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A regulamentação da IA: como evitar a irrelevância tecnológica em meio à busca por equilíbrio

Lei aprovada no Senado é um avanço, mas falta de investimentos ameaça o desenvolvimento tecnológico brasileiro

Na mesa (esq. para dir.): relator do PL que regulamenta a IA Eduardo Gomes, presidente Carlos Viana e Astronauta Marcos Pontes (Agência Senado)
Miguel Fernandes

Chief Artificial Intelligence Officer da Exame

Publicado em 18 de dezembro de 2024 às 15h19.

O debate sobre a regulamentação da inteligência artificial (IA) no Brasil chegou a um momento decisivo. A recente aprovação do projeto de lei no Senado marca um avanço importante, mas ainda tímido frente ao desafio que o país enfrenta para equilibrar proteção e inovação em um setor estratégico. Com a tramitação do texto na Câmara dos Deputados prevista para 2025, as resistências devem se intensificar, tanto da oposição política quanto do lobby de grandes empresas de tecnologia. A questão central é como criar uma legislação robusta sem sufocar a capacidade de desenvolvimento local.

A comparação com a Índia escancara a disparidade na abordagem. Enquanto o Brasil se inspira na regulamentação europeia, priorizando restrições e controles, a Índia segue outro caminho. Com um investimento de US$ 1,1 bilhão destinado à infraestrutura de IA, o país asiático adquiriu 10 mil chips H200 da Nvidia e deu início ao desenvolvimento de modelos de linguagem próprios. Apenas 0,2% desse montante foi destinado a regulamentação. Para os indianos, o foco está claro: construir um ecossistema tecnológico robusto e autossuficiente.

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Não se trata de minimizar a importância da regulamentação - ela é necessária e bem-vinda. A proteção de direitos autorais para criadores de conteúdo, por exemplo, é uma inovação importante do texto brasileiro. No entanto, precisamos ser honestos: regular sem investir é como construir muros sem edificar a casa.

O Brasil elaborou um Plano Nacional de IA que, embora bem estruturado, corre o risco de sucumbir aos cortes orçamentários antes mesmo de decolar. Enquanto isso, a Índia destina apenas 0,2% de seu investimento em IA para questões regulatórias, concentrando recursos no desenvolvimento de tecnologia própria e no fomento a startups locais.

A questão central não é se devemos ou não regular a IA, mas sim como evitar que a regulamentação se torne uma camisa de força para a inovação. O maior risco que corremos não é o uso indevido da IA, mas sim a dependência tecnológica permanente do Vale do Silício. Uma regulamentação robusta não nos protegerá da irrelevância tecnológica.

Na minha experiência liderando projetos de IA, tenho observado que as empresas brasileiras já enfrentam desafios significativos para implementar soluções de inteligência artificial. Adicionar camadas excessivas de burocracia, sem contrapartida em investimento e desenvolvimento, pode tornar esse cenário ainda mais desafiador.

O que precisamos é de uma abordagem equilibrada: regulamentação inteligente combinada com investimento massivo em infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento. Precisamos de chips, não apenas de regras. De cientistas de dados, não apenas de fiscais. De inovação, não apenas de conformidade.

A lei aprovada no Senado é um primeiro passo, mas não pode ser o único. Como muito bem disse meu colega Ronaldo Lemos, se quisermos verdadeiramente proteger nossa soberania tecnológica, precisamos aprender com o exemplo indiano: a melhor defesa é, de fato, o ataque. Um ataque planejado, estratégico e bem financiado no campo do desenvolvimento tecnológico.

O futuro da IA no Brasil não será definido apenas por marcos regulatórios, mas pela nossa capacidade de desenvolver tecnologia própria, formar talentos locais e exportar as empresas nacionais. A regulamentação é necessária, mas o desenvolvimento é imperativo. Está na hora de equilibrarmos essa equação.

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