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Crédito no Brasil ainda engatinha e está a 15 anos do subprime

Mantido o ritmo atual de crescimento do crédito imobiliário, país ainda demoraria uma década e meia para que esse tipo de empréstimo pudesse oferecer risco semelhante ao dos EUA

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.

Diante da crise do mercado hipotecário americano, que sacode o mundo desde meados de julho, é inevitável a pergunta: o Brasil está gestando sua própria bolha imobiliária, agora que o crédito habitacional bate recordes e as incorporadoras voltam-se para o mercado de baixa renda? A resposta unânime dos especialistas é não. Um problema idêntico ao americano, localizado no mercado subprime - o de pagadores de alto risco - vai demorar bastante para encontrar condições de se manifestar no país. Isto, caso um dia se manifeste. Para os especialistas, em termos de crédito imobiliário, o Brasil está pelo menos 15 anos defasado em relação aos países desenvolvidos. Além disso, nosso sistema possui diferenças marcantes em relação ao americano.

"Houve uma expansão global do mercado imobiliário nos últimos 15 anos, e o Brasil ficou de fora", afirma Fábio Nogueira, diretor da Brazilian Mortgages. Desde o estouro da bolha da internet, no início da década, os negócios imobiliários aceleraram ainda mais nos outros países. Para estimular a economia, o Federal Reserve - banco central americano -, por exemplo, reduziu a taxa de juros naquela época. Com os empréstimos mais baratos, a população foi às compras e impulsionou a construção civil nos Estados Unidos. O mesmo ocorreu em outros países, como a Inglaterra, a Espanha, e até em emergentes, como o México. Em muitos países, os imóveis se valorizaram fortemente.

Nesse mesmo período, porém, o Brasil concentrava-se em estabilizar sua economia com uma política monetária austera, que se baseava em juros altos. Com a taxa básica de juros em dois dígitos, o crédito imobiliário caro afugentou os tomadores. Além disso, a falta de instrumentos legais seguros desestimulava bancos e incorporadores a estender o crédito, seja no prazo, seja para mais fatias da população. O resultado foi uma pasmaceira no mercado durante anos a fio.

Expansão conservadora

O que se assiste no Brasil, hoje, é muito mais um início de "normalidade" do mercado de crédito imobiliário, do que uma concessão sem critérios de financiamento, de acordo com os especialistas. "Não estamos emprestando para endividados ou desempregados", afirma Carlos Eduardo Duarte Fleury, superintendente geral da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

Esta, segundo Fleury, é a diferença fundamental em relação ao que ocorreu nos Estados Unidos. Lá, após o crédito ter atingido todo o mercado potencial de bons tomadores, começou a avançar rumo aos que apresentavam um mau histórico de pagamento, ou mesmo não tinham renda certa para quitá-lo. Desempregados ou pessoas com histórico de mau pagador tinham acesso a linhas de crédito de dezenas de milhares de dólares. A concorrência entre as instituições financeiras fez com que os clientes pudessem ter acesso a dinheiro sem acumular uma poupança mínima nem apresentar as extensas listas de documentos exigidas no Brasil. Corretores de imóveis interessados em ganhar comissões facilitavam a conclusão de negócios com inadimplentes. Formou-se o mercado subprime, epicentro do atual terremoto que devasta o mercado financeiro mundial. Aqui, a expansão do crédito é mais conservadora. Os bancos, em geral, exigem uma entrada de 20% a 30% do valor do imóvel. Também pedem garantias de pagamento. O valor da parcela, por exemplo, deve equivaler a cerca de um terço da renda do pretendente. Sem isso, nada de financiamento.

Mesmo quando se fala do crescente interesse dos construtores e incorporadores pela baixa renda, é preciso lembrar que isso significa famílias com renda mensal de cinco a dez salários mínimos - ou 1.900 a 3.800 reais por mês. E, mesmo para estas famílias, as condições exigidas para a concessão do crédito não são diferentes. Neste ano, a Brazilian Mortgages lançou uma linha de financiamento hipotecário de 30 anos - o mais longo do país. Se o interessado quiser recorrer a esse produto para comprar um imóvel de 60.000 reais - considerado bastante popular no mercado -, terá direito a, no máximo, 40.000 reais de crédito. Parcelado em 30 anos, pagará uma prestação mensal de 382,39 reais. A contrapartida é que tenha uma renda mínima de 1.760 reais. Logo, o valor da parcela equivale a 22% de seus vencimentos. "Não existe mercado subprime no Brasil", resume Nogueira, diretor da empresa.

"O que está alimentando o crédito, hoje, são os juros menores e os prazos maiores. Não mudamos os critérios de aprovação, como o limite de comprometimento de renda", afirma Leonardo Correa, vice-presidente de Relações com Investidores da MRV, incorporadora e construtora com forte atuação no mercado de baixa renda e classe média baixa. Até meados de 2005, o prazo médio dos financiamentos imobiliários era de 10 a 15 anos. Com a queda dos juros, a estabilidade econômica e a aprovação de instrumentos jurídicos como a alienação fiduciária - aquela que garante que a propriedade do imóvel é do agente de crédito até a quitação do contrato -, os prazos puderam se alongar para 20 anos, o que reduziu o valor das prestações e trouxe mais gente para o mercado. "Se, antes, um imóvel de 100.000 reais era acessível a alguém que ganha 5.000 reais, hoje ele pode ser vendido para uma pessoa com 3.800 reais", compara Correa. Se as condições macroeconômicas se mantiverem nos próximos anos, há quem aposte que os prazos de financiamento se estenderão até 25 anos, incorporando outros clientes em potencial.

O déficit habitacional brasileiro beira os 8 milhões de moradias. Oitenta e quatro por cento dele corresponde a famílias com renda mensal até três salários mínimos. Trata-se de uma fatia da população que só será atendida pelos incorporadores em condições muito especiais, ou seja, com o apoio do governo, por meio de subsídios explícitos à construção e ao financiamento dessas unidades. Assim, ao contrário dos Estados Unidos, onde essa camada teria potencial para engrossar o subprime, aqui ela suscita outra abordagem, que também restringe o potencial de inadimplência da carteira.

Proporções reduzidas

Neste ano, os financiamentos imobiliários com recursos da caderneta de poupança deverão bater um novo recorde, superando o de 2006, de 9,340 bilhões de reais, referentes a 113.873 unidades financiadas. Em janeiro, a Abecip estimava que a carteira de crédito atingisse 12 bilhões de reais, mas o forte ritmo dos meses seguintes já faz a associação esperar um resultado maior. Até julho, o total contratado somava 8,524 bilhões de reais, distribuídos por 98.757 unidades. No acumulado de 12 meses, o montante atingiu 12,903 bilhões de reais. "Tudo indica que vamos chegar a dezembro acima da previsão inicial", diz Fleury, da Abecip.

Mas os números mostram que o mercado imobiliário brasileiro ainda está engatinhando, se comparado ao restante do mundo. A maior companhia hipotecária americana, a Countrywide Financial Corporation, detinha uma carteira de 1,43 trilhão de dólares no final de julho - mais do que todo o PIB brasileiro.

Apesar da intensidade com que vem se desenvolvendo, o mercado imobiliário brasileiro é modesto mesmo diante de outros países emergentes. Segundo um estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o crédito imobiliário corresponde a apenas 1,7% do PIB brasileiro. Nos Estados Unidos, a taxa é de 65%. Na Holanda, sobe para 111%. Entre os emergentes, a África do Sul apresenta taxa de 20%; o México, de 9%; Chile, de 13%; e a Índia, de 2,2%.

A participação do financiamento imobiliário no PIB brasileiro já foi maior. Entre 1973 e 1982, quando o extinto Banco Nacional da Habitação (BNH) era o principal responsável pelo sistema, a taxa chegou a 6,5%. No auge do BNH, em 1980, 627.000 unidades foram financiadas. Em 2007, a Abecip espera cerca de 150.000 imóveis. De acordo com o BNDES, se o ritmo do mercado se mantiver, a participação dos financiamentos imobiliários no PIB vai dobrar para 4% em 2010. Ainda assim, uma taxa bastante modesta.

Efeito limitado

Mesmo que uma bolha imobiliária estourasse no Brasil neste momento, suas conseqüências seriam mais restritas no mercado financeiro. Nos Estados Unidos, para fazer caixa e continuar emprestando, as companhias hipotecárias vendem suas carteiras de crédito a outros investidores, como fundos de pensão e fundos multimercados. Assim, um eventual calote pode repercutir em vários pontos do mercado.

No Brasil, porém, o mercado secundário de recebíveis imobiliários ainda é bem pequeno. Quando foi criado, em 1994, os especialistas imaginavam que alcançaria 10 bilhões de reais logo nos dois primeiros anos. Mas os juros altos tiraram o charme dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), que não podiam competir com a rentabilidade oferecida pelos títulos públicos do governo, por exemplo. O desempenho ficou bem abaixo do esperado. Em 2000, foram feitas apenas cinco emissões de CRIs, que representaram 171,6 milhões de reais. O pico foi em 2006: 34 operações, num total de 2,102 bilhões de reais. No ano passado, a Comissão de Valores Mobiliários registrou 1,071 bilhão em emissões.

De acordo com Fleury, da Abecip, uma série de entraves impede a expansão desse mercado secundário. Só recentemente os juros reais ficaram na casa de um dígito ao ano; a falta de padronização dos contratos onera os processos de emissão; e as regras do Banco Central ainda inibem as emissões lastreadas em operações do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), origem da maior parte do crédito imobiliário do país. As poucas operações vistas são lastreadas em grandes projetos, como shopping centers ou empreendimentos erguidos com recursos de mercado, e não oriundos da poupança.

É claro que o Brasil continuará sentindo os efeitos da turbulência causada pela crise do subprime americano. Inserido cada vez mais na economia mundial, o país é foco de investidores estrangeiros e sofre todos os solavancos do pânico atual. Mas uma legítima crise subprime verde-amarela ainda está bastante distante. O que os especialistas e os números mostram é que um problema desse ocorre em mercados maduros. E, no campo imobiliário, o Brasil ainda está mais para verde que para amarelo.

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