Caça ao Tesouro IGP-M: onde encontrar os títulos que renderam 30% no ano?
Com a disparada do IGP-M, os títulos do Tesouro Direto atrelados a esse indicador de inflação acumulam rendimento de 30,9% nos últimos 12 meses, mas adquirir esses papeis não é tarefa simples
Bianca Alvarenga
Publicado em 5 de julho de 2021 às 06h02.
Última atualização em 5 de julho de 2021 às 16h37.
Em tempos de inflação acima dos juros, qualquer aplicação de renda fixa com rendimento que supere a correção de preços já é considerada atrativa. Há um caso específico no mercado, no entanto, que inspira a velha lenda da caça ao tesouro: o título IGPM+ do Tesouro Direto, chamado também de NTN-C, que rendeu 30,9% nos últimos 12 meses.
Emitidos somente até 2006, esses títulos têm vencimento marcado para o primeiro dia do ano de 2031. Além da valorização acima da curva, as NTN-Cs pagam juros semestrais -- ou seja, o investidor recebe o retorno acumulado a cada 6 meses.
A razão para a disparada do rendimento dos títulos está ligada ao próprio Índice Geral de Preços ao Mercado (IGP-M), que referencia o retorno das NTN-Cs. Nos 12 meses até junho, o indicador de inflação avançou 35,75%, uma trajetória bem próxima à da valorização do próprio Tesouro IGPM+.
Mas como todo bom tesouro, esses títulos não são fáceis de serem encontrados. Um levantamento feito pela Quantum Finance, consultoria de dados financeiros, mostrou que a maior parte desses títulos está na carteira de fundos de investimento -- e, portanto, fora das negociações no mercado secundário.
O levantamento revela ainda que dos 136 fundos que detêm NTN-C na carteira, apenas um é aberto para o mercado. Todos os outros são fundos exclusivos, constituídos para um investidor ou para um grupo limitado de investidores (como fundos private, para famílias, ou fundos de pensão, por exemplo).
Fora do alcance do investidor
De acordo com dados do Tesouro Nacional, o estoque dos títulos IGP-M+ é de pouco mais de 57 milhões de reais -- um volume pequeno, que representa cerca de 0,1% do mercado de títulos públicos.
O levantamento da Quantum Finance aponta também para um volume de 57 milhões de reais de NTN-C nos fundos, o que reforça a tese de que há pouquíssimos investidores pessoa física com esse ativo na carteira. E com um rendimento tão alto, os "sortudos" que têm as aplicações certamente não querem se desfazer delas. Em maio, o volume de repasse desses títulos correspondeu a apenas 0,2% do total.
O cruzamento dos dados mostra outra informação curiosa: como a maior parte dos fundos que são donos de NTN-C são fundos exclusivos, com poucos investidores, em números exatos os títulos de dívida do governo corrigidos pelo IGP-M estão nas mãos de pouco mais de 500 cotistas.
Como alguns desses fundos pertencem a administradores de fundos de pensão, é claro que o número de investidores beneficiados direta ou indiretamente é maior, mas ainda assim trata-se de um ativo escasso no mercado.
Veja abaixo os 10 fundos com maior volume de NTN-C sob gestão:
Nome do fundo | Gestor | Volume de NTN-C no fundo | % de NTN-C sobre o patrimônio |
FÊNIX FI RENDA FIXA CRÉDITO PRIVADO | Santander Brasil Asset Management | R$ 13.838.431,60 | 97,16% |
BRADESCO TOUCAN XXXI REC FI RENDA FIXA | Bradesco Asset Management | R$ 5.420.468,04 | 99,92% |
ATUARIAL 06 BSPS FI MULTIMERCADO CRÉDITO PRIVADO | Fundação Cesp (FUNCESP) | R$ 2.937.515,30 | 48,23% |
MARBELLA II FI RENDA FIXA CRÉDITO PRIVADO | Santander Brasil Asset Management | R$ 2.892.180,26 | 36,61% |
BB RF LIQUIDEZ FI RENDA FIXA | BB Gestão de Recursos DTVM | R$ 1.944.258,39 | 6,57% |
K2 FI MULTIMERCADO | FUNDAÇÃO EMBRATEL DE SEGURIDADE SOCIAL (TELOS) | R$ 1.912.904,26 | 52,75% |
FRG PLANO BD FI MULTIMERCADO | REAL GRANDEZA FUNDAÇÃO DE PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL | R$ 1.881.223,77 | 12,91% |
FOX SOBERANO II FI RENDA FIXA | Fundação dos Economiários Federais (FUNCEF) | R$ 1.789.286,47 | 8,94% |
ATUARIAL 01 BSPS FI MULTIMERCADO CRÉDITO PRIVADO | Fundação Cesp (FUNCESP) | R$ 1.770.866,07 | 43,41% |
SANTANDER OVIEDO FI RENDA FIXA | Santander Brasil Asset Management | R$ 1.686.124,62 | 15,33% |
Alta concentração
Outro aspecto que chama a atenção é o volume de concentração de alguns fundos. Os dois maiores, um pertencente à gestora do Santander e outro do Bradesco, têm mais de 95% do patrimônio constituído somente por esses títulos. Ambos fundos possuem somente um cotista.
No entanto, é importante lembrar que a alta concentração nesses fundos exclusivos não significa que um único investidor corajoso está apostando tudo nos títulos do IGP-M+.
Juliana Machado, especialista em fundos de investimento doBTG Pactual Digital, explica que existem duas hipóteses mais prováveis para essa dinâmica.
A primeira é que esses fundos representem apenas um percentual de uma carteira de investimentos mais robusta e diversificada de um investidor ou do patrimônio de uma família. A segunda hipótese é que esses ativos sejam instrumentos das próprias gestoras para operar os títulos por meio dos fundos.
"Pode ser uma forma de a tesouraria operar recursos de outro fundo ou de operar recursos da própria instituição financeira", explica ela.
Investimentos que substituem o Tesouro IGP-M+
Namorar o rendimento de mais de 30% é inevitável, mas o investidor pode encontrar outras aplicações no mercado que cumprem o mesmo papel do Tesouro IGP-M. Existem fundos de crédito privado que investem em títulos cujo rendimento é referenciado pelo mesmo indicador inflacionário.
Um exemplo são os fundos imobiliários de papel que investem em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) com rendimento atrelado ao IGP-M.
Além dessa alternativa, existem outras aplicações com fundamentos similares aos dos títulos NTN-C. Vale lembrar que o IGP-M é um índice de inflação que acompanha os custos para o mercado produtor, e por isso tem uma sensibilidade maior aos preços de produtos básicos e ao câmbio.
"O investidor pode encontrar outras aplicações em que ele fica mais exposto à cotação do dólar e de commodities, o que, no final das contas, teria o mesmo efeito", recomenda Alan Ghani, especialista em renda fixa do BTG Pactual Digital.
Ele cita o exemplo das debêntures participativas da Vale, cujo rendimento está diretamente atrelado à cotação em dólares do minério de ferro no mercado internacional.
Ghani pondera que embora a disparada do IGP-M tenha tornado os títulos atrelados ao indicador mais atrativos, historicamente apostar em aplicações com retorno calculado pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) traz resultados mais consistentes.
Isso porque o IGP-M dispara em anos de valorização do dólar, mas pode ter até mesmo desempenho negativo quando o real ganha força.
"Muitos investidores têm escolhido o IGP-M por memória recente, mas o IPCA acaba tendo um desempenho muito mais linear, pois reflete o custo de vida dos consumidores", explica o especialista.
Veja abaixo o desempenho histórico do IGP-M e do IPCA: