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Emissão de títulos americanos pode retardar recuperação da Bovespa em 2009

EUA terão de emitir papéis para custear medidas de estímulo à economia - reduzindo dinheiro disponível para investimento em ações

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.

Parte considerável do tombo da Bovespa em 2008 reflete o agravamento da crise financeira mundial, cujo epicentro são os Estados Unidos. Era de se esperar que, assim que a maior economia do planeta adotasse medidas para se recuperar, o pregão brasileiro começasse a reagir. Mas, ironicamente, o programa de estímulo em gestação pelo próximo presidente americano, Barack Obama, pode retardar a retomada do Ibovespa. Os cortes de impostos, os pacotes de estímulo à economia e a reestruturação do sistema de saúde dos Estados Unidos, entre outras ações, devem levar o déficit fiscal americano a um recorde de 1 trilhão de dólares em 2009. Para custeá-lo, analistas esperam a emissão de uma enxurrada de títulos do Tesouro americano. E, em um ambiente de extrema aversão ao risco, os investidores estrangeiros muito provavelmente vão preferir ganhar pouco com os papéis dos EUA a se arriscar na bolsa brasileira.

O interesse no comportamento dos estrangeiros não é gratuito. Na média do ano, eles são o grupo com maior peso na movimentação da Bovespa (35,5%), à frente dos investidores institucionais (27,2%) e das pessoas físicas (26,6%). A entrada ou saída de investidores internacionais dita, em grande parte, as tendências de alta ou de queda da bolsa. Os estrangeiros foram os principais responsáveis pelo boom brasileiro de IPOs, entre 2004 e 2007, e ajudaram a catapultar o Ibovespa no período. Por isso, a aplicação desses recursos em títulos americanos pode frear a retomada da bolsa brasileira.

"É difícil se animar com os mercados emergentes no próximo ano", afirma a estrategista-chefe da Arsenal Investimentos, Mariam Dayoub. "Não acredito em uma volta rápida do capital estrangeiro para a bolsa", completa. Há dois motivos para o ceticismo. O primeiro é o cenário externo. Desde que a crise internacional se aprofundou, em outubro, com a quebra do banco americano Lehman Brothers, os investidores estrangeiros correram dos ativos de risco - como o mercado de ações - em direção a papéis mais seguros - sobretudo os títulos da dívida pública americana. "Há uma fuga para a qualidade", diz o economista Pedro Carvalho de Mello, membro do Comitê Latino-americano de Assuntos Financeiros (Claaf). Há duas semanas, o Claaf divulgou um comunicado alertando para o risco de que países e empresas latino-americanos terão dificuldades para rolar suas dívidas em 2009, por conta do deslocamento dos recursos internacionais para os títulos dos Estados Unidos.

Não são apenas os financiadores da dívida pública e privada dos países latinos que estão comprando papéis americanos. Desde junho, a Bovespa registra sucessivas saídas líquidas (compras menos vendas de ações) dos estrangeiros. Até 10 de dezembro, eles já haviam retirado 25,205 bilhões de reais da bolsa brasileira. É verdade que o desempenho do pregão não ajuda em nada a retê-los. Até 12 de dezembro, o Ibovespa acumulava uma queda de 38,3% em reais. O resultado em dólares é ainda pior, dada a desvalorização cambial: -54,4%.

Pouco, mas garantido

Mas os estrangeiros não devem se manter longe da Bovespa em 2009 apenas porque sofreram prejuízos neste ano. Houve uma enorme perda de riqueza em todo o mundo desde que a crise estourou. O preço de ativos financeiros - como as ações - e reais - como os imóveis - despencou. Além disso, os investidores estão cada vez menos alavancados, isto é, possuem cada vez menos capacidade de se endividar para investir. "Os investidores estão mesmo mais pobres, e isto gera uma enorme aversão ao risco", diz o economista José Márcio Camargo, da Opus Gestão de Recursos.

Algumas corretoras brasileiras afirmam que o Ibovespa terminará 2009 acima dos 60.000 pontos - uma alta de mais de 50% sobre o patamar atual. Enquanto isso, os títulos americanos com vencimento em dois anos viram sua taxa de remuneração tombar para 0,76% ao ano na última semana, bem abaixo do pico de 3,11% registrado em junho. De acordo com a agência de notícias Bloomberg, outros papéis do Tesouro americano, como os de 10 e 30 anos, caíram ao menor patamar de juros desde que começaram a ser vendidos. "As pessoas não estão comprando os títulos porque acham o retorno atrativo. Estão comprando porque temem colocar seu dinheiro em qualquer outro lugar", afirmou à Bloomberg Jay Mueller, gestor de títulos públicos do Wells Fargo Capital.

Vantagens limitadas

Em algum momento do próximo ano, porém, os gestores estrangeiros vão começar a se perguntar se vale a pena manter suas posições em títulos americanos que geram um retorno próximo de zero, mas garantido, ou se é melhor buscar outras opções. "Juros próximos de zero vão perder a atratividade", diz Gustav Gorski, economista-chefe da corretora Geração Futuro. Haverá, então, uma realocação de recursos. E, então, a Bovespa enfrentará novamente a concorrência com o Tesouro dos Estados Unidos, já que parte dos investidores espera que o governo americano lance papéis de longo prazo para financiar seu déficit.

Os especialistas, porém, vêem poucos argumentos capazes de trazer de volta os estrangeiros à Bovespa. "A bolsa brasileira depende das commodities, e não se espera que elas tenham um bom desempenho no próximo ano, com um mundo em recessão", afirma Mariam, da Arsenal. Camargo, da Opus, lembra que a recuperação do preço das commodities depende da economia da China. E as notícias sobre o país não são boas. "A queda no crescimento anual da China é muito forte", diz o economista.

Camargo também encara com ressalvas as projeções de que o Ibovespa encerre 2009 nos 60.000 pontos. "Se o índice subir 10% ou 15%, já será muito bom", afirma. Nem mesmo o início da gestão Obama, nos Estados Unidos, será capaz de suportar uma alta das bolsas americanas que puxe a brasileira. "O rali de ações do governo Obama vai ter vida curta, porque o cenário real está se deteriorando rapidamente", diz. Se o mercado acionário não apresenta perspectivas favoráveis nos Estados Unidos, os estrangeiros também não devem se empolgar com os pregões de países emergentes. É claro que a situação brasileira, hoje, é bem melhor do que nas crises anteriores. Mas, para os estrangeiros, os Estados Unidos continuam o porto mais seguro em épocas de tempestade. Mesmo quando os próprios americanos são o centro da tormenta.

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