UNICÓRNIOS: as startups bilionárias chegaram deixaram de ser raridade, mas só as mais resistentes vão sobreviver / Jason Kempin/ Getty Images
Da Redação
Publicado em 10 de agosto de 2016 às 12h57.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h22.
David Cohen
O apelido surgiu em 2013. Aileen Lee, fundadora da Cowboy Ventures, uma firma de venture capital, usou o termo “unicórnio” para descrever startups avaliadas em 1 bilhão de dólares porque acreditava que essas companhias eram raras, quase mitológicas. Em seu primeiro esforço, ela identificou apenas 39 empresas com essa característica.
Nos dois anos seguintes, porém, o rebanho cresceu a um ritmo impressionante. Em 2015, surgia um novo unicórnio a cada semana no mundo. Como são companhias fechadas, nem todos os investimentos são transparentes, o que dificulta estimar o número de unicórnios. Podem ser 150, pela lista do Wall Street Journal e da Dow Jones Venture Source. Ou 166, de acordo com o serviço de análise de negócios Pitchbook, 171 pela estimativa do CB Insights, ou mesmo 229, de acordo com o VB Profiles.
Surgiu até um subgrupo dentro do rebanho: os decacórnios, startups valorizadas em mais de 10 bilhões de dólares (são 11, de acordo com o Wall Street Journal, sendo duas – Uber e Xiaomi – avaliadas em mais de 40 bilhões).
Paradoxalmente, essa multiplicação de unicórnios levou muita gente a desconfiar de sua existência. Uma coisa é identificar um ou outro bicho esquisito se alimentando em plantações de coisas verdes – dólares abundantes, no caso. Outra é ver manadas inteiras. No final do ano passado, alguns analistas começaram a afirmar que grande parte dos unicórnios eram pangarés com chifres artificiais.
Os últimos meses parecem dar razão a esses analistas. Até a Xiaomi, o segundo unicórnio dos rankings, enfrentou problemas. No final de maio, ela divulgou uma receita de 12,5 bilhões de dólares, que não é pouca coisa. Só que a empresa, apelidada de “Apple da China”, tem expectativa de crescimento muito maior. Um ano antes, seu fundador e CEO, Lei Jun, previra faturamento de 16 bilhões de dólares.
Executivos e investidores dizem que o crescimento de apenas 3% em relação ao ano passado é só um tropeço no caminho de seus ambiciosos objetivos – a empresa, que hoje recolhe 90% de sua receita com a venda de celulares, pretende ser uma protagonista na futura “internet das coisas”, a era da comunicação entre aparelhos. De qualquer forma, elevou-se o nível de ceticismo em relação à sua capacidade de criar um ecossistema de produtos e programas. E, com ele, as dúvidas sobre seu real valor.
Unicórnio ou pangaré?
Os problemas da Xiaomi não são nada perto de outros unicórnios. No mês passado, a startup Theranos, especializada em diagnósticos de saúde, foi ameaçada de perder sua licença de operar um laboratório na Califórnia (a empresa tem dois meses para tentar reverter a decisão). O motivo: reguladores encontraram diversas falhas em seu revolucionário método de fazer análises de sangue colhendo apenas uma gota do material.
A Theranos, que chegou a ser avaliada em 9 bilhões de dólares, caiu para 800 milhões em junho – e corre o risco de desaparecer nas próximas semanas.
Outra estrela entre os unicórnios era a Zenefits, uma startup que oferece um programa de gestão de benefícios de graça, em troca de se tornar a seguradora da empresa. Com dois anos de idade, em 2015, ela levantou 583 milhões de dólares em investimentos, o que colocava seu valor total na casa dos 4,5 bilhões de dólares.
O dinheiro não fez muito bem à Zenefits. Um clima de festa predominava na companhia, incluindo bebidas e sexo no horário do expediente. Segundo o site Business Insider, uma diretora da empresa enviou um email coletivo aos funcionários, pedindo que eles parassem de usar as escadas do prédio para fumar, comer, beber e transar.
Em fevereiro deste ano, veio a ressaca: o CEO renunciou, o álcool foi proibido na empresa, 250 pessoas foram demitidas (17% do total) e a companhia passou a ser investigada por vender seguros sem licença em vários estados americanos.
A empresa de pagamentos Square, co-fundada por Jack Dorsey, do Twitter, chegou a ser avaliada em 6 bilhões de dólares. Sua abertura de capital, em novembro passado, não fez jus a esse número. Seu valor chegou a cair para 3,3 bilhões de dólares (hoje está em 3,9 bilhões).
O Gilt Groupe, um site de venda relâmpago de artigos de luxo que foi avaliado em 1,1 bilhão de dólares em 2011, acabou entrando ele próprio em liquidação: foi vendido por 250 milhões este ano para o Hudson’s Bay, grupo que controla a varejista Saks. A Good Technology, startup que ajuda os negócios a administrar os aparelhos móveis de seus funcionários, foi cotada a 1 bilhão de dólares em 2013 – e comprada por 425 milhões em setembro passado pela Blackberry.
Alguns quase-unicórnios também foram atingidos. O Foursquare, aplicativo que une rede social com geolocalização, chegou a ser avaliado em 650 milhões de dólares. Em janeiro, fez uma nova rodada de captação de capital e, pelas contas de troca de ações por dinheiro, sua cotação pode ter caído à metade. Como decorrência da desvalorização, o co-fundador Dennis Crowley deixou a função de CEO e se tornou presidente do conselho. Tantas derrapadas deram origem a um novo termo relacionado ao grupo: unicorpses – cadáveres de unicórnios.
O chifre encostou na bolha
A grande preocupação em relação aos unicórnios é que os investimentos em startups lembram a bolha da internet da virada para os anos 2000. De acordo com a Pitchbook, empresa de análise de negócios de private equity e venture capital, entre 2010 e este ano as empresas em estágio intermediário, que já têm serviços ou produtos, dobraram seu valor médio, para 60 milhões de dólares, no mercado americano. As empresas em estágio inicial saltaram de 8,9 milhões para 22 milhões de dólares, em média. É uma valorização que acende desconfianças.
O fenômeno tem seus motivos. Antes, os financiadores de startups típicos eram as firmas de venture capital e de private equity. Mas, especialmente a partir de 2014, as taxas de juros baixíssimas e o desempenho fraco das bolsas de valores levaram os fundos de investimento tradicionais a arriscar este mercado. A tentação de investir em startups é a chance de encontrar o próximo Google ou Facebook. Não é tão fácil, mas o lucro pode ser extraordinário.
A inundação de dinheiro em startups segue uma lógica, como explica o jornalista especializado em tecnologia Om Malik: “a maior parte da competição no Vale do Silício se encaminha para um vencedor monopolista”. Como os mercados em que o vencedor leva tudo tendem a ser altamente lucrativos, investidores ficam afoitos para encontrar líderes em qualquer categoria. A ideia é crescer a qualquer custo, para ocupar todos os espaços e, mais para a frente, colher os frutos – mais ou menos como o Google ganhou o mercado de buscas ou o Facebook ganhou o das redes sociais.
Ocorre que as barreiras de entrada em qualquer mercado estão cada vez mais baixas. Por isso, justo quando parece que uma empresa está perto de dominar um mercado, surgem novos concorrentes. A maior vantagem de escala, para empresas de tecnologia, é o que se convencionou chamar de efeitos de rede. Se os seus amigos estão no Facebook, você é compelido a usar a rede.
Isso não é verdade em outros mercados. Se todo mundo compra um carro da GM, isso não torna o produto mais atraente para você. Durante a febre dos últimos dois anos, grande parte dos discursos dos empreendedores apresentava suas startups como candidatas a monopolistas.
O foco era crescer, crescer, crescer. Quando Jack Ma, o líder do site de vendas online chinês, recebeu investimento do bilionário japonês Masayoshi Son, este lhe disse: “você está gastando dinheiro devagar demais”. O recado era que Ma precisava crescer para conquistar o mercado chinês antes que algum outro aventureiro o desbancasse. Mas isso nem sempre se aplica.
Menos de um ano atrás, a GrubHub valia mais de 4 bilhões de dólares, com a premissa de que iria se tornar um monopólio na entrega de comida nos Estados Unidos. Mas este é um nicho em que o efeito de rede não vigora. Uma ampla gama de startups começou a competir com ela – e seu valor caiu mais de 60%.
A Zirx, uma startup de São Francisco, conseguiu captar 36 milhões de dólares dois anos atrás, com um aplicativo pelo qual a empresa estaciona o carro do cliente. “Nós vivemos em 2015 com subsídio de venture capital”, disse Sean Behr, CEO da Zirx, ao jornal Financial Times. “Podíamos ter comida barata, aluguel barato, tudo barato, porque os VCs financiavam. Agora não mais.”
A mistura de unicórnio com barata
Aos cada vez mais claros sinais de bolha, os investidores responderam com uma retração. No último trimestre de 2015, os investimentos de venture capital caíram 32% em relação ao trimestre anterior, para pouco mais de 11 bilhões de dólares, nível que se manteve no primeiro trimestre deste ano.
Em última análise, os investidores querem que as startups abram o capital – os unicórnios são avaliados de acordo com o tanto que alguém pagou por um pedaço deles, mas isso só se converte em valor de verdade quando a empresa se torna aberta e qualquer um pode comprar ou vender ações.
“Não há possibilidade de as bolsas absorverem o grupo de unicórnios que está aí pelos seus valores atuais”, disse Bill Reichert, da Garage Technology Ventures, a uma pesquisa sobre o nível de confiança dos investidores. “Vai haver mais desapontamento que celebrações nos próximos 18 meses.”
Nesse novo clima, os investidores passaram a prestar atenção em outras coisas além de crescimento da base de clientes: lucro, por exemplo. Ou a taxa em que as startups queimam o dinheiro obtido.“O pêndulo virou fortemente de crescer a qualquer custo para economizar dinheiro a qualquer custo”, disse David Yuan, sócio de outra empresa de VC, ao Financial Times.
Isso ajuda a explicar por que o aplicativo Evernote (um unicórnio avaliado em 1 bilhão de dólares) mudou as regras de seu serviço. A partir do mês que vem, os clientes só terão direito a sincronizar notas em dois aparelhos – a não ser que migrem para a versão premium, paga.
Alguns investidores começaram a dizer que preferem as baratas aos unicórnios. Baratas são capazes de resistir a uma guerra nuclear. Era um exagero, desta vez para o lado oposto. No finalzinho de junho, a abertura de capital da Twilio, uma startup de mensagens de texto, mostrou que a notícia da extinção dos unicórnios era no mínimo prematura. Avaliada em 1 bilhão de dólares antes de seu IPO, as ações da Twilio atingiram na bolsa um preço que elevou sua cotação para 2,8 bilhões. Esta semana, o Walmart comprou outro unicórnio, a Jet, uma empresa de e-commerce, por 3,3 bilhões de dólares – mais que o dobro de sua avaliação. Parece claro que o grupo dos unicórnios é heterogêneo. E caminha para uma correção.
Na dúvida, é só seguir o dinheiro. No segundo trimestre deste ano, o total de investimentos em startups nos Estados Unidos foi de 22,3 bilhões de dólares, segundo a PitchBook. É um aumento de 11% em relação ao mesmo período do ano passado, que elevou o montante do ano para 40 bilhões de dólares. Se mantiver esse ritmo, o nível de investimentos em startups será igual ou um pouquinho maior que o do ano passado. Os unicórnios abocanharam 39% do total no terceiro trimestre, um aumento de 216% em relação ao mesmo período do ano passado.
Soa como o renascimento dos unicórnios. No entanto, há uma diferença: o capital investido aumentou, mas o número de negócios diminuiu 29%. É mais dinheiro indo para menos companhias. Em geral, o funil aponta para as que já atingiram um estágio mais desenvolvido.
“Nos anos anteriores, muitos investidores faziam apostas em todo tipo de companhia”, diz John Gabbert, CEO da PitchBook. “Hoje, estão mais cautelosos em relação aos tipos de investimentos que fazem.” É provável que no médio prazo os unicórnios voltem a ser mais raros. Talvez só sobrevivam aqueles que tiverem algo de barata.