Dilma terá que mudar cenário da política fiscal para equipe de Meirelles manter a Selic (John Gichigi/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 1 de novembro de 2010 às 06h59.
Brasília - As apostas no mercado de juros futuros indicam que a presidente eleita, Dilma Rousseff, não vai conseguir diminuir o déficit público o suficiente para poder reduzir a taxa Selic.
A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro de janeiro de 2015, um mês após o fim do mandato de Dilma, era de 11,64 por cento na sexta-feira. Esse nível indica que operadores preveem que o Banco Central vai aumentar o juro básico quase em um ponto percentual nos próximos quatro anos, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.
O Brasil está “caindo numa combinação de política fiscal relaxada e aperto monetário. Eles precisam exatamente do oposto”, disse Ricardo Hausmann, professor da Universidade de Harvard, que foi ministro do planejamento da Venezuela em 1992 e 1993 e economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento em Washington. “Eles têm um pé no acelerador e outro no freio”.
Dilma, 62, venceu as eleições com 56 por cento dos votos válidos, contra 44 por cento de José Serra do Partido da Social Democracia Brasileira.
A presidente eleita prometeu reduzir a dívida pública líquida, atualmente em 41,4 por cento do Produto Interno Bruto, sem explicar como pretende controlar os gastos do governo. As despesas subiram 18,2 por cento em julho em relação ao mesmo mês de 2009, mais do dobro da taxa de expansão anual do PIB no segundo trimestre, que foi de 8,8 por cento.
Dilma disse que sua meta “fundamental” é a erradicação da pobreza e que não aceitará corte no orçamento de programas sociais e investimentos necessários para o bem do País.
“O povo brasileiro não aceita que governos gastem acima do que seja sustentável, por isso faremos todos esforços pela melhoria do gasto público, simplificação e atenuação da tributação”, disse ela em discurso após sua vitória.
Copa e Olimpíada
Cortar gastos não será fácil em meio às preparações para o País sediar a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. Dilma também prometeu durante a campanha melhorar as condições de estradas e portos, que foram considerados “chocantes” em um estudo sobre a competitividade mundial feito pelo Fórum Econômico Mundial em Genebra este ano.
“A menos que os investimentos em infraestrutura sejam realmente acelerados e priorizados, vamos bater contra uma parede dentro de dois ou três anos”, disse Fernando Gentil, diretor da Darby Overseas Investments Ltd. no Brasil, que já investiu cerca de US$ 400 milhões no País.
O custo para que investidores se protejam por cinco anos contra um calote na dívida brasileira por meio dos contratos de credit-default swaps, ou CDS, subiu 0,73 ponto-base para 100xxx, de acordo com dados da CMA DataVision. Os contratos de CDS funcionam como um seguro contra calote.
Já o prêmio que investidores exigem para deter títulos da dívida soberana brasileira em vez de títulos do Tesouro americano subiu 2 pontos-base na sexta-feira para 175, segundo o JPMorgan Chase & Co.
Disparada cambial
Diferente de Lula, que assumiu a presidência em 2003 em meio a uma crise cambial, Dilma terá que conter a valorização de 31 por cento do real desde 2009. A apreciação prejudica exportadores e gerou um déficit recorde de US$ 47,3 bilhões na conta corrente nos 12 meses até setembro.
A redução no juro básico americano para um nível próximo a zero ajudou a derrubar a taxa de câmbio para R$ 1,6442 em 14 de outubro, o menor nível desde setembro de 2008, por conta da busca por rendimento mais alto nos mercados emergentes. O dólar fechou em baixa de 0,3 por cento na sexta-feira, a R$ 1,6991.
Para segurar a valorização do real, Dilma terá que baixar o déficit público, o que permitiria redução de juros pelo BC, disse Hausmann. Isso reduziria o fluxo de capital estrangeiro para o País e limitaria a valorização da moeda, que prejudica a indústria, disse ele. A produção industrial surpreendeu com uma queda de 0,08 por cento em agosto, depois de ter caído em três dos quatro meses anteriores.
Déficit e crescimento
O déficit público consolidado subiu para 3,38 por cento do PIB nos 12 meses até agosto, contra 1,76 por cento antes da falência do Lehman Brothers Holdings Inc. em setembro de 2008. O déficit acumulado de janeiro a agosto se manteve acima de 3 por cento do PIB, mesmo depois da recuperação econômica ter elevado a arrecadação em 20,49 por cento em agosto na comparação anual.
Na reunião realizada em 19 e 20 de outubro, o Comitê de Política Monetária do BC manteve a Selic em 10,75 por cento pela segunda vez consecutiva. O BC elevou a taxa entre abril e julho para frear o aquecimento da economia. A Selic estava na mínima histórica de 8,75 por cento no início do ano.
Janela de oportunidade
O Copom deve retomar a alta do juro em abril e a Selic deve chegar a 11,75 por cento até junho, segundo a última pesquisa do BC com cerca de 100 economistas publicada em 25 de outubro. Para o PIB, os economistas preveem expansão de 7,55 por cento este ano, que seria o ritmo mais forte desde 1985, e uma desaceleração para 4,5 por cento em 2011.
O crescimento do PIB dará ao próximo governo mais liberdade de ação, Carlos Langoni, ex-presidente do BC e diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro, disse em entrevista antes da votação do segundo turno.
“Há uma janela de oportunidade que espero que o vencedor aproveite para reduzir o déficit”, disse ele. “O novo governo tem mais tempo para se mover, há mais ar para respirar do que outros governos que tiveram que enfrentar crises severas. É completamente diferente de Lula em 2003”.