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Não invista em multimercado (sem analisar mais a fundo)

Compreender o que é de fato a estratégia de um fundo é essencial para avaliar sua qualidade, consistência e alinhamento com o investidor

Há diferentes estratégias dentro do que se convenciona chamar de fundo multimercado; conheça as principais | Foto: Getty Images (fotogestoeber.de/Getty Images)

Há diferentes estratégias dentro do que se convenciona chamar de fundo multimercado; conheça as principais | Foto: Getty Images (fotogestoeber.de/Getty Images)

Juliana Machado*

Juliana Machado*

Publicado em 16 de setembro de 2021 às 13h49.

Não, você não leu errado. O título desta coluna é bastante assustador para uma pessoa que prega o uso de fundos de investimentos para investir como um profissional no mercado. Mas tem uma razão para isso: nós, investidores, deveríamos começar a superar a alcunha "multimercado" na hora de fazer a escolha por algum produto e começar a olhar para a estratégia do gestor. Afinal, “multimercado” não é uma estratégia.

Assim como os termos “ações”, “cambial” e “renda fixa”, “multimercado” é uma das quatro classes utilizada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pela Anbima, entidade autorreguladora do mercado de capitais, para agrupar os fundos de investimento. Multimercados são produtos que não têm um compromisso de se concentrar em algum tipo de mercado ou ativo específico, com liberdade para atuar em vários segmentos e diferentes estratégias.

Ocorre que saber isso não diz absolutamente nada sobre qual é a estratégia predominante na casa e menos ainda indica de que modo o fundo extrai o chamado alfa do mercado, ou seja, o excesso de retorno na comparação com algum benchmark (referência). Embora os multimercados sejam genericamente associados a superar o CDI no longo prazo, tampouco fica claro se esse índice é o benchmark ideal para comparar e relativizar o desempenho do produto.

Vamos a alguns exemplos. Para começo de conversa, multimercados podem ter volatilidades diferentes: mais alta e próxima (ou mesmo acima) da bolsa de valores, mais baixa e perto da renda fixa ou ainda intermediária. Só aqui os fundos já não seriam necessariamente comparáveis entre si: se a estratégia de um fundo multimercado é entregar retorno com volatilidade maior, presume-se aceitável que o nível de risco também seja superior (com limites); o mesmo não vale para um produto multimercado que se pretende de volatilidade menor: se o desempenho está muito forte e acompanhado de volatilidade muito elevada, o fundo pode até ser rentável, mas temos um indício não de qualidade, e sim de descolamento da estratégia. Percebe a nuance?

Um fundo multimercado pode ser um produto de crédito privado, termo que ele associa no nome quando mais de 50% do seu patrimônio estiver alocado em títulos privados dessa natureza – é uma determinação regulatória, não é porque o gestor achou bonito. Neste caso, o produto é completamente diferente de um fundo multimercado de alta volatilidade, por exemplo, que pode trabalhar eventualmente com alavancagem (exposição no mercado acima do patrimônio) e/ou concentração em ativos de risco.

Um produto multimercado pode estar classificado como long and short ou long biased, duas estruturas que designam os fundos que compram ações na bolsa, mas com flexibilidade de atuar com posições vendidas, ou seja, esperando a queda de um papel ou do mercado como um todo. Por natureza, esses produtos não serão long only, que designam os fundos 100% investidos em ações – afinal, nesse caso, ele seria um fundo da classe de ativos ações, com ao menos 67% do patrimônio nesse mercado, também conforme determinação legal. E, também por natureza, esses produtos nada têm a ver com um multimercado de crédito privado, que é um segmento dentro da renda fixa.

O assunto é tão importante que afeta até mesmo o modo como o fundo (e o investidor) é tributado. Um multimercado macro, diferentemente de um produto long and short e long biased de bolsa, será tributado como longo prazo na maioria das vezes. Nesse caso, o tempo de permanência no fundo faz diferença: quanto mais o cotista permanecer investido, menor será o imposto. Acima de dois anos, a alíquota vai ao piso de 15% sobre o lucro. Desde o primeiro dia de investimento, porém, o investidor está sujeito à antecipação desse imposto, o chamado come-cotas, que faz o recolhimento compulsório a cada seis meses, independentemente de o resgate ter sido realizado ou não.

Já um fundo classificado como multimercado que seja long biased e/ou tenha volatilidade mais alta, por exemplo, pode ser tributado como um fundo de ações. Ou seja, ele está inserido nessa grande e genérica caixa “multimercado”, mas, como oferece volatilidade e estrutura do mercado de ações, ele se alinha ao cotista e oferece a vantajosa tributação desse mercado: uma única vez, na alíquota única de 15% incidente sobre o lucro somente no resgate.

Não acho que seja necessário me alongar mais para provar meu ponto: compreender o que é de fato a estratégia de um fundo é essencial para avaliar sua qualidade, consistência e alinhamento com o investidor. Por esse motivo, da próxima vez em que você estiver selecionando potenciais produtos para investir, comece fugindo da tendência a querer cortar caminho e olhar só para a superfície.

Peneirar a indústria dessa maneira para achar alternativas para investir certamente vai te levar a decisões ruins. Portanto, não invista em multimercados se for para generalizar diversas estratégias distintas em uma única classificação. Invista, isso sim, em fundos multimercado com estratégias macro, valor relativo/long and short, renda variável long biased ou outra que o valha.

*Juliana Machado é analista CNPI e integra o time de análise de fundos de investimento do BTG Pactual digital. É jornalista formada pelo Mackenzie, com pós-graduação em economia brasileira pela Fipe-USP. Atuou com análise e seleção de fundos de investimento na Exame e escreveu por quatro anos para o Valor Econômico, nas áreas de governança corporativa e bolsa de valores. Escreve para a Exame Invest quinzenalmente.

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