Capital de risco para unicórnios da América Latina evapora
A desaceleração acompanha uma queda global nos gastos de capital de risco, que podem registrar a maior queda em mais de duas décadas
Bloomberg
Publicado em 20 de dezembro de 2022 às 13h38.
O dilúvio de capital de risco que caiu sobre empresas de tecnologia latino-americanas em estágio avançado nos últimos anos secou, o que obrigou algumas das startups mais promissoras da região a demitir funcionários, repensar planos de crescimento e recorrer a empréstimos bancários para obter financiamento.
Depois de uma série de anos recordes em que investidores criaram mais de 24 empresas avaliadas em US$ 1 bilhão ou acima disso, o capital de risco praticamente desapareceu para startups mais estabelecidas. O financiamento para companhias em estágio avançado despencou 92% no terceiro trimestre em comparação com o mesmo período do ano anterior, de acordo com a Associação para Investimento de Capital Privado na América Latina (LAVCA, na sigla em inglês).
“Não vejo uma rodada de crescimento de uma única empresa da América Latina há meses”, disse Eric Reiner, fundador e diretor-gerente da Vine Ventures, que abriu um fundo de US$ 140 milhões este ano para investimentos na América Latina, Israel e EUA. “Quando o capital seca, investidores se tornam mais sofisticados e exigentes. Muitas dessas empresas terão que mostrar que são negócios reais.”
A desaceleração acompanha uma queda global nos gastos de capital de risco, que podem registrar a maior queda em mais de duas décadas. Para a América Latina, ocorreu justo quando o setor de startups começava a decolar: no início deste ano, investidores foram rápidos ao assinar cheques, o que resultou no surgimento de várias empresas de rápido crescimento em diversos setores, como tecnologia financeira e imóveis.
No total, o financiamento de risco para a região caiu mais de 75% no último trimestre em relação há um ano, para US$ 1,15 bilhão, segundo dados da LAVCA.
Inflação e juros mais altos afastaram o capital de setores de maior risco. Em vez de fazer investimentos com base em projeções de crescimento, firmas de venture capital dizem que as empresas agora devem comprovar um caminho claro para dar lucro.
“Ainda acho razoável ser otimista em relação à região. Mas temos visto correções. É lógico e natural e reflete que os investidores estão exigindo que as empresas mostrem rentabilidade”, disse Karin Tenenboim, gestora de investimentos da Newtopia VC, empresa sediada na Argentina com foco na região. “É uma mentalidade diferente.”
Empresas do México à Argentina suspenderam planos de expansão e fizeram demissões para preservar o caixa e melhorar as margens nas últimas semanas.
A Loft, startup de tecnologia imobiliária avaliada em US$ 2,9 bilhões no ano passado, reduziu 12% da força de trabalho este mês, seu terceiro corte de funcionários neste ano. Um porta-voz disse que o “valuation” da empresa não foi afetado.
Na Colômbia, a Muni, uma plataforma de comércio eletrônico que também tinha se expandido para o México e Brasil, encerrou as operações após ter levantado US$ 20 milhões em setembro.
A exchange de criptomoedas mexicana Bitso, avaliada em US$ 2,2 bilhões no ano passado depois de captar US$ 250 milhões em uma rodada liderada pela Tiger Global, fez demissões após o colapso da FTX.
A Jokr, uma startup de entrega rápida avaliada em US$ 1,2 bilhão há um ano, saiu de Santiago, no Chile, e de Medellín, na Colômbia, disse um porta-voz da empresa. Em junho, a empresa também havia deixado os EUA para se concentrar na América Latina.
Acordos de dívida
Héctor Jirau, diretor de operações e investimentos da Parallel 18, uma aceleradora de tecnologia em Porto Rico, disse que o desaquecimento do mercado levou fundadores e investidores a estruturarem os negócios de maneira diferente, inclusive usando mais dívida.
Bancos como Goldman Sachs e Citigroup começam a entrar nesse campo. Apesar das crescentes taxas de juros, startups conseguiram US$ 1,3 bilhão em linhas de crédito de bancos tradicionais, de acordo com a LAVCA.
“Definitivamente, há maior disponibilidade de estruturas mais inovadoras para financiar startups na América Latina”, disse Martin Pustilnick, cofundador e CEO da Mundi, uma startup que trabalha com exportadores mexicanos.
A Mundi fez um empréstimo de US$ 100 milhões para financiar sua expansão, o que lhe deu mais flexibilidade, já que bancos estão menos preocupados com a lucratividade no curto prazo, explicou. “Haverá uma grande oportunidade de dívida nos próximos anos, já que fundos de ‘equity’ estão se retirando do mercado.”
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