Minhas Finanças

Lições da crise bancária japonesa em tempos de subprime

Mariam Dayoub*

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.

Perguntam-me, freqüentemente: “Trilha a economia americana pelo mesmo caminho que a japonesa ao longo de quase todos os anos 90?”

Comecemos com um pouco de história. Na década de 80, a economia japonesa era vista como uma das mais prósperas do então chamado "primeiro mundo". Nesse período, o Japão cresceu 47% vis-à-vis um crescimento de 38% nos EUA e de 26% na Alemanha, na França e na Itália. O que estaria por trás deste "milagre japonês"?

A história nos é familiar: uma bolha imobiliária no mercado de terras em um ambiente com política monetária frouxa, o que favoreceu uma liquidez excessiva. O preço médio dos terrenos residenciais metropolitanos dobrou entre 1985 e 1990 e triplicou entre 1990 e 1995. A bolha foi ainda maior no mercado de terras comerciais. Na formação da bolha imobiliária, houve desregulamentação progressiva do setor financeiro e aumento no montante de depósitos segurados pelo mecanismo japonês equivalente ao nosso Fundo Garantidor de Crédito. Um problema clássico de risco moral se estabeleceu, intensificado pela falta de supervisão prudencial.

A concessão de crédito no Japão durante a bolha aumentou vertiginosamente. Entre 1985 e 1995, o crédito bancário dobrou e o principal destino desta liquidez foi o mercado imobiliário. Após o estouro da bolha imobiliária em 1993, os empréstimos bancários continuaram a crescer até 1998; porém, o principal destino desta expansão foi o setor corporativo, geralmente à custa de fortes quedas nas receitas.

Em 1993, a economia japonesa contraiu 0,8% no ano. A resposta do governo foi clássica: pacotes fiscais voltados para a execução de obras públicas. Com a forte queda nos preços dos ativos imobiliários, o total de empréstimos inadimplentes nas carteiras de crédito dos bancos passou de US$ 450 bilhões em 1993 para US$ 910 bilhões em 1996. Isso desestabilizou o sistema financeiro e instituições faliram entre 1995 e 1996. O governo japonês, todavia, não apresentou uma solução para o problema, pois os políticos se opuseram ao uso de recursos públicos para socorrer o setor bancário.

Em 1997, a falência de grandes bancos mostrou a gravidade da crise bancária japonesa. Até então, o país não contava com o aparato legal para intervir nas instituições bancárias. Entre 1997 e 1999, novas leis foram aprovadas e o governo implementou diversas medidas. Em março de 1998, injetou US$ 16 bilhões em 21 bancos, o que foi insuficiente para restabelecer a confiança na economia. Sete meses depois, o governo injetou US$ 495 bilhões (12% do PIB) no setor bancário e nacionalizou dois grandes bancos. Em 1998, em meio à crise russa e à falência do fundo de hedge americano Long-Term Capital Management, a crise japonesa não foi contida e a economia entrou em um espiral deflacionário em 1999, que perdura até hoje.

Uma reposta sistêmica para a crise foi gradualmente implementada entre 2000 e 2004. O governo japonês criou o Programa para a Revitalização Financeira que, entre outros, promoveu a compra dos empréstimos podres do setor bancário para uma subsidiária da Empresa de Seguros dos Depósitos. Até março de 2007, o colateral dos ativos comprados pela subsidiária era de US$ 34,5 bilhões, adquiridos por US$ 3 bilhões e vendidos por US$ 5,2 bilhões (ganho de 172%). No total, o governo japonês gastou US$ 399 bilhões no resgate do sistema bancário, dos quais recuperou US$ 195 bilhões.

Essa análise da história japonesa mostra que a fraqueza da economia que se iniciou na década de 90 se tornou um fenômeno persistente. A raiz da crise bancária japonesa e da crise do subprime americana está no estouro de bolhas imobiliárias, criadas em ambientes de taxas de juros baixas, ampla liquidez e pouca supervisão do sistema financeiro.

Há algumas diferenças importantes entre as duas crises, todavia. Primeiramente, o total dos empréstimos podres feitos no Japão equivalia a 25%-30% do PIB, enquanto que o total de empréstimos subprime nas mãos de agentes privados é de cerca de US$ 1,5 trilhão (10% do PIB) e que foram espalhados pelo mundo com o uso de instrumentos complexos. Em segundo lugar, no Japão, as instituições demoraram muito para assumir as perdas com o mercado imobiliário – até 2003, reguladores ainda faziam a avaliação dos ativos – enquanto que, nos EUA, o uso da marcação a mercado dos ativos faz com que as perdas sejam contabilizadas rapidamente. Assim, os agentes privados e públicos têm que reagir mais rapidamente.

Cientes disso, o presidente do Fed, Ben Bernanke, e o secretário do Tesouro, Henry Paulson, estão se movendo rapidamente. O Fed, que trabalha com uma taxa de juros efetiva próxima a zero tem buscado intervir via o afrouxamento quantitativo. Além das injeções maciças de liquidez, o Fed se envolveu na compra direta de ativos, tentando mitigar os impactos do credit crunch no consumidor. Do lado fiscal, um primeiro pacote de estímulo (US$ 168 bilhões) foi aprovado em fevereiro e, em meio à campanha presidencial, o legislativo aprovou o plano de resgate do setor financeiro (US$ 700 bilhões). Estas ações sem dúvida favorecem uma resolução mais rápida da crise.

Conclui-se que, apesar das similaridades entre as duas crises, os EUA devem superar esta crise em um período mais curto – alguns analistas afirmam que os americanos têm se movido quatro vezes mais rápido do que os japoneses. Ainda assim, cabe perguntar: vão os EUA evitar a instalação de um espiral deflacionário na economia? A expectativa é que sim, porém, como me disse um ex-professor de Columbia, Richard Clarida, “Hoje eu te falo isso com menos confiança do que há alguns meses atrás”.

*Mariam Dayoub é estrategista-chefe da Arsenal Investimentos

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