OBRA DA BROOKFIELD EM SÃO PAULO: por 5,2 bilhões de dólares, companhia canadense liderou consórcio que adquiriu a operação de gasodutos da Petrobras / Germano Lüders (Germano Lüders/Exame)
Letícia Toledo
Publicado em 22 de junho de 2016 às 20h28.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h48.
Para investir no Brasil de 2016 é preciso duas coisas: dinheiro e coragem. A combinação faz da gestora de ativos Brookfield um caso raro. Dinheiro a empresa canadense tem de sobra – são mais de 40 bilhões de reais em ativos no país. Coragem, aparentemente, tampouco lhe falta. Só no ano passado adquiriu 4,8 bilhões de reais em ativos. “O país está uma bagunça, mas estamos encontrando oportunidades que nunca encontramos antes”, disse Bruce Flatt, presidente mundial da companhia, em entrevista a Bloomberg no início do ano. Como se verá, a discreta companhia tem tudo para ser uma protagonista no capitalismo brasileiro por anos a fio.
A Brookfield capta dinheiro com grandes investidores principalmente da Ásia e da América do Norte para fundos distribuídos em cinco segmentos diferentes: energia renovável, imóveis, private equity, infraestrutura e recursos sustentáveis. Os ativos são comprados quando estão baratos e vendidos quando o mercado volta a valorizá-los. Parece simples – e é. Mas poucos investidores no mundo acertam tanto quanto os canadenses.
Desde 2006, a Brookfield mais que triplicou o valor total sob gestão, passando dos 71 bilhões de dólares para os 240 bilhões. É a segunda maior gestora de ativos alternativos do mundo, atrás apenas da americana Blackstone, que tem mais de 344 bilhões de dólares.
Seu presidente, Bruce Flatt, ficou conhecido como Warren Buffett canadense por seu foco no longo prazo e um bom histórico de resultados. Na presidência do grupo desde 2002, ele gradualmente moldou a Brookfield a sua própria imagem, enfatizando lógica, simplicidade e disciplina. Desde que assumiu, as ações da companhia subiram mais de 880% – cinco vezes mais do que a valorização das ações do grupo de Buffett, o Berkshire Hathaway.
Olho no Brasil
Flatt não chegou lá deixando passar oportunidades do tamanho da crise atual do Brasil – país que visita a cada três meses. Uma enorme parcela das grandes empresas do país sofre com a operação Lava-Jato e com a crise econômica e são obrigadas a se desfazer de grandes ativos. Pra quem está com os cofres forrados de dólar, é só esperar pelas boas oportunidades.
No último ano, a Brookfield deixou de lado o lançamento de prédios residenciais – seu foco nos últimos anos no Brasil – e começou a apostar em imóveis comerciais de alto padrão. Até o fim de 2014 a gestora tinha apenas três imóveis desse segmento em sua carteira, no ano passado, adquiriu mais sete. Os imóveis, que pertenciam à gestora BR Properties e ao banco BTG Pactual, custaram 2,4 bilhões de reais e fizeram o valor da carteira de investimentos imobiliários dobrar, chegando aos 4,2 bilhões de reais. No Brasil, a companhia ainda investiu em fazendas, florestas de eucalipto, shoppings, ferrovias, portos e na empresa de infraestrutura Arteris.
Este ano, a Brookfield tem duas grandes negociações em andamento. Com a Petrobras, a Brookfield negocia, com exclusividade, a divisão de gasodutos Nova Transportadora do Sudeste (NTS), por 5,2 bilhões de dólares (cerca de 17,5 bilhões de reais). A empresa também está em negociações avançadas para adquirir o braço de engenharia ambiental do grupo Odebrecht, a Odebretch Ambiental, por cerca de 5 bilhões de reais.
Especialistas ouvidos por EXAME Hoje afirmam que a Brookfield tem dois pontos chaves que a tornam a gestora mais agressiva no país atualmente: nenhuma outra empresa tem, ao mesmo tempo, tanto dinheiro em caixa e tanto conhecimento no país. “Quando as concessões que o Governo está estruturando começarem a sair eles serão um dos principais compradores. Para as empresas nacionais faltam recursos para investir nessas concessões e os empréstimos do BNDES estão parados”, afirma um executivo do setor. A oferta que a gestora fez pela NTS, por exemplo, superou propostas de rivais como a francesa Engie e a japonesa Mitsui.
Isso não significa, evidentemente, que a Brookfield não terá concorrência. Outra gestora que está de olho no Brasil é a americana Advent International, que, no Brasil, investiu em companhias como o grupo de ensino Kroton, a financeira Cetip e a varejista Dufry. Recentemente, a Advent captou 13 bilhões de dólares por meio de um de seus fundos.
Brookfield e Advent estão entre as que enviaram propostas a Petrobras para adquirir sua subsidiária de combustíveis BR Distribuidora. Procurada, a Brookfield não concedeu entrevista. A Advent também não confirma, mas seu presidente, Patrice Etlin, afirma que a crise no Brasil trouxe a venda ativos de qualidade. “A janela de oportunidade que temos é única”, afirma.
Do bondinho ao Cristo
A relação da Brookfield com o país data do século 19. Começou em 1899, quando um grupo de investidores canadenses procurava novos locais para colocar seu dinheiro e desembarcou em um país continental e carente de infraestrutura.
Aqui, eles financiaram a construção do sistema de bondes elétricos de São Paulo. O projeto exigiu a construção de uma das primeiras hidrelétricas no país, a Usina Hidrelétrica Parnaíba, concluída em 1901. Com isso, foi fundada a Light and Power Company – que posteriormente foi estatizada e se tornou a Light. Pouco depois, os negócios da Light foram expandidos para o Rio de Janeiro, também com a construção de bondes e usinas. É por causa da Brookfield que se popularizou o termo “bonde” para denominar os trens elétricos – veio dos bonds (títulos de dívida) que a companhia emitia e eram adquiridos pela população.
Em 1916 a Brookfield foi responsável pela criação da Companhia Telefônica Brasileira (CTB), que hoje faz parte do grupo Telefônica. Com a CTB, o grupo se tornou a maior prestadora de serviços públicos da América Latina. Durante os 117 anos de atuação no país, a Brookfield foi responsável até mesmo por implementar a iluminação do Cristo Redentor. A gestora já teve participação em companhias de diversas áreas que vão da fabricante de papel e celulose Aracruz (atual Fibria), a empresa de alimentos Gomes da Costa e até a fabricante de cervejas Skol. Até 2007, o nome adotado pela empresa era reflexo dessa relação entre os fundadores canadenses com o Brasil: Brascan.
Os próximos 10 anos
Além do foco no Brasil, a Brookfield também estuda potenciais investimentos na Índia, Austrália, China e outros países da América do Sul. “A razão pela qual temos negócios em 30 países é porque sempre tem um local que não tem dinheiro suficiente, mas tem grandes oportunidades. O que nós tentamos fazer é mover esse dinheiro para esses locais”, disse Flatt à Bloomberg.
Tudo, claro, com muita parcimônia, como é o estilo da Brookfield. A companhia gosta de pensar em décadas, e dificilmente é a primeira a embarcar em modismos. O lucro da empresa quase triplicou nos últimos 10 anos e chegou a 4,66 bilhões de dólares em 2015. Quando o assunto é curto prazo, as coisas não parecem tão bem assim. No ano passado, os lucros da Brookfield caíram 10% na comparação com 2014. No primeiro trimestre deste ano, a companhia teve um lucro de 636 milhões de dólares – uma queda de 68% na comparação anual. As perdas foram atribuídas a um retorno menor nos ativos de energia renovável e a uma redução nas entregas de imóveis residenciais.
Só no Brasil, a redução de entregas de imóveis residenciais – que em anos anteriores foi uma das principais apostas da empresa – e o câmbio fraco diminuíram as receitas da Brookfield em 1 bilhão de dólares no ano passado. As perdas não assustam investidores. Só no primeiro trimestre deste ano o grupo captou 15 bilhões de dólares para seus fundos – foi a maior quantia já captada pela Brookfield de uma só vez.
Quando questionado se a Brookfield terá o dobro do tamanho daqui a 10 anos, Flatt respondeu calmamente com um “I’m sure”. “Este é o negócio de infraestrutura e de imóveis. Estes são os dois maiores mercados no mundo”, afirma. A ver se os investimentos atuais no Brasil contribuirão para o plano de Flatt.
(Letícia Toledo)