Por que o Ibovespa descolou da forte queda em Wall Street?
Índices americanos tiveram queda nas três primeiras semanas do ano, enquanto o Ibovespa subiu 3,9%
Beatriz Quesada
Publicado em 22 de janeiro de 2022 às 06h05.
Última atualização em 22 de janeiro de 2022 às 11h49.
Neste início de 2022, o Ibovespa tem mostrado uma rara resistência diante dos ventos negativos vindos do exterior. Enquanto os índices americanos S&P 500 e Dow Jones registram sua terceira semana consecutiva de perdas – na pior sequência desde o começo da pandemia, há quase dois anos, – a bolsa brasileira fechou em alta pela segunda semana seguida.
Veja o desempenho dos índices no acumulado de 2022:
- Dow Jones: -5,7%
- S&P 500: -7,7%
- Nasdaq: -12,0%
- Ibovespa: +3,9%
O que explica o descolamento do mercado internacional? Para os analistas, as respostas estão em três fatores principais: o momento de mercado, a alta das commodities e o aumento da atratividade da renda variável local.
Momento de mercado
As recentes quedas nos índices de ações americanos refletem, principalmente, o temor dos investidores com a iminente elevação na taxa básica de juros americana, estacionada entre zero e 0,25% desde o início da pandemia.
Nos últimos dias, o mercado passou a precificar um aumento a mais na taxa de juros até o fim do ano em relação ao que estava projetado em dezembro: serão quatro altas no juro pelo Federal Reserve , o Fed, em vez de três.
A alta nos juros reduz o apetite a risco e tende a prejudicar opções mais voláteis de investimento, como a renda variável – e costuma ser, inclusive, mais prejudicial para bolsas de países emergentes como o Brasil.
Por que, então, o Ibovespa não está acompanhando o cenário negativo? Para Gustavo Cruz, economista e estrategista da RB Investimentos, a explicação está no momento de mercado.
“A queda expressiva nas bolsas dos EUA está muito associada à readaptação da expectativa de queda de juros por lá. O Ibovespa passou pelo movimento, mas anteriormente, em torno de setembro e outubro do último ano. O mercado financeiro antecipa o movimento, e isso explica por que a bolsa brasileira sofre menos agora”, afirma.
O assunto será debatido na próxima semana, na primeira reunião de política monetária do Fed neste ano, nos dias 25 e 26. A expectativa predominante no mercado americano é que os juros sejam elevados apenas na reunião de março, embora nos últimos dias tenham surgido apostas em uma alta já na próxima semana.
Alta das commodities
Outro fator que ajuda a explicar a força do Ibovespa é a sua composição. A mineradora Vale (VALE3) representa 15% do índice, enquanto a petrolífera Petrobras (PETR3/PETR4) responde por outros 10,7% da carteira teórica.
Isso significa que movimentos positivos nesses papéis costumam ter forte impacto no Ibovespa. E é justamente o que tem acontecido neste início de ano.
No acumulado de janeiro, a Vale sobe quase 9%, enquanto a Petrobras registra ganhos em torno de 12% nas ações tanto preferenciais como ordinárias. Os papéis acompanham a valorização das respectivas commodities, o minério de ferro e o petróleo.
Do lado do minério, os contratos futuros subiram de preço pela terceira semana consecutiva de olho no aumento da demanda chinesa. O governo de Pequim tem cortado as taxas de juros em tentativa de estimular a economia no estratégico ano do 20º Congresso do Partido Comunista, o que reforça as perspectivas de demanda pela matéria-prima.
Já o petróleo registrou nesta semana uma alta histórica que elevou os preços do Brent, petróleo de referência mundial, à sua maior cotação em oito anos. Parte da alta está associada à retomada das atividades globais após períodos de isolamento forçados pela pandemia e à diminuição do temor em relação à variante Ômicron da Covid.
O momento de forte demanda se une ainda a tensões geopolíticas. Entre as preocupações está o embate entre Rússia e Ucrânia, uma vez que o conflito pode afetar o fornecimento de gás para a Europa, aumentando a demanda por petróleo.
Atratividade da bolsa brasileira
Rafael Bombini, especialista em renda variável da EWZ Capital, destaca ainda o papel do investidor estrangeiro, que tem apostado mais na bolsa brasileira desde o fim do ano passado, como fator de sustentação das cotações.
“Isso traz um fluxo positivo, em primeiro lugar, para as maiores ações da bolsa. Empresas de commodities e bancos puxam esse movimento. Bancos se beneficiam e ficam mais atrativos em cenários de juros altos”, explica Bombini.
Declarações recentes também influenciaram positivamente o humor dos investidores. Na quarta-feira, dia 19, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu em entrevista coletiva a independência do Banco Central e comentou sobre uma possível aliança com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (sem partido) para as eleições presidenciais de outubro.
Analistas apontam que acenos ao centro dos presidenciáveis podem contribuir para diminuir a volatilidade nos mercados.
A segunda declaração veio do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Em evento na última quinta, dia 20, ele sinalizou que o aperto monetário pode estar chegando ao fim no Brasil.
“Ainda é preciso entender se a inflação irá realmente arrefecer e se não teremos surpresas fiscais. Porém a declaração já foi suficiente para que o mercado desse início a uma rotação de setores, migrando para os setores domésticos que mais dependem da economia doméstica”, avalia Rodrigo Moliterno, head de renda variável da Veedha Investimentos.
A rotação permitiu que empresas de setores que ficaram muito descontados em 2021 com a queda nas cotações, como ações de varejistas, incorporadoras e empresas de tecnologia, fossem destaque de alta nos últimos pregões.