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Por que os grandes bancos sofrem para recuperar valor na bolsa

Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil e Santander aceleram digitalização e fecham agências para competir com fintechs e bancos digitais

 (Chronis Jons/The Image Bank/Getty Images)

(Chronis Jons/The Image Bank/Getty Images)

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Guilherme Guilherme

Publicado em 6 de outubro de 2020 às 06h00.

A pandemia do novo coronavírus reduziu a praticamente zero as vendas de pacotes de turismo da CVC e de assentos em aviões da GOL ou da Azul no momento mais agudo da crise. Mas, em termos nominais, nenhum setor sofreu tanto na bolsa de valores quanto os grandes bancos, que, juntos, chegaram a perder mais de 400 bilhões de reais em valor de mercado no ápice da crise. E ainda que a queda máxima tenha sido proporcionalmente menor que a de ações atreladas ao turismo, a recuperação está sendo mais lenta.

Enquanto as altas das ações de CVC, GOL e Azul superam mais de 200% desde que tocaram a cotação mínima no ano, os papéis de Itaú, Bradesco, Santander e Banco do Brasil subiram menos de 50%. Em valor de mercado, seguem cerca de 350 bilhões de reais abaixo de como começaram o ano. As ações do Itaú e do Bradesco foram as que menos se recuperaram: até o pregão de segunda-feira, 5, estavam apenas 14,4% e 15,3% acima da mínima do ano. Já o Ibovespa, principal índice da B3, acumula alta de 55% desde que tocou a menor pontuação de 2020, em meados de março.

No mercado, o sentimento geral entre analistas e investidores é que as ações dos grandes bancos estão “atrasadas”, quase paradas no tempo: mesmo que muitos considerem que estão “baratas” devido às quedas dos múltiplos preço/lucro dos ativos (uma métrica para avaliar se uma ação está cara ou barata), o otimismo sobre o desempenho futuro dos papéis não tem surtido efeitos no presente.

De acordo com analistas consultados pela Exame, um dos motivos que têm deixado os papéis do setor para trás são as incertezas sobre a atividade econômica, que podem se refletir em uma disparada da inadimplência, com perdas para os bancos. Segundo dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o percentual de famílias endividadas chegou a 67,5% em agosto, novo recorde da série histórica iniciada em 2010.

Para se prevenir dos calotes, que comprometeriam a rentabilidade do sistema financeiro, os grandes bancos fizeram provisões bilionárias, que comeram parte dos lucros dos dois primeiros trimestres do ano. No ápice das provisões, em maio, elas chegaram a corresponder a 9% de toda a carteira de crédito dos bancos privados, segundo dados do Banco Central compilados pela Exame Research.

Por outro lado, há sinais positivos no horizonte: dados mais recentes do Banco Central mostram que a inadimplência da carteira de créditos dos bancos vem caindo desde abril, quando bateu 3,28%, superando a máxima em dois anos. Em agosto, o percentual de inadimplência das carteiras estava em 2,65%, menos que os 3,04% do mesmo período do ano passado. O percentual das provisões em relação às carteiras de crédito dos bancos privados também caiu de 9% em maio para 8,7% em agosto.

Esse foi um dos fatores que levaram a Exame Research a colocar representantes do setor financeiro entre as ações recomendadas de outubro. Caso os calotes continuem a se revelar menores que as provisões, estas poderão aparecer nos balanços dos próximos trimestres em forma de lucro. Mas, ainda que veja oportunidades no setor devido aos preços das ações em patamares mais baixo, Bruno Lima, analista da casa, não acredita que as conversões das provisões em lucro serão realizadas tão cedo. “A verdadeira inadimplência só deve aparecer no ano que vem, dado que muitos créditos foram renegociados”, afirma.

No longo prazo, o desafio dos bancos deve ser ainda mais complexo, com fintechs e bancos digitais ganhando musculatura em meio a um aumento da concorrência estimulado pelo Banco Central. Segundo dados do relatório do banco suíço UBS, o Itaú, líder do segmento de cartão de crédito (com 31% de market share), tem sido o mais afetado pela expansão do Nubank, que tem nesse serviço um dos seus carros-chefe.

Apesar da turbulência do primeiro semestre do ano, o Nubank aumentou em 51% o volume de transações de seu serviço de cartões de crédito na comparação anual, enquanto os três principais bancos privados desse segmento (Itaú, Santander e Bradesco) tiveram queda média de 6%. Com o crescimento, o Nubank encerrou junho com 5,1% do mercado de cartões de crédito do país e com 26 milhões de clientes -- 6,3 milhões a mais que no semestre anterior.

“A concorrência entre os bancões não faz tanto barulho quanto a deles com as fintechs. Isso porque elas podem revolucionar esse setor. Se perguntassem há cinco anos o quão fácil seria abrir uma conta com custo zero e com cartão de crédito sem custo, ninguém imaginaria o quão simples isso se tornaria”, afirma Henrique Esteter, analista da Guide Investimentos.

Por outro lado, Esteter reforça que, pelo menos até agora, os grandes bancos levam vantagem na quantidade de produtos que oferecem, que vão de conta corrente e empréstimos até seguros para a casa. “Isso permite que eles façam cross-selling com quatro ou cinco produtos. Ainda dá para cobrar por muitos serviços que só eles oferecem”, avalia.

Rodrigo Moliterno, sócio e diretor de renda variável da Veedha Investimentos, diz que, embora mais lentos devido ao tamanho, os grandes bancos pode amenizar o ambiente concorrencial, em última hipótese, na forma mais agressiva possível: com a compra das fintechs. “Esse mercado de fintechs vem fazendo os próprios bancos reforçarem a parte digital para participar da expansão tecnológica e perder menos. Mas pode ser que elas se tornem sócias dos bancos, como o Itaú fez com a XP, dado que estava perdendo clientes”, comenta.

Mas, além de estarem a alguns passos da tecnologia das fintechs, os grandes bancos ainda levam a desvantagem de ter estruturas físicas e de funcionários robustas, que engessam parte do orçamento com salários e manutenções. É um quadro que vem sendo alterado apenas de forma gradual. Do fim de 2016 até agosto deste ano, o número de agências bancárias dos quatro principais bancos caiu 19,7%, enquanto a quantidade total de agências teve queda de 14,4%, segundo dados do Banco Central.

Nessa corrida para fechar as postas, o Bradesco tomou a frente, pondo fim a cerca de um quarto de suas agências entre 2016 e agosto de 2020. Já o Santander, que tem o menor número de agências entre os quatro, fez movimento contrário, aumentando em 4,1% o número de agências.

A redução das agências acontece em paralelo com os investimentos em digitalização. No segundo trimestre, o Itaú ampliou as contratações de profissionais da área de tecnologia da informação, totalizando 1.448 funcionários, segundo relatório do UBS. O Bradesco, que já teve 50 milhões de downloads do seu aplicativo no Google Play, o maior número entre bancos da América Latina, conseguiu aumentar de 20% para 25% o volume de empréstimos contratados por canais digitais entre o segundo trimestre de 2019 e o de 2020.

“Os grandes bancos estão chegando muito mais longe com a digitalização e usando cada vez menos agências. Eles estão aprendendo a concorrer com as fintechs, ainda que elas sejam mais ágeis. Quanto mais digitalizado é um banco, ele precisará de menos funcionários e terá menores custos com manutenção”, comenta Moliterno.

Embora os grandes bancos tenham acelerado o ritmo de fechamento de agências, o mercado não acredita que eles vão se equiparar ao modelo totalmente remoto de bancos digitais e fintechs. “Acho muito difícil eles se tornarem totalmente digitais, mas muito provável que o número de agências diminua mais”, diz Lima. Já Esteter alerta que a organização de funcionários, com sindicatos fortes, pode ser um entrave nesse processo. “É um peso adicional. É uma estrutura grande que torna qualquer movimento mais difícil.”

São dificuldades que podem continuar a jogar contra a recuperação das ações dos grandes bancos na bolsa.

 

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