Gestora vê rali global com dias contados e aumenta posição em Brasil
Em entrevista à EXAME Invest, CIO da Kínitro diz que quedas no mercado local foram exageradas e que possibilidade de terceira via na eleição está mal precificada
Guilherme Guilherme
Publicado em 27 de novembro de 2021 às 07h30.
Última atualização em 27 de novembro de 2021 às 09h10.
Com o pior desempenho entre os principais mercados do mundo, o Ibovespa acumula perda de 14,1% neste ano, enquanto bolsas americanas e europeias seguem próximas de níveis recordes. Mas, para Carlos Carvalho, CIO (head de investimentos) e co-fundador da gestora Kínitro, o rali global de ações pode estar perto do fim.
"O mundo pode estar nos últimos estágios do rali global proporcionado pelo excesso de liquidez e o Brasil simplesmente descolou do mundo", afirmou Carvalho em entrevista à EXAME Invest.
Mas, apesar das incertezas fiscais e políticas do país e da escalada da inflação, com reflexo nos juros, o diretor de investimentos da Kínitro acredita que o pior já possa ter passado para o mercado local. Segundo ele, o desconto sobre os ativos é tamanho que já está "longe da realidade". "Aesta altura, os preços já aturaram muito desaforo."
A Kínitro é uma nova gestora que nasceu há poucos meses a partir da Saga Capital, na qual Carvalho era também o CIO. A casa tem cerca de 1,3 bilhão de reais em ativos sob gestão, de investidores que vieram em boa parte da Saga.
Um dos motivos para voltar a apostar em Brasil é a chance de uma terceira via surpreender nas eleições presidenciais do ano que vem, algo que, para Carvalho, "estámal precificado pelo mercado". Segundo ele, o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, que acaba de reaparecer no jogo político de olho em 2022, pode ser um "excelente nome".
Na bolsa brasileira, a nova gestora tem buscado algumas das ações que mais apanharam em termos de preços, mas, devido ao cenário ainda turbulento, tem concentrado o foco em "empesas de qualidade". "Em um ambiente mais difícil, elas podem se beneficiar por ter maior porte e até abocanhar concorrentes."
Confira a entrevista com Carlos Carvalho, CIO e cofundador da Kínitro.
Bolsas internacionais estão quebrando sucessivos recordes, enquanto o Ibovespa acumula queda de mais de 10% no ano. O rali global deve continuar em 2022?
O ano de 2022 tende a ser mais desafiador do ponto de vista externo, com a retirada de estímulos de bancos centrais desenvolvidos e pressões inflacionárias oriundas da cadeia de suprimento. Existe a expectativa de haver um aperto monetário depois de praticamente uma década de condições de liquidez bem frouxas. Outro risco é a onda de pandemia em países que não têm índices de vacinação tão elevados.
O que mais incomoda é que podemos estar nos últimos estágios do rali global proporcionado pelo excesso de liquidez e o Brasil simplesmente descolou do mundo e não está aproveitando o momento. Mesmo países que têm ambiente econômico tão frágil ou até mais que o Brasil, como a África do Sul, estão nos outperformando.
É um ambiente muito volátil, em que as perspectivas mudam rapidamente, fruto do nosso ambiente político e, lá fora, da mudança de regime monetário. Tivemos liquidez muito intensa desde a crise de 2008 e retirá-la não é um processo suave.
Parte disso se deve à mudança na regra do teto de gastos para incluir o Auxílio Brasil no Orçamento?
Existe o interesse humanitário em ter o programa Auxílio Brasil. Mas esses 100 reais [de aumento por família do programa] foram os mais caros que o Brasil já viu. O sinal de ruptura do bastião fiscal que era teto de gastos repercutiu muito mal entre investidores locais e estrangeiros. Mas não era para ter o reflexo que está tendo.
Mesmo atitudes como o rompimento do teto de gastos não justificam os preços dos ativos, seja em juros, câmbio ou bolsa, que estão longe da realidade. Existe um nervosismo enorme sobre o que será feito nos próximos 11 meses até a eleição. Mas grande parte desse receio já está no preço.
O senhor disse estar mais pessimista com a inflação global. No Brasil, a alta de preços deve continuar acelerando?
Desde o início do ano, estamos com uma visão bastante negativa para a inflação global, que deve ser mais persistente do que a esperada. No Brasil, o IPCA de 2022 está rumando para o teto da banda, o que é algo bem negativo, mas ainda menos que no cenário internacional. Isso porque, apesar de carregar inércia inflacionária para 2022, a inflação está bastante difundida e nos próximos meses pode chegar ao pico. Mas ainda é um problema.
Como a Kínitro tem se posicionado para aproveitar a disparada da inflação?
Temos alguma posição em inflação implícita no Brasil e temos carregado ao longo do ano posição apostando na alta de juros nos Estados Unidos.
A expectativa é de duas altas de juros nos Estados Unidos em 2022?
O mercado precifica duas altas no ano que vem e temos a mesma visão. Existia a expectativa de a redução da compra ativos durar até o final do primeiro semestre, mas pode terminar antes. Com essa questão inflacionária, talvez os bancos centrais sejam mais agressivos.
Na bolsa brasileira, como a Kínitro tem se posicionado?
Tínhamos uma mais carteira defensiva em ações brasileiras, mas começamos a nos posicionar na ponta contrária, dado que a precificação dos ativos foi, de certa forma, exagerada.
Então, estamos lentamente aumentando a posição, pois a assimetria já é favorável. Não estamos carregados de Brasil, mas temos alguma coisa. Há um desânimo enorme no mercado, então é a hora de colocar nossas fichas.
Temos concentrado em consumo e em algumas ações que foram extremamente penalizadas [nos últimos meses]. Nosso foco tem sido empresas de mais qualidade, que, em um ambiente mais difícil, podem se beneficiar por ter maior porte e até abocanhar concorrentes.
Também temos Petrobras (PETR3/PETR4). A ação está extremamente descontada em relação aos pares, inclusive às russas, que são mal vistas em termos de governança. É um fato inédito. Se continuar com a mesma geração de caixa, teremos 20% do valor da ação em dividendos para os próximos 12 meses. Com a taxa de juros de 10% no Brasil, o carrego nos parece positivo.
A essa altura, os preços [dos ativos brasileiros] já aturaram muito desaforo. No que achamos que o mercado exagerou, estamos lentamente colocando para dentro da carteira.
Também vemos a possibilidade de uma terceira via nas eleições como algo mal precificado pelo mercado e, também por isso, estamos aumentando a exposição em Brasil.
O nome daterceira viadeve vir das prévias do PSDB ou ser encabeçado pelo ex-ministro Sergio Moro?
O mais importante é ter uma união na terceira via. Em apenas uma semana desde que anunciou a candidatura, Moro já tem 11% de intenção de voto [na pesquisa da Ponteio Política]. É um excelente nome e, apesar de ainda ser cedo, pode se credenciar como a terceira via. Precisa de um nome forte para quebrar a polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva . Sem dúvida, os dois nomes não são os prediletos do mercado.