Prêmio em dividendos de FIIs aponta distorção no juro, diz Freitas
André Freitas, CEO da Hedge Investments, diz que o Banco Central está atrasado e alerta para o risco de ter que subir os juros mais do que seria necessário
Marcelo Sakate
Publicado em 1 de dezembro de 2020 às 06h05.
O agravamento da situação fiscal do país é o mais preocupa André Freitas, sócio-fundador e CEO da Hedge Investments, quando analisa as perspectivas da retomada do segmento de fundos imobiliários. Segundo o gestor com 37 anos de experiência no mercado, a elevada diferença no prêmio pago pelos dividendos de fundos em relação aos títulos públicos aponta uma distorção nos juros.
"O prêmio dos FIIs medido no dividend yield do mercado contra o prêmio de uma NTN-B (título do Tesouro) está em torno de 4 pontos, dependendo da NTN-B. É de 4,6 pontos em relação à NTN-B 2024. É o maior prêmio da série desde 2011, o que torna muito favorável investir em fundos imobiliários. Por outro lado, isso é um alerta: por que será que os prêmios estão tão altos? Talvez porque o juro esteja baixo demais", afirmou o gestor.
"Eu vejo o Brasil com uma inflação anual de 3%, 3,5%, até 4%, e o juro em 5%, 5,5%, e não como é hoje, com uma inflação que neste ano vai terminar com quase 4% e juros de 2%. Ou seja, com juro real negativo", diz Freitas.
"Para mim, o Banco Central já está atrasado. Isso deveria estar sendo feito de forma organizada, para evitar que tenha que começar a subir sem saber onde vai parar", afirma o gestor, lembrando o que aconteceu entre 2013 e 2015.
Veja a seguir a segunda parte da entrevista à EXAME Invest:
O que vocês na Hedge Investments estão planejando de produtos para o mercado?
Na situação atual, o que enxergamos com mais clareza e facilidade é crédito, os fundos de recebíveis. O mercado está se organizando e, para o nível brasileiro, o crédito está baixo. O país sempre teve pouca alavancagem por causa do juro alto. Hoje, com o juro baixo, ter alavancagem é positivo para o investimento.
Vejo um horizonte grande também para os fundos de logística pelo aumento da penetração do e-commerce. O país tem empresas fortes nacionais e atraiu grandes companhias do exterior, e isso resulta em bons contratos.
No cenário de recuperação dos fundos imobiliários, o que mais o preocupa?
O que mais me preocupa, e eu vejo isso entre a maioria dos analistas e dos profissionais do mercado financeiro, é a viabilidade do Brasil do ponto de vista fiscal. O spread que abriu entre os dividendos dos fundos imobiliários e os títulos públicos aponta uma distorção nos juros, que estão muito baixos.
Se o Tesouro e o Banco Central não se anteciparem a isso, o país pode cair na dominância fiscal (situação em que a política monetária tem efeitos contrários ao desejado por causa da piora do quadro fiscal). O país tem hoje um problema fiscal no momento em que a correção da dívida talvez seja a menor da história. O serviço da dívida (o pagamento de juros) não tem o peso de antigamente.
Se deixar a inflação subir sem alterar o fiscal, imagina o impacto se o Banco Central tiver que aumentar os juros para 5%? O carrego vai ficar mais pesado. Pode chegar o momento em que não será mais possível corrigir a política monetária através da taxa de juros porque vai piorar o fiscal. Se o governo não tomar cuidado, pode acontecer.
Eu vejo o Brasil com uma inflação anual de 3%, 3,5%, até 4%, e o juro em 5%, 5,5%, e não como é hoje, com uma inflação que neste ano vai terminar com quase 4% e juros de 2%. Ou seja, com juro real negativo. Nós não somos a Alemanha, o Japão, os Estados Unidos, que podem ter um orçamento deficitário sem impactar a moeda. A resposta está aí, com essa desvalorização que tivemos do real.
O senhor acha que o governo vai reagir a esse cenário?
Me preocupa o risco de o Banco Central não agir com sintonia fina nessa situação. Para mim, ele já está atrasado. Isso deveria estar sendo feito de forma organizada, para evitar que o BC tenha que começar a subir sem saber onde vai parar.
Guardadas as devidas proporções, isso aconteceu de agosto de 2011 a abril 2013, quando o juro caiu para 7,25% e, na fase final de cortes, a inflação estava em 7%. E daí teve que subir para 14,25%. E por três vezes o mercado achava que a taxa iria parar e não parou. E isso causou a recessão enorme de 2015-2016.
Está faltando comandante, porque o país precisa continuar com o ciclo das reformas e a situação está meio solta. O Paulo Guedes tem que fazer um papel que não é dele no Congresso. Falo isso sem ideologia. É papel do Executivo ser propositivo e discutir com o Congresso as medidas para haver viabilidade fiscal.
Eu não tenho medo de o juro subir. Se acontecer de forma responsável e organizada, isso não vai impactar o mercado de fundo imobiliário. Mas é preciso corrigir rapidamente.
As incorporadoras residenciais crescem a um ritmo de dois dígitos. É uma expansão sustentável?
Quando olhamos para os preços dos terrenos, a equação já começa a ficar difícil de montar: a incorporadora olha o preço do terreno, o custo de obras, o preço pelo qual irá vender as unidades e daí fecha a decisão de investimento. Já houve uma alta expressiva nos preços dos terrenos. E o mesmo está acontecendo com os custos de obras, com o INCC (Índice Nacional de Custo da Construção), materiais como o PVC e o aço.
Outro ponto que me preocupa: vamos olhar os dados do Secovi aqui em São Paulo: 60% das unidades vendidas têm seguramente menos que 40 metros quadrados. E 60% dos compradores são investidores, não são pessoas que vão morar nos imóveis. Vai criando uma situação de corrida a um segmento só, que acaba ficando inchado na oferta. Já vimos isso acontecer no passado com flats, condo-hotéis... É um ponto de atenção.
O que mais o senhor identifica como tendências no mercado?
Eu acho que vai haver também um aumento da procura por escritórios menores, talvez surja essa demanda. Uma mudança que eu vejo como definitiva é com banco. E isso fica de alerta. Com a digitalização e a banda larga, os bancos definitivamente não vão precisar de tantas agências. As pessoas não vão mais aos bancos.
E o segmento de lajes corporativas? Os fundos oferecem uma oportunidade?
Não, o corporativo não está descontado, não. As cotas caíram também, mas houve de quatro a cinco grandes negócios no segmento corporativo nos últimos quarenta dias, e os preços estão em linha ou talvez até mais altos do que no último ano.
Mas está aumentando um pouco a vacância. Se nós tivéssemos conversando um ano atrás, eu teria falado que haveria um ganho real nos preços de locação nos edifícios corporativos da cidade de São Paulo de 30% nos próximos três anos. Hoje eu já não acredito nisso. Talvez fique em 10% ou 15%. Pensando no ciclo imobiliário, era um período de pouca oferta e a demanda estava subindo. A absorção (aumento da ocupação) estava muito positiva. Para algumas consultorias, já houve absorção negativa em outubro, algo que não acontecia havia muito tempo.
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Vai haver um aumento de vacância que vai reduzir o poder de barganha do proprietário em relação ao inquilino nas revisionais. Vamos lembrar que, em vários lugares, ainda se praticam valores nominais abaixo dos de 2013.
São marcas da recessão. As revisionais de 2015 e 2016 foram muito duras, muitos aluguéis caíram 30%, 40%. Desde 2017, tinha uma recomposição e havia a expectativa de crescimento real em 2020, 2021, mas isso acabou sendo estancado com a pandemia.
Qual a sua visão geral para 2021?
Tivemos vários anos dentro de 2020: otimismo, pessimismo exagerado, otimismo de novo, médio, incertezas com relação a 2021. Mas o ano vai terminar melhor do que pensamos que seria no auge da pandemia. E alguns segmentos -- o imobiliário, o agrícola e comércio eletrômico -- tiveram um desempenho muito positivo mesmo com a pandemia.
A maioria das tendências é deflacionária. No exterior, provavelmente, os países vão conviver com juros baixos por um bom período, o que vai permitir que o Brasil se reposicione. Por essa razão é imperativo que o país acorde para o que precisa ser feito. Se o país praticasse juros maiores e acertasse o fiscal, tenho certeza de que atrairia muito investimento.
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