos, adotamos o escambo e, finalmente a moeda, essa coisa extraordinária que pode se transformar naquilo de que viermos a necessitar amanhã, mas, hoje, ainda não sabemos o que será.

O “X” da questão é que o futuro nunca para de chegar e nunca deixa de ser incerto, não importa a quantidade de riqueza que se possua. O que a riqueza pode, sim, fazer por nós é oferecer melhores meios para sobreviver ao imponderável e nos livrar do exercício insano e infrutífero de tentar prever o futuro.

Não existe, no entanto, uma cifra mágica que, uma vez atingida, livre-nos da imprevisibilidade do futuro e nos exima de criar as condições para enfrentá-la. Afinal, não é difícil lembrar de inúmeros patrimônios espetaculares que derreteram em poucas gerações ou não chegaram sequer ao fim da vida de quem os construiu.

Por isso, a pergunta certa a fazer sobre a presumida riqueza de alguém não é “quanto?”, mas “por quanto tempo?”. A resposta exige operações bem mais complexas do que a simples soma do valor dos seus bens. A primeira e indispensável tarefa é levantar e contrapor a soma do patrimônio e das receitas às despesas, o que parece óbvio. Surpreendente é constatar que, a depender da qualidade da administração, um patrimônio menor tem maiores chances de durar do que outro muito maior.

Na verdade, ter o domínio de um patrimônio, conhecer seus limites de gastos e transmitir esse conhecimento aos herdeiros tende a ser tão mais complicado quanto maiores sejam o volume e a quantidade de bens que o compõem. É claro que manter-se dentro de limites menores exige maiores sacrifícios, mas, quando se tem essa noção clara, um pouco de bom senso basta para procurar equilibrar seu orçamento.

O maior inimigo da preservação do patrimônio é a sensação de riqueza não quantificada em termos de duração. Não se iluda: há sempre um jatinho, um iate, um castelo na Riviera francesa prontos a falir com um mega milionário que ignora o potencial de duração do seu patrimônio.

Poupar, portanto, é indispensável para qualquer um, mas está longe de ser o bastante para manter a riqueza e proteger-se do imprevisível. Sejam quais forem as suas ambições e o seu horizonte, dimensionar o potencial de duração do seu patrimônio nunca é tão simples como dividir o volume do patrimônio por determinado número de anos. Lembra que o futuro jamais deixa de ser incerto? Pois é, e a incerteza tanto diz respeito à sua vida pessoal como à economia e ao mundo lá fora.

Mesmo que você não ambicione elevar seu padrão de vida atual, os seus custos provavelmente serão maiores dentro de alguns anos, e não apenas em razão da inflação. Os gastos pessoais crescem de acordo com mudanças tecnológicas e sociológicas incontroláveis. Basta comparar as despesas básicas de uma família de classe média alta há 40 anos e as atuais. Mantendo-se a tendência, mesmo corrigido pela inflação, aquilo que hoje banca um ano da sua vida em breve não será suficiente para sustentá-lo pelo mesmo período. O bom senso indica, portanto, abater alguns anos da expectativa de duração do patrimônio calculada segundo os seus gastos atuais.

A coisa, no entanto, não para por aí. Ainda que você só esteja preocupado com a sua própria manutenção e não pense em formar um patrimônio para gerações futuras, convém considerar uma boa probabilidade de chegar aos 100 anos e, com um pouco de sorte, ultrapassá-los.

É uma boa razão para comemorar, sem dúvida, mas significa dizer que você deve se preparar para viver, pelo menos, 30 anos sem receitas diretamente provenientes do trabalho, mais ou menos o correspondente a mais da metade da sua vida profissional, considerando que a tenha começado aos 25 e a encerre aos 70 anos. Manda a prudência refazer as contas... E, sim, considere o aumento das despesas com saúde e empregados domésticos.

Contudo é provável que você tenha filhos, que se preocupe com o futuro deles, dos seus netos, dos filhos dos seus netos... e sonhe em deixá-los em situação confortável para fazerem escolhas que não estejam condicionadas à sobrevivência imediata. Nesse caso, tenha em mente que eles têm grande chance de viver para além dos 90 ou dos 100 anos, em um futuro ainda mais difícil de prever. Tão ou mais importante do que legar um patrimônio é cuidar que eles tenham consciência dos limites desse patrimônio e da necessidade de administrá-lo para o imprevisível.

Lembre-se: administrar para o imprevisível não significa viver constantemente aflito, em busca de uma bola de cristal. Já aceitamos que o futuro é imprevisível e não deixará de ser, certo? O que caracteriza a imprevisibilidade é a diversidade infinita dos acontecimentos possíveis.

No nosso caso, a imprevisibilidade se manifesta em crises econômicas, políticas, sanitárias, taxas, índices, mercados que oscilam com maior ou menor ferocidade, negócios que disparam e se inviabilizam, não se sabe quando, mas fatalmente, em algum momento. Se você não pode lutar contra eles, una-se a eles: diversifique, o que é tema para o nosso próximo artigo.

*Sigrid Guimarães é sócia e CEO da Alocc Gestão Patrimonial e colunista da EXAME Invest.

 

 

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