Mudança na poupança é boa demais para ser verdade
Investidor teria retorno de 80% da Selic mais TR, além de isenção de IR; lucro médio seria maior que com os títulos públicos vendidos pelo Tesouro Direto
Da Redação
Publicado em 26 de outubro de 2011 às 13h48.
São Paulo – Com a entrada do Brasil numa nova rota da queda sustentada dos juros, o governo volta a discutir mudanças nas regras da poupança , e já estuda atrelar a remuneração da caderneta, hoje fixa, à taxa Selic . Segundo reportagem publicada nesta terça-feira no jornal Valor Econômico, a proposta mais factível até agora seria uma remuneração de 80% da Selic mais a taxa referencial (TR), em vez dos atuais 6,17% ao ano mais TR. A princípio, a caderneta manteria a isenção de imposto de renda.
Mas se a ideia era tornar a poupança menos atrativa, a fim de intensificar a redução dos juros, parece que o tiro do governo vai sair pela culatra. Com um redutor de apenas 20% mais TR e isenção de IR, a poupança torna-se mais atrativa do que praticamente todas as demais aplicações de renda fixa , oneradas por IR e outras taxas. Do ponto de vista do investidor, um sonho dourado: segurança, rentabilidade, liquidez e praticidade, tudo numa mesma aplicação. Mas para especialistas ouvidos por EXAME.com, a proposta é no mínimo estranha e boa demais para ser verdade.
“Essa proposta é inviável economicamente”, avalia Alexandre Chaia, professor de finanças do Insper. É fácil entender o porquê. Pelas regras atuais, se a Selic cai a 8% ao ano, a poupança já se torna mais vantajosa que outras aplicações de renda fixa. Mas se a rentabilidade passar a ser de 80% da Selic mais TR, a poupança vai se tornar vantajosa antes mesmo que a taxa de juros chegue a esse patamar. Isto é, se de fato, não for instituída a cobrança de IR.
Imagine uma Selic mais próxima à realidade atual, de 10% ao ano. Nesse cenário, a poupança renderia 8% ao ano mais TR (hoje próxima a 1% ao ano). Ou seja, uma rentabilidade líquida de 9% ao ano. Um título público, por sua vez, sofreria a incidência de IR entre 22,5% (para aplicações de até seis meses) e 15% (para aplicações de mais de dois anos).
Resultado: mesmo no longo prazo a rentabilidade dos títulos públicos não compensaria, pois 10% menos 1,5% é igual a 8,5%. Note que o cálculo não leva em conta os custos de se operar o Tesouro Direto, que reduziriam ainda mais a rentabilidade. Mesmo que a corretora não cobre taxa de administração, ainda existem taxas de custódia obrigatórias, de no mínimo 0,33%. Fundos de investimentos têm taxas de administração ainda mais altas. Isso sem falar nos CDBs de bancos grandes, que não têm taxas, mas em compensação costumam pagar entre 80% e 90% do CDI (hoje em 11,4% ao ano) para aplicações de prazo curto e também estão sujeitos a IR.
Roy Martelanc, professor de finanças da FEA/USP considera que a ideia de amarrar a poupança à Selic é válida para que seja possível uma redução maior de juros, desde que o percentual adotado torne a rentabilidade da poupança de fato menor que a da renda fixa. “O melhor seria pagar um percentual baixo do CDI e pronto. Algo entre 50% e 70% ao ano”, opina.
Ele lembra que, com um redutor de apenas 20%, o próprio governo sairia perdendo, pois teria problemas em financiar sua dívida. “Haveria uma migração massiva de recursos do Tesouro para a poupança”, completa. O impacto maior seria nas aplicações de curto prazo. Com uma alíquota de IR de 22,5%, a desvantagem aumenta para aplicações de até seis meses, como alguns fundos DI e CDBs. Ainda que a rentabilidade líquida fosse rigorosamente a mesma, a poupança ainda sairia ganhando pela praticidade.
Há ainda a questão do financiamento habitacional, e nesse caso seria, em tese, interessante para o governo aumentar a atratividade da poupança ao invés de reduzi-la. Se impede uma queda mais acentuada dos juros, por um lado, uma poupança atrativa garante os recursos necessários para o financiamento imobiliário, em uma época de grandes projetos habitacionais e escassez iminente dos recursos da poupança.
Acontece que, mesmo nesse sentido, uma proposta como a dos 80% da Selic mais TR pode ser um problema. Se a poupança se tornar a rainha absoluta das aplicações de curto prazo, a entrada e saída de recursos na caderneta se tornará ainda mais intensa, o que pode prejudicar os financiamentos. “Haveria uma alta volatilidade do fluxo de recursos da poupança, e os bancos teriam que aprender a lidar com isso. Afinal, o financiamento imobiliário é de longo prazo”, lembra Otávio Vieira, diretor de investimentos da Safdié Gestão de Patrimônio.
São Paulo – Com a entrada do Brasil numa nova rota da queda sustentada dos juros, o governo volta a discutir mudanças nas regras da poupança , e já estuda atrelar a remuneração da caderneta, hoje fixa, à taxa Selic . Segundo reportagem publicada nesta terça-feira no jornal Valor Econômico, a proposta mais factível até agora seria uma remuneração de 80% da Selic mais a taxa referencial (TR), em vez dos atuais 6,17% ao ano mais TR. A princípio, a caderneta manteria a isenção de imposto de renda.
Mas se a ideia era tornar a poupança menos atrativa, a fim de intensificar a redução dos juros, parece que o tiro do governo vai sair pela culatra. Com um redutor de apenas 20% mais TR e isenção de IR, a poupança torna-se mais atrativa do que praticamente todas as demais aplicações de renda fixa , oneradas por IR e outras taxas. Do ponto de vista do investidor, um sonho dourado: segurança, rentabilidade, liquidez e praticidade, tudo numa mesma aplicação. Mas para especialistas ouvidos por EXAME.com, a proposta é no mínimo estranha e boa demais para ser verdade.
“Essa proposta é inviável economicamente”, avalia Alexandre Chaia, professor de finanças do Insper. É fácil entender o porquê. Pelas regras atuais, se a Selic cai a 8% ao ano, a poupança já se torna mais vantajosa que outras aplicações de renda fixa. Mas se a rentabilidade passar a ser de 80% da Selic mais TR, a poupança vai se tornar vantajosa antes mesmo que a taxa de juros chegue a esse patamar. Isto é, se de fato, não for instituída a cobrança de IR.
Imagine uma Selic mais próxima à realidade atual, de 10% ao ano. Nesse cenário, a poupança renderia 8% ao ano mais TR (hoje próxima a 1% ao ano). Ou seja, uma rentabilidade líquida de 9% ao ano. Um título público, por sua vez, sofreria a incidência de IR entre 22,5% (para aplicações de até seis meses) e 15% (para aplicações de mais de dois anos).
Resultado: mesmo no longo prazo a rentabilidade dos títulos públicos não compensaria, pois 10% menos 1,5% é igual a 8,5%. Note que o cálculo não leva em conta os custos de se operar o Tesouro Direto, que reduziriam ainda mais a rentabilidade. Mesmo que a corretora não cobre taxa de administração, ainda existem taxas de custódia obrigatórias, de no mínimo 0,33%. Fundos de investimentos têm taxas de administração ainda mais altas. Isso sem falar nos CDBs de bancos grandes, que não têm taxas, mas em compensação costumam pagar entre 80% e 90% do CDI (hoje em 11,4% ao ano) para aplicações de prazo curto e também estão sujeitos a IR.
Roy Martelanc, professor de finanças da FEA/USP considera que a ideia de amarrar a poupança à Selic é válida para que seja possível uma redução maior de juros, desde que o percentual adotado torne a rentabilidade da poupança de fato menor que a da renda fixa. “O melhor seria pagar um percentual baixo do CDI e pronto. Algo entre 50% e 70% ao ano”, opina.
Ele lembra que, com um redutor de apenas 20%, o próprio governo sairia perdendo, pois teria problemas em financiar sua dívida. “Haveria uma migração massiva de recursos do Tesouro para a poupança”, completa. O impacto maior seria nas aplicações de curto prazo. Com uma alíquota de IR de 22,5%, a desvantagem aumenta para aplicações de até seis meses, como alguns fundos DI e CDBs. Ainda que a rentabilidade líquida fosse rigorosamente a mesma, a poupança ainda sairia ganhando pela praticidade.
Há ainda a questão do financiamento habitacional, e nesse caso seria, em tese, interessante para o governo aumentar a atratividade da poupança ao invés de reduzi-la. Se impede uma queda mais acentuada dos juros, por um lado, uma poupança atrativa garante os recursos necessários para o financiamento imobiliário, em uma época de grandes projetos habitacionais e escassez iminente dos recursos da poupança.
Acontece que, mesmo nesse sentido, uma proposta como a dos 80% da Selic mais TR pode ser um problema. Se a poupança se tornar a rainha absoluta das aplicações de curto prazo, a entrada e saída de recursos na caderneta se tornará ainda mais intensa, o que pode prejudicar os financiamentos. “Haveria uma alta volatilidade do fluxo de recursos da poupança, e os bancos teriam que aprender a lidar com isso. Afinal, o financiamento imobiliário é de longo prazo”, lembra Otávio Vieira, diretor de investimentos da Safdié Gestão de Patrimônio.