É o fim da festa dos IPOs?
O empresário paulista Alexandre Silva, de 34 anos, assim como milhares de investidores brasileiros, já foi um entusiasta das aberturas de capital na bolsa. Em 2007, ano em que 64 empresas estrearam no mercado, ele participou de praticamente todos os IPOs, estratégia que o ajudou a obter uma rentabilidade de 80% naquele ano. Em 2009, […]
Da Redação
Publicado em 3 de maio de 2010 às 10h24.
O empresário paulista Alexandre Silva, de 34 anos, assim como milhares de investidores brasileiros, já foi um entusiasta das aberturas de capital na bolsa. Em 2007, ano em que 64 empresas estrearam no mercado, ele participou de praticamente todos os IPOs, estratégia que o ajudou a obter uma rentabilidade de 80% naquele ano. Em 2009, porém, a experiência foi bastante diferente: após participar da abertura de capital da empresa de tecnologia Tivit, ocorrida em setembro, Silva viu as ações caírem desde o primeiro dia de pregão. Sem conseguir enxergar alternativa, resolveu se desfazer dos papéis quando o prejuízo chegou a 14%. No lançamento de ações do Santander, em outubro, a história se repetiu - Silva vendeu parte dos papéis quando contabilizou uma perda de 6%. "Agora só acompanho os IPOs como quem assiste a um clássico de futebol na televisão", diz. "Não quero mais entrar em jogo porque tenho medo de perder de novo."
O relato do investidor paulista ilustra um fenômeno amplo, que envolve aplicadores comuns e também gigantes institucionais, como os fundos de pensão. Estão todos bem mais cautelosos ao aplicar nas novatas do mer cado. Com a demanda em queda, o valor de lançamento das ações não resistiu. Dos 13 IPOs ocorridos desde 2008, sete tiveram preço inferior ao estipulado pelas empresas. Em 2007, quando o céu parecia ser o limite do Ibovespa, apenas 22% dos papéis estreantes ficaram abaixo do preço pretendido. "Os IPOs estavam saindo por quantias fora da realidade e muita gente sentiu isso no bolso. Agora, esses investidores estão escaldados", diz Fábio Moser, diretor de investimentos da Previ, o maior fundo de pensão do país.
O mercado de ações é, por definição, uma atividade de risco, como comprovou o tombo de 2008. Mas o que tem afugentado parte dos investidores é a percepção de altíssimo risco dos IPOs - uma impressão embasada pelo histórico ruim mencionado por Moser. Mais de dois terços das empresas que abriram o capital desde 2004 acumulam rentabilidade inferior à do Índice Bovespa. Metade delas atualmente vale menos do que no dia de lançamento.
Hoje, para conquistar os aplicadores é preciso ter um figurino rígido. É necessário lançar ações com preços que pareçam realistas aos olhos dos investidores. É decisivo ser uma companhia de grande porte, capaz de realizar ofertas pelo menos próximas a 1 bilhão de reais. E, acima de tudo, é fundamental ter uma história de sucesso para contar. Dos nove IPOs realizados na bolsa brasileira nos últimos 12 meses, apenas um - o da Direcional Engenharia, do setor de construção civil - teve captação inferior a 500 milhões de reais. A consequência natural da nova realidade foi a redução do número de aberturas. Em 2007, foram 64, o que deu a média de mais de uma por semana. Em 2009, foram apenas seis. Para 2010, espera-se um ano mais movimentado - três empresas já abriram o capital e outras oito registraram o pedido de IPO na CVM, órgão que fiscaliza o mercado de capitais.
A predileção dos investidores por empresas maiores não está acontecendo apenas no Brasil. Entre janeiro e novembro de 2009 foram realizados 459 IPOs no mundo - quase 40% menos do que no mesmo período de 2008. O total de recursos levantado nessas operações, porém, foi de 95 bilhões de dólares, praticamente o mesmo valor de 2008, aponta um estudo da consultoria Ernst&Young. Por que essa obsessão planetária por ofertas gigantes? Na visão dos investidores, tamanho se tornou um item básico de segurança. Durante a fase mais aguda da crise, em 2008, milhares de aplicadores em várias partes do mundo queriam vender seus papéis, ainda que com enormes prejuízos, mas nem sempre encontravam compradores. O problema aconteceu principalmente com as ações de empresas que fizeram ofertas pequenas. "Tamanho se tornou um fator crucial em todos os mercados do mundo", diz Nick Chamie, economista-chefe para mercados emergentes do banco RBC Capital Markets, de Toronto, no Canadá.
O fato de os investidores estarem mais exigentes não é necessariamente ruim. A maioria dos especialistas concorda que 2007 foi um ano de exagero na bolsa brasileira. Na época, a demanda era tão grande que as companhias não conseguiam atender todos os pedidos. Na oferta da rede de ensino Anhanguera, em março de 2007, nenhum investidor que não trabalhasse na empresa conseguiu aplicar mais de 3 000 reais. "Cheguei a ouvir clientes que queriam participar de IPOs sem saber nem mesmo de qual empresa se tratava", diz Marcus Eduardo de Rosa, diretor da corretora paulista Planner. Era como se IPO fosse sinônimo de lucro. Ora, não se pode nunca esquecer que, ao comprar ações, o investidor se torna sócio da empresa. Só faz sentido se ligar a uma companhia que tenha perspectivas futuras.
Outra lição aprendida pelos investidores foi que é preciso analisar friamente as empresas amparadas por fundos de private equity. No Brasil e no exterior, existe a crença de que companhias que receberam um sócio capitalista têm mais chance de se valorizar depois da abertura de capital. Essa percepção, porém, não foi suficiente para colocar a International Meal Company, holding brasileira do setor de alimentos criada pelo fundo de private equity Advent, entre as empresas listadas na BM&F Bovespa. No fim de 2009, a companhia percorreu quase todo o processo para realizar a abertura de capital - mas esbarrou na fraca demanda dos investidores. "O mercado estava disposto a pagar um preço que não nos interessava e, por isso, cancelamos a oferta", diz Patrice Etlin, responsável pelos negócios do Advent no Brasil. Se insistisse em fazer o IPO, a empresa seria obrigada a aceitar um desconto de cerca de 20% no preço desejado para o lançamento. O fundo de private equity GP, que já foi sinônimo de IPOs bem-sucedidos, foi adiante com a ideia de abrir o capital da BR Properties, companhia do setor imobiliário. Lançadas em março, as ações acabaram saindo por um valor 7% inferior ao do piso sugerido e encerraram o dia de estreia com queda de 2,3%. Para o investidor final, o histórico mostra que o retorno dos IPOs de empresas que receberam recursos de capital de risco é melhor que o das outras empresas - mas, em ambos os casos, a rentabilidade perde para o Ibovespa. Segundo um levantamento do Centro de Estudos em Private Equity e Venture Capital da Fundação Getulio Vargas, o desempenho médio anual dos lançamentos de ações apoiados por fundos de private equity é 6,6% inferior ao do Ibovespa - enquanto as outras ofertas rendem 13,3% abaixo do Índice. No caso das operações promovidas pela GP, apenas dois dos sete IPOs avaliados pelo estudo superaram a rentabilidade do Ibovespa.
Diante do vigor da recuperação da bolsa brasileira no ano passado, o conservadorismo com os IPOs pode parecer surpreendente. "Quando as empresas olham o mercado de longe, veem um gramado verdinho. Quando pisam nele, sentem um terreno pantanoso", diz Alexandre Saigh, diretor da área de private equity do Pátria Investimentos. Para os fundos e as companhias, esse novo comportamento dos aplicadores é uma barreira na hora de captar recursos. Para o mercado de modo geral, a cautela é um sinal de maturidade. A festa não acabou. O que diminuiu foi o nível de embriaguez e de euforia irracional.