Os novos episódios do polêmico investimento em condo-hotéis
CVM conclui análise da operação de três condo-hotéis e normas devem sair no ano que vem. Investidores já entram na Justiça contra abusos
Da Redação
Publicado em 5 de setembro de 2014 às 17h03.
São Paulo - Oito meses depois de a Comissão de Valores Imobiliários ( CVM ) alertar que investimentos em quartos de hotéis poderiam ter um tratamento mais próximo ao de aplicações financeiras e não de investimento em imóveis, a regulamentação desse tipo de investimento avança.
O órgão regulador do mercado financeiro decidiu dispensar do registro de oferta pública o segundo e o terceiro condo-hotéis que fizeram esse pedido à autarquia, ambos localizados no Rio de Janeiro.
Os condo-hotéis são empreendimentos que funcionam como hotéis , mas que possuem unidades autônomas que podem ser compradas por investidores.
Do lado do administrador, o objetivo é captar recursos para financiar o empreendimento. Já os aplicadores têm a expectativa de receber rendimentos mensais, conforme a performance do hotel, que é administrado por uma rede hoteleira.
Quando uma empresa realiza a captação de recursos de pessoas físicas - da chamada poupança popular - para se financiar, essa operação deve ser registrada previamente na CVM, diante da vulnerabilidade dos investidores.
Porém, a autarquia pode dispensar esse registro de oferta pública em alguns casos, impondo ao administrador do investimento restrições que visam trazer maior segurança ao investidor.
A decisão da CVM sobre o segundo pedido de dispensa de registro de oferta pública foi publicada nesta quinta-feira (4), e detalhes sobre a terceira dispensa devem ser publicados em ata no dia 2 de setembro, segundo a autarquia.
A CVM está analisando a operação de 50 flats no país e outros sete pedidos de dispensa de registro de oferta pública. Essas avaliações devem servir como base para a regulamentação do investimento, e mostram que a autarquia está avançando no tema.
A expectativa é de que normas sobre o investimento sejam anunciadas no ano que vem.
Dispensa de registro tem restrições
A CVM vem condicionando a dispensa de registro de oferta pública dos investimentos em condo-hotéis a algumas regras, que podem ser mais ou menos brandas.
Na primeira decisão sobre a dispensa de registro, do Arpoador Fashion Hotel, da Incortel, a CVM restringiu a venda das unidades a investidores que possuíssem ao menos 1,5 milhão de reais em patrimônio ou que investissem pelo menos 1 milhão de reais no empreendimento
O segundo empreendimento analisado, o Rio Business Soft Inn, da incorporadora STX, já não passou por essas restrições.Porém, a autarquia pediu mudanças na publicidade do condo-hotel, determinando que as características do negócio fiquem mais claras, “com linguagem serena e moderada”.
Além disso, o informe publicitário da STX deverá alertar o investidor para os riscos da operação, como a necessidade de aportes adicionais no caso de prejuízos registrados na operação do hotel. Essas mudanças devem ser aprovadas pela CVM.
Possíveis restrições relacionadas ao terceiro empreendimento analisado, o condo-hotel Praia Formosa, da Odebrecht , ainda serão publicadas pela CVM. A unidade está localizada no Porto Maravilha, no Rio.
Mas, segundo Caio Calfat, vice-presidente de assuntos turísticos e imobiliários do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), fontes próximas da CVM apontam que as restrições serão semelhantes às da STX, e devem pedir a adequação da publicidade do empreendimento, e não incluir exigências sobre o perfil de investidores.
A expectativa é de que o quarto caso a ser analisado também tenha o registro dispensado, mas também sofra adequações.
A CVM confirmou, em nota, que a regulamentação para ofertas públicas de contratos de investimento coletivo em hotéis está em fase inicial. Porém, ressalta que as decisões tomadas até agora podem não ser aplicadas da mesma forma a outros empreendimentos.
Regulamentação também deve valer para outros tipos de investimentos em hotéis
Empresários do setor imobiliário esperam que a definição de regras mais ou menos rígidas seja feita de acordo com o tipo de investimento.
A rigidez pode ser maior no caso de venda de frações de hotéis, chamada de “modelo carioca” por conta dos diversos empreendimentos do tipo lançados nos últimos anos na zona sul do Rio.
É o caso do Arpoador Fashion Hotel. Apesar de ter o registro de oferta pública dispensado, o projeto sofreu restrição mais severa da CVM, que elevou o patrimônio mínimo dos investidores do projeto.
Esta região da cidade não permite a construção de condo-hotéis, o que fez com que incorporadores recorressem ao modelo alternativo para construir os projetos, já que as linhas de crédito disponíveis para a construção de hotéis no país são consideradas restritivas pelos empreiteiros.
O problema é que o modelo carioca não tem uma legislação específica, e pode oferecer contratos irregulares, que podem deixar o investidor desprotegido, conforme explica Caio Calfat.
Foi um desses contratos que gerou uma denúncia de um grupo hoteleiro e chamou a atenção da CVM para a necessidade de regulamentar também esse segmento. “Em alguns casos, todo o valor investido pode virar pó”, alerta o vice-presidente de assuntos turísticos e imobiliários do Secovi-SP.
No caso da venda registrada da unidade autônoma, o modelo dos condo-hotéis, as unidades seguem a Lei nº 4.591, que dispões sobre as incorporações imobiliárias, o que dá maior segurança ao investidor.
É o caso do Rio Business Soft Inn e do Praia Formosa. Ambos os empreendimentos foram dispensados do registro de oferta pública, mas a autarquia decidiu que, no caso do Rio Business Soft Inn, apenas a publicidade do projeto deve ser alterada.
Mas, assim como qualquer investimento, os condo-hotéis também não oferecem uma rentabilidade garantida.
Nesse modelo, o investidor é dono de uma porção do imóvel, registrada com escritura. Porém, o quarto não poderá ser utilizado para outra finalidade senão a de um hotel.
Se a conta do empreendimento não fechar por conta da alta concorrência na região e falta de planejamento do projeto, todos os investidores pagam pelos prejuízos.
Publicidade e atrasos geram processos na Justiça
Todos os condo-hotéis podem ter de se adequar às regras da CVM caso a publicidade do empreendimento seja abusiva.
Para Caio Calfat, o quarto também pode ser devolvido aos administradores caso ocorram práticas abusivas que gerem prejuízo aos investidores. Se considerados culpados, todos os administradores podem ter de arcar com as punições cabíveis e indenizações, com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O advogado Paulo Enver Saleiro, do escritório Enver Martins, já obteve uma liminar na Justiça de Minas Gerais ao defender dois investidores de condo-hotéis. O advogado argumenta que a publicidade do projeto garantia rentabilidade mínima e induziu os investidores ao erro.
Enver pretende abrir um novo processo judicial até a semana que vem pelo atraso na obra de outro flat em Belo Horizonte, que deveria ter sido entregue em junho e ainda não tem previsão de conclusão.
Os investidores pedem a devolução do valor investido e multa por descumprimento da oferta pelos incorporadores.
O advogado diz que projetos cujos estudos de viabilidade não levaram em consideração uma pesquisa de mercado, no caso de regiões com risco de superoferta, também podem render processos judiciais.
Um potencial aumento de processos de investidores contra os condo-hotéis na Justiça poderia acelerar a regulamentação destes investimentos na CVM.
Mercado trava com incertezas
Desde o início da análise das operações pela CVM, o mercado de condo-hotéis travou à espera dos impactos das medidas sobre cerca de 200 empreendimentos em capitais e cidades do interior do país, sejam novos, em construção ou planejados.
A velocidade de vendas dos empreendimentos caiu, obras não foram iniciadas, incorporadores mudaram o perfil do empreendimento e projetos foram engavetados no período.
A nova geração de condo-hotéis representa mais de quatro vezes os cerca de 30 empreendimentos localizados na cidade de São Paulo no início dos anos 2000, que causou prejuízos graves a investidores por conta da superoferta. O risco do investimento ainda é considerado,alto para a pessoa física.
Incentivos fiscais e benefícios dados por prefeituras, como doações de terrenos, deram impulso à construção destes empreendimentos, com a proximidade da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil.
Mas esses benefícios tinham prazo para acabar, o que levou empreendedores a cometerem erros e aumentar o risco de superoferta de empreendimentos, sobretudo em cidades como Rio de Janeiro e Belo Horizonte.