Reação dos bancos ao PanAmericano não protege investidor
Órgão criado para evitar novas fraudes como a do PanAmericano começa a funcionar no final deste mês sem beneficiar quem investe em créditos bancários por meio de fundos
Da Redação
Publicado em 10 de junho de 2011 às 09h33.
São Paulo – Após a descoberta de um rombo de mais de 4 bilhões de reais no banco PanAmericano originado por fraudes contábeis, os bancos brasileiros decidiram se organizar e criar a Central de Cessão de Crédito (C3). Nesse órgão, ficarão registradas a imensa maioria das operações de compra e venda de carteiras de crédito consignado e empréstimos para a compra de veículos realizadas entre os próprios bancos. A intenção é impedir que uma instituição financeira possa ceder os mesmos créditos a outras duas, como fazia o PanAmericano.
Quando entrar em operação em 30 de junho, a C3 representará um baita avanço institucional para o sistema financeiro brasileiro porque reduzirá o risco a ser assumido pelos bancos. Segundo especialistas, a central tem potencial para destravar as operações de cessão de carteiras, cujo volume caiu drasticamente devido à crise de confiança gerada pelas fraudes no PanAmericano.
O problema é que, ao menos inicialmente, a C3 ainda não será suficiente para tapar todos os buracos por onde podem ser cometidas fraudes no sistema financeiro. Para quem aplica dinheiro no mercado de capitais, isso realmente pode ser um problema. As emissões de FIDC (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios), em que um banco cede a um fundo créditos que vão remunerar os investidores ao longo do tempo, por exemplo, não estão incluídas na primeira fase da C3.
No caso do banco PanAmericano, que era emissor de FIDCs, existe a suspeita de que créditos que já haviam sido cedidos a outros bancos ou que já haviam sido pagos fizessem parte do patrimônio dos fundos quando as fraudes foram descobertas. Os investidores que compraram quotas dos FIDCs não chegaram a ter prejuízo com essas operações porque o próprio PanAmericano era obrigado a garantir uma remuneração mínima e a cobrir uma parcela das perdas com inadimplência nesses fundos. Mas esse é um risco que continua a existir para o investidor e deve ser considerado por quem investe nesse tipo de papel.
Segundo a Febraban (a federação de bancos), responsável pela criação da C3, os créditos cedidos para FIDCs em breve passarão a ser registrados na central. O trabalho está sendo feito em conjunto com a Anbima (a associação de fundos e bancos de investimento). Existem cinco grandes bancos que fazem a custódia desses ativos: Itaú, Bradesco, Santander, Deutsche e Citi. Dois deles já fecharam o acordo para repassar dados sobre os créditos à C3 e, segundo Wilson Levorato, vice-presidente-executivo da Febraban, todos estarão incluídos até julho ou agosto.
Em seguida, a C3 ainda precisará fechar acordos com os mais de 200 FIDCs existentes no Brasil para que eles também registrem os créditos adquiridos. O grande número de fundos e a necessidade de mudanças de normas estatutárias pode fazer com que isso demore alguns meses para acontecer. Mas a Febraban e a Anbima buscarão um acordo com todos os fundos porque só dessa forma todas as possibilidade de fraude estarão vedadas
"Quando a cessão de créditos para a constituição de FIDCs for incluída na C3, os bancos poderão até reduzir os juros pagos a quem investe nesses fundos que ainda assim encontrarão demanda", afirma Pedro Costa de Carvalho, diretor-presidente da Lecca Financeira, uma instituição que emite FIDCs.
Outro pendência da C3 que fica para ser resolvida nos próximos meses é o pré-pagamento dos créditos. Hoje, um banco pode conceder um empréstimo consignado a um cliente, esse crédito pode ser cedido a uma segunda instituição financeira, o crédito pode ser totalmente liquidado pelo cliente antes do prazo de vencimento e a segunda instituição financeira pode não ser informada que isso ocorreu. Uma parte das fraudes cometidas pelo PanAmericano ocorreu dessa maneira.
Por mais alguns meses, a C3 fará o registro de todas as operações, incluindo cada parcela que deve ser paga, mas não trará informações sobre pré-pagamentos. A central vai registrar os créditos que foram cedidos e comprados por instituições financeiras, mas não terá como verificar se um banco que recebeu o pagamento antecipado de um empréstimo informou ou não a realização dessa operação a quem comprou o crédito.
Em 29 de agosto, a liquidação passará a ser feita dentro da CIP (a mesma empresa responsável pela gestão da C3), que realizará o pagamento do empréstimo ao banco que detém o crédito atualmente. Num segundo momento, o banco que cede o crédito será totalmente retirado do processo. Se quem tomou o empréstimo é um aposentado do INSS, por exemplo, o INSS avisará automaticamente a C3 de que um pagamento foi feito antes do vencimento. A central então fará a liquidação do pagamento. O dinheiro será encaminhado diretamente ao atual dono do crédito e deixará de passar pelas mãos de quem gerou o empréstimo.
Considerando que há centenas de convênios entre bancos, órgãos públicos e empresas para a concessão de crédito consignado, essa solução pode parecer inviável para muita gente. No entanto, como mais da metade do crédito consignado no Brasil é concedido apenas a beneficiários do INSS e servidores das Forças Armadas, a implementação pode ser mais simples do que parece. A partir de setembro, a Febraban espera começar a trazer o domicílio bancário de todos esses órgãos para dentro da C3.
Por último, alguns bancos e modalidades de crédito em que há cessão de carteiras também ficaram de fora da C3 no estágio inicial. Segundo a Febraban, ainda falta fechar acordos com bancos que representam cerca de 5% do volume de créditos gerados no sistema financeiro. Isso deverá ser feito em breve. Em relação às modalidades de empréstimo, ainda falta incluir a cessão de carteiras de CDC (crédito direto ao consumidor) na C3.
"Não dava para incluir todos os créditos de uma só vez porque a construção da C3 envolvia o registro de um volume enorme de créditos concedidos por mais de 100 instituições financeiras nos últimos anos", diz Nelson Pizzutti, consultor da Febraban. "Mas já estamos trabalhando para implantar todas as melhorias necessárias nos próximos meses."
Fonte de recursos
O adiamento do lançamento da C3 para que haja o aprimoramento institucional é o que todos os bancos querem evitar. Muitas instituições de pequeno e médio porte têm apresentado maior dificuldade para levantar capital desde a descoberta das fraudes no PanAmericano. A captação de dinheiro com a cessão de carteiras e com depósitos a prazo (CDB) teve forte queda nos últimos meses.
O recuo foi compensado principalmente com a emissão de letras financeiras, uma nova possibilidade de captação de recursos de longo prazo para os bancos. Outros títulos bancários lastreados em créditos que também tiveram forte crescimento foram as LCI, LCA, CRI e CCB. Os FIDCs constituem outra modalidade que está em alta. As emissões cresceram quase 40% nos cinco primeiros meses deste ano e atingiram 5,7 bilhões de reais.
Com a dificuldade em realizar operações de cessão de carteira, os bancos têm pagado taxas interessantes a quem investe em FIDC. O banco Bonsucesso, por exemplo, fechou uma operação de FIDC nesta semana em que os compradores dos papéis serão remunerados pelo CDI (juro de mercado, hoje em 11,9%) mais 2,5% ao ano.
Com o FIDC, que tinha rating AAA (o melhor da escala) da agência Standard & Poor's, o banco captou 220 milhões de reais. "Antes da crise como PanAmericano, havíamos fechado operação semelhante com juros equivalentes a CDI mais 2% ao ano", diz Paulo Henrique Guimarães, presidente do Bonsucesso.
A Lecca Financeira também fechou recentemente uma operação de FIDC com juros interessantes aos investidores. A instituição levantou 40 milhões de reais com a venda de quotas de um FIDC constituído a partir de créditos consignados gerado pela própria Lecca. Com rating AA da agência de classificação de risco Fitch, o fundo pagava juros equivalentes à inflação pelo IPCA mais 8% ao ano. Além disso, os investidores terão um prêmio de rendimento caso a carteira registre baixa inadimplência e alta lucratividade. "A demanda por FIDC anda bem forte", diz Carvalho, da Lecca.
Novas regras
A partir de julho, entrarão em vigor as novas regras do Banco Central que elevam a exigência de capital próprio dos bancos na concessão de empréstimos a pessoas físicas com prazos longos. As instituições terão de trabalhar com índices de alavancagem menores quando concederem empréstimos com prazo de pagamento superior a 24 meses no crédito pessoal e de mais de 36 meses no crédito consignado.
Na prática, as medidas terão duas conseqüências. Os bancos terão de levantar mais dinheiro para financiar as operações, seja via CDB, FIDC, cessão de carteira, DPGE, letras financeiras ou outros títulos de crédito. Daí a importância de a C3 entrar em operação logo. O consumidor também não sairá ileso. A tendência é que os juros dos empréstimos longos subam e que a oferta diminua. "Vamos concentrar nossas operações de crédito consignado em empréstimos de até 36 meses", diz Guimarães, do Bonsucesso.
São Paulo – Após a descoberta de um rombo de mais de 4 bilhões de reais no banco PanAmericano originado por fraudes contábeis, os bancos brasileiros decidiram se organizar e criar a Central de Cessão de Crédito (C3). Nesse órgão, ficarão registradas a imensa maioria das operações de compra e venda de carteiras de crédito consignado e empréstimos para a compra de veículos realizadas entre os próprios bancos. A intenção é impedir que uma instituição financeira possa ceder os mesmos créditos a outras duas, como fazia o PanAmericano.
Quando entrar em operação em 30 de junho, a C3 representará um baita avanço institucional para o sistema financeiro brasileiro porque reduzirá o risco a ser assumido pelos bancos. Segundo especialistas, a central tem potencial para destravar as operações de cessão de carteiras, cujo volume caiu drasticamente devido à crise de confiança gerada pelas fraudes no PanAmericano.
O problema é que, ao menos inicialmente, a C3 ainda não será suficiente para tapar todos os buracos por onde podem ser cometidas fraudes no sistema financeiro. Para quem aplica dinheiro no mercado de capitais, isso realmente pode ser um problema. As emissões de FIDC (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios), em que um banco cede a um fundo créditos que vão remunerar os investidores ao longo do tempo, por exemplo, não estão incluídas na primeira fase da C3.
No caso do banco PanAmericano, que era emissor de FIDCs, existe a suspeita de que créditos que já haviam sido cedidos a outros bancos ou que já haviam sido pagos fizessem parte do patrimônio dos fundos quando as fraudes foram descobertas. Os investidores que compraram quotas dos FIDCs não chegaram a ter prejuízo com essas operações porque o próprio PanAmericano era obrigado a garantir uma remuneração mínima e a cobrir uma parcela das perdas com inadimplência nesses fundos. Mas esse é um risco que continua a existir para o investidor e deve ser considerado por quem investe nesse tipo de papel.
Segundo a Febraban (a federação de bancos), responsável pela criação da C3, os créditos cedidos para FIDCs em breve passarão a ser registrados na central. O trabalho está sendo feito em conjunto com a Anbima (a associação de fundos e bancos de investimento). Existem cinco grandes bancos que fazem a custódia desses ativos: Itaú, Bradesco, Santander, Deutsche e Citi. Dois deles já fecharam o acordo para repassar dados sobre os créditos à C3 e, segundo Wilson Levorato, vice-presidente-executivo da Febraban, todos estarão incluídos até julho ou agosto.
Em seguida, a C3 ainda precisará fechar acordos com os mais de 200 FIDCs existentes no Brasil para que eles também registrem os créditos adquiridos. O grande número de fundos e a necessidade de mudanças de normas estatutárias pode fazer com que isso demore alguns meses para acontecer. Mas a Febraban e a Anbima buscarão um acordo com todos os fundos porque só dessa forma todas as possibilidade de fraude estarão vedadas
"Quando a cessão de créditos para a constituição de FIDCs for incluída na C3, os bancos poderão até reduzir os juros pagos a quem investe nesses fundos que ainda assim encontrarão demanda", afirma Pedro Costa de Carvalho, diretor-presidente da Lecca Financeira, uma instituição que emite FIDCs.
Outro pendência da C3 que fica para ser resolvida nos próximos meses é o pré-pagamento dos créditos. Hoje, um banco pode conceder um empréstimo consignado a um cliente, esse crédito pode ser cedido a uma segunda instituição financeira, o crédito pode ser totalmente liquidado pelo cliente antes do prazo de vencimento e a segunda instituição financeira pode não ser informada que isso ocorreu. Uma parte das fraudes cometidas pelo PanAmericano ocorreu dessa maneira.
Por mais alguns meses, a C3 fará o registro de todas as operações, incluindo cada parcela que deve ser paga, mas não trará informações sobre pré-pagamentos. A central vai registrar os créditos que foram cedidos e comprados por instituições financeiras, mas não terá como verificar se um banco que recebeu o pagamento antecipado de um empréstimo informou ou não a realização dessa operação a quem comprou o crédito.
Em 29 de agosto, a liquidação passará a ser feita dentro da CIP (a mesma empresa responsável pela gestão da C3), que realizará o pagamento do empréstimo ao banco que detém o crédito atualmente. Num segundo momento, o banco que cede o crédito será totalmente retirado do processo. Se quem tomou o empréstimo é um aposentado do INSS, por exemplo, o INSS avisará automaticamente a C3 de que um pagamento foi feito antes do vencimento. A central então fará a liquidação do pagamento. O dinheiro será encaminhado diretamente ao atual dono do crédito e deixará de passar pelas mãos de quem gerou o empréstimo.
Considerando que há centenas de convênios entre bancos, órgãos públicos e empresas para a concessão de crédito consignado, essa solução pode parecer inviável para muita gente. No entanto, como mais da metade do crédito consignado no Brasil é concedido apenas a beneficiários do INSS e servidores das Forças Armadas, a implementação pode ser mais simples do que parece. A partir de setembro, a Febraban espera começar a trazer o domicílio bancário de todos esses órgãos para dentro da C3.
Por último, alguns bancos e modalidades de crédito em que há cessão de carteiras também ficaram de fora da C3 no estágio inicial. Segundo a Febraban, ainda falta fechar acordos com bancos que representam cerca de 5% do volume de créditos gerados no sistema financeiro. Isso deverá ser feito em breve. Em relação às modalidades de empréstimo, ainda falta incluir a cessão de carteiras de CDC (crédito direto ao consumidor) na C3.
"Não dava para incluir todos os créditos de uma só vez porque a construção da C3 envolvia o registro de um volume enorme de créditos concedidos por mais de 100 instituições financeiras nos últimos anos", diz Nelson Pizzutti, consultor da Febraban. "Mas já estamos trabalhando para implantar todas as melhorias necessárias nos próximos meses."
Fonte de recursos
O adiamento do lançamento da C3 para que haja o aprimoramento institucional é o que todos os bancos querem evitar. Muitas instituições de pequeno e médio porte têm apresentado maior dificuldade para levantar capital desde a descoberta das fraudes no PanAmericano. A captação de dinheiro com a cessão de carteiras e com depósitos a prazo (CDB) teve forte queda nos últimos meses.
O recuo foi compensado principalmente com a emissão de letras financeiras, uma nova possibilidade de captação de recursos de longo prazo para os bancos. Outros títulos bancários lastreados em créditos que também tiveram forte crescimento foram as LCI, LCA, CRI e CCB. Os FIDCs constituem outra modalidade que está em alta. As emissões cresceram quase 40% nos cinco primeiros meses deste ano e atingiram 5,7 bilhões de reais.
Com a dificuldade em realizar operações de cessão de carteira, os bancos têm pagado taxas interessantes a quem investe em FIDC. O banco Bonsucesso, por exemplo, fechou uma operação de FIDC nesta semana em que os compradores dos papéis serão remunerados pelo CDI (juro de mercado, hoje em 11,9%) mais 2,5% ao ano.
Com o FIDC, que tinha rating AAA (o melhor da escala) da agência Standard & Poor's, o banco captou 220 milhões de reais. "Antes da crise como PanAmericano, havíamos fechado operação semelhante com juros equivalentes a CDI mais 2% ao ano", diz Paulo Henrique Guimarães, presidente do Bonsucesso.
A Lecca Financeira também fechou recentemente uma operação de FIDC com juros interessantes aos investidores. A instituição levantou 40 milhões de reais com a venda de quotas de um FIDC constituído a partir de créditos consignados gerado pela própria Lecca. Com rating AA da agência de classificação de risco Fitch, o fundo pagava juros equivalentes à inflação pelo IPCA mais 8% ao ano. Além disso, os investidores terão um prêmio de rendimento caso a carteira registre baixa inadimplência e alta lucratividade. "A demanda por FIDC anda bem forte", diz Carvalho, da Lecca.
Novas regras
A partir de julho, entrarão em vigor as novas regras do Banco Central que elevam a exigência de capital próprio dos bancos na concessão de empréstimos a pessoas físicas com prazos longos. As instituições terão de trabalhar com índices de alavancagem menores quando concederem empréstimos com prazo de pagamento superior a 24 meses no crédito pessoal e de mais de 36 meses no crédito consignado.
Na prática, as medidas terão duas conseqüências. Os bancos terão de levantar mais dinheiro para financiar as operações, seja via CDB, FIDC, cessão de carteira, DPGE, letras financeiras ou outros títulos de crédito. Daí a importância de a C3 entrar em operação logo. O consumidor também não sairá ileso. A tendência é que os juros dos empréstimos longos subam e que a oferta diminua. "Vamos concentrar nossas operações de crédito consignado em empréstimos de até 36 meses", diz Guimarães, do Bonsucesso.