Howard Marks: 'Estamos no início de um ciclo de alta da economia'
Para o investidor americano, cofundador da Oaktree Capital, o mercado de ações está à frente de si mesmo, mas economia vai ter recuperação gradual
Marília Almeida
Publicado em 23 de novembro de 2021 às 20h18.
Última atualização em 24 de novembro de 2021 às 12h31.
Para o lendário investidor americano Howard Marks, 75 anos, o mundo está apenas no início de um ciclo de recuperação gradual da economia, que irá durar vários anos. "O mercado de ações está à frente de si mesmo. A notícia ruim é que a economia não está", afirmou em live realizada nesta terça-feira, 23, pelo Itaú Personnalité.
Cofundador e presidente da Oaktree Capital, que tem 150 bilhões de dólares sob gestão, Marks é autor de best sellers como "O Mais Importante para o Investidor" e "Dominando Ciclos do Mercado" e tem mais de 50 anos de atuação no mercado.
A Oaktree foi fundada há 27 anos e se define como uma empresa de gestão de fundos global alternativa focada principalmente em crédito, além de títulos e ações tradicionais. A gestora se concentra em operações de crédito estruturado, fundos imobiliários, private equity e operações de infraestrutura.
Veja a seguir os principais pontos de análise de Marks, por tópicos:
Em que ponto do ciclo econômico estamos?
Questionado na live sobre em que ponto do ciclo econômico estamos, Marks disse que em 2020 não houve um ciclo permeado por excessos e correções, mas, sim, por um fator exógeno à economia, que foi a pandemia e a consequente recessão. "Não foi evento cíclico."
Portanto, para ele, o lockdown limitou a economia, a tal ponto que no segundo trimestre do ano passado foi registrada a maior queda do PIB mundial da história. "Como consequência, o banco central [o Federal Reserve] e o Tesouro americano vieram resgatar a economia e, no terceiro trimestre de 2020, tivemos um aumento do PIB. Mas isso não ocorreu naturalmente: foi causado por autoridades."
Desde então, Marks aponta que a maioria dos mercados no mundo vem se recuperando. "Normalmente mercado e economia andam juntos. Mas o mercado de ações americano subiu em março de 2020 e continuou subindo antes de a economia se recuperar porque tinha fé em que o banco central e o Tesouro iriam resolver o problema. Hoje, o nível é mais do que o dobro dos últimos 20 meses. A economia teve trimestres bons neste ano, mas a partir de agora vai ter uma recuperação gradual, que pode durar vários anos", afirmou.
Portanto, para ele, o mundo está no início de um ciclo de alta de vários anos. "O mercado de ações está à frente de si mesmo com base em números históricos. A notícia ruim é que a economia está mais ou menos."
Perspectivas para a inflação
Para Marks, o que o Fed fez em 2020 foi essencial. Sem isso, aponta, haveria uma depressão global. "O que fez tem ramificações negativas, como a inflação? Tem. Mas não a ponto de que não deveriam ter feito o que fizeram."
Questionado sobre os efeitos da inflação e de perspectivas, ele responde que a alta de preços é misteriosa. "Nada em investimentos e na economia é mecânico: liga a luz e acontece. Ninguém esta totalmente certo sobre o por quê da inflação. Se observarmos a última década, antes da crise econômica mundial, tivemos juros bem baixos, déficit crescente no orçamento federal, situações supostamente inflacionárias, e não havia inflação. E agora temos."
O Fed e o Tesouro injetaram 10 trilhões na economia americana em um ano e meio. A inflação seria teoricamente limitada se causada por essa injeção de capital. Mas muitos fatores pesam ainda na conta, segundo o megainvestidor. "2020 foi o melhor ano de renda pessoal nos Estados Unidos em 20 anos. As pessoas não puderam gastar, sair de férias, se casar, ir a um show durante um ano e meio. Esse dinheiro ficou no banco. Quando a vacina chegou, havia uma demanda reprimida."
Gargalos na cadeia de suprimentos acabaram por tornar o cenário explosivo, diz Marks. "Foi muito difícil reiniciar a economia após um fechamento por diversos meses com uma demanda reprimida. Podemos comparar a um carro que não andou, ficou problemático e suas peças ficaram indisponíveis. A economia não consegue produzir tanto como conseguia há dois anos. Há demanda maior, menos oferta, porque muitos bens não conseguem ser produzidos, e há inflação", resumiu.
Mas como o governo não vai continuar distribuindo dinheiro na mesma medida que durante a pandemia, na medida em que os problemas na cadeia de suprimentos global forem resolvidos, a economia voltará a andar, defendeu. "Fundamentalmente, a economia pouco mudou em relação ao que era há dois anos. Talvez seu desempenho ficou diferente por causa de demissões. Portanto esses fatores, que respondem pela maior parte da inflação, são transitórios."
Contudo Marks pontua que existem fatores com implicações no longo prazo. "Como há menos pessoas trabalhando, os funcionários podem demandar um salário maior e têm maior poder de barganha. E isso é inflacionário, porque depois que altos níveis de salários são atingidos, eles não voltam. Podem diminuir, mas não voltam ao que eram antes."
Em geral, as expectativas sobre a inflação estão elevadas, o que apenas prolonga o ciclo de pressão sobre os preços. "Nos Estados Unidos, quando dizemos que a inflação vai aumentar, a população sai comprando tudo e fazendo estoque antes que a crise chegue. Mas esse comportamento é inflacionário."
Por fim, Marks acredita que a previsão é que haja inflação como havia há dois anos, e não nos níveis de hoje -- são os mais altos em 30 anos. "Acho que vamos ficar no meio do caminho. Mas ninguém sabe na verdade."
Há uma bolha no mercado?
A grande quantidade de capital em circulação e as baixas taxas de juros, bem como a segurança trazida pela ação do Fed e do Tesouro americano, elevaram os preços dos ativos, na visão de Marks. Os juros, aponta, são a principal causa.
"Quanto mais baixas as taxas de juros, mais caros são os ativos. Mas qual é a opção? O dinheiro precisa ser aplicado em algum lugar. Empresas de seguro, por exemplo, não têm a opção de não investir. Melhor investir logo do que ficar com rendimento zero. E se for para fora, em algum momento tem de entrar de novo. São duas decisões e difíceis de tomar."
Portanto, aconselhou, o mais importante é investir com cuidado para o longo prazo, por décadas, sem tomar muito risco. "Para isso, é necessário usar dinheiro de que não se irá precisar. Senão o risco de estragar tudo no meio do caminho é grande."
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No longo prazo, a economia progride, empresas crescem e títulos se valorizam, resumiu Howard Marks. "Quem fica tirando e colocando [recursos em ativos] perde os melhores fundos e os melhores anos. Pode sair de algo que foi bem e entrar em algo que está subindo? Sim. Mas isso está bem longe de ser algo fácil. Tem muita gente inteligente fazendo isso. É como um jogo de futebol contra todos no mundo. Todos estão querendo ter resultados superiores. Mas isso, por definição, não é possível acontecer. A maioria das pessoas deve enfatizar a relatividade em detrimento do absoluto e perguntar: mas quanto você investiu? Comparar é algo bem errado na natureza humana, é uma força negativa".
Forçadas a economizar na pandemia, muitas pessoas passaram a investir e estão dispostas a assumir riscos para ter retorno maiores, explica. "Mas eu gostava de quando as pessoas tinham respeito pelo risco. Isso mantinha o mercado são. Quando as pessoas deixam de se preocupar com o risco, ficam com medo de ficar de fora (FOMO, na sigla em inglês), se esquecem do medo de perder dinheiro. Tem de ter equilíbrio saudável. Nesse ambiente, os preços tendem a subir e fica difícil achar barganhas".
Marks acredita que a economia terá um soluço. "Algumas pessoas vão perder dinheiro, vão voltar a se preocupar e as coisas vão voltar a 90% do que eram antes". Por isso, nesse cenário, a melhor estratégia é não inventar muito e ser paciente. Alguém que tenha 25 anos, e seu portfólio cresça a 7% ao ano, irá duplicar a cada 10 anos. Caso invista por 50 anos, o dinheiro crescerá cinco vezes, pressupondo que tenha vida longa e próspera e não tire o dinheiro dali, diz Marks. "E 7% não é uma exposição ao risco tão alta. Einstein, que era bem esperto, disse que os juros compostos foram a maior invenção do homem".