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"O Brasil deveria ser um país permanentemente reformador", diz Ana Paula Vescovi

Economista-chefe do Santander afirma em entrevista ao Vozes do Mercado que o Brasil ainda pode se diferenciar por vantagens em commodities, mas precisa encarar o antigo problema fiscal

Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander: "O Brasil, com suas características e dilemas sociais que tem e de crescimento, deveria ser um país permanentemente reformador" (Leandro Fonseca/Exame)

Publicado em 9 de novembro de 2024 às 14h43.

Última atualização em 9 de novembro de 2024 às 14h49.

Ana Paula Vescovi é uma das economistas mais influentes do Brasil, com uma carreira marcada por atuações decisivas no setor público e no mercado financeiro. Ex-secretária do Tesouro Nacional e ex-secretária executiva do Ministério da Fazenda, Vescovi também foi presidente do Conselho de Administração da Caixa Econômica Federal, onde conduziu mudanças estruturais que fortaleceram a governança da instituição.

Hoje, como economista-chefe do Santander Brasil, Vescovi traz sua experiência do setor público para as análises sobre a economia nacional e defende que o país deve adotar uma agenda de reformas constantes para lidar com suas fragilidades econômicas e desafios fiscais. "O Brasil, com suas características e dilemas sociais que tem e de crescimento, deveria ser um país permanentemente reformador. Tem várias para fazer o tempo inteiro." Para Vescovi, a implementação de reformas contínuas é essencial não apenas para equilibrar as contas públicas, mas também para evitar que o Brasil caia na “armadilha da renda média,” perdendo a oportunidade de ter um crescimento sustentável e se diferenciar no cenário global.

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"O Brasil deveria ter uma premência em se diferenciar. Se a gente não se diferenciar, se não inovar na pauta de política econômica, de política pública, de construção de instituições e de abordagem institucional a gente talvez perca a oportunidade de sair dessa armadilha da renda média. Temos uma oportunidade concreta", afirma Ana Paula Vescovi em entrevista ao programa Vozes do Mercado, da Exame.

As vantagens comparativas do Brasil, aponta Vescovi, estão especialmente em commodities de energia, minerais e, sobretudo, na agropecuária.

"Se a produtividade geral da economia brasileira está estagnada nas últimas três décadas, a produtividade do setor agropecuário cresceu 3% ao ano. O rendimento médio do setor agro está muito próximo do rendimento médio do setor de serviços. Temos que observar que estamos produzindo commodities, que serão escassas no mundo daqui a 20 anos, enquanto os industrializados, pelo padrão de tecnologia que já existe hoje, provavelmente terão uma produção com custo muito mais baixo."

Dada essa perspectiva, a economista reforça que seria importante o Brasil, junto com o Mercosul, chegar a um acordo com a União Europeia para potencializar suas vantagens comparativas em setores estratégicos. Segundo ela, existem sinergias importantes entre as duas regiões, com a possibilidade de o Mercosul oferecer à Europa acesso a recursos naturais e energia limpa, enquanto a União Europeia poderia fornecer ao bloco sul-americano produtos e serviços de alta tecnologia, resultando em benefícios econômicos e sociais para ambos os lados.

Mas para conseguir aproveitar o que tem de melhor, Vescovi avalia que o Brasil precisa arrumar a casa, fortalecer as instituições e, urgentemente, reduzir as incertezas fiscais. "Não tem como criar uma agenda nova tendo uma agenda velha para tratar, que é o desequilíbrio das contas públicas." Ela destaca que o país precisa enfrentar o desafio dos gastos obrigatórios, que comprometem grande parte do orçamento, e criar um ambiente econômico mais previsível, que permita reduzir o custo da dívida pública e atrair investimentos.

O fator fiscal

"A dívida pública está crescente há mais de 10 anos, com interrupções temporárias por choques inflacionários. Agora, essa dívida volta a subir - e deve subir 2 pontos percentuais em relação ao PIB nessa atual administração. Nossa estimativa é de que ela vai chegar no final de 2026 perto de 84%, que é alta para um país emergente e o custo de rolagem está ficando caro por essa percepção de risco no desequilíbrio das contas públicas", diz Vescovi.

A economista avalia que, desde a pandemia, o juro de equilíbrio da economia brasileira cresceu 200 bps para 5%. Ela observa que essa elevação cria um descompasso significativo entre o custo da dívida e o crescimento potencial do país, o que impõe desafios adicionais para estabilizar o endividamento. Segundo Vescovi, estabilizar a dívida requer um superávit primário robusto e consistente para cobrir o diferencial entre o juro de equilíbrio e o crescimento econômico. "Os investidores estão exigindo uma remuneração maior dada a percepção de risco sobre a dívida, que só cresce. Isso reflete nas taxas de juros, que financiam a dívida pública."

Para controlar a dívida, a economista do Santander defende que é necessário ajustar os gastos obrigatórios, como em saúde e educação. "Estamos falando de tirar a rigidez do orçamento público. É um orçamento que está totalmente tomado ou por grupos de pressão ou por temas que não são objeto de decisão de quem decide política pública, porque andam sozinhos, são indexados. Crescem como unha e cabelo."

As discussões sobre alterações em gastos obrigatórios estão nas mesas de discussão do Ministério da Fazenda, que, diante da deterioração das perspectivas fiscais, planeja apresentar em breve um pacote de corte de gastos. "Vamos ver como será a reação inicial [ao pacote]. O importante é quebrarmos essa zona de incerteza que vem de uma percepção de uma dívida pública que não será sustentada nessa intensidade de crescimento."

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