Com Pix, bancos perdem receita de taxas, mas lucram com dados e novos clientes
Bancos deixam de receber taxas de TED e DOC, mas lucram com entrada de novos clientes, dados dos consumidores e menores custos; para o Itaú, sistema é "ganha-ganha"
Gabriel Rubinsteinn
Publicado em 5 de fevereiro de 2021 às 14h26.
Na última semana, o Banco Central anunciou, em coletiva de imprensa, que o Pix superou o TED e o DOC em número diário de operações. A rápida adesão da população brasileira ao novo sistema, gratuito para pessoas físicas, dá a entender que o Pix é ruim para os bancos, que perderam uma fonte de receita com taxas cobradas pelos métodos antigos de transferência. A realidade, entretanto, é totalmente diferente.
Se de um lado os bancos deixam de receber, juntos, cerca de 2,2 bilhões de reais com taxas de TED e DOC, segundo estimativa do banco de investimentos Morgan Stanley, do outro lucram com a entrada de novos clientes, os dados dos consumidores e os menores custos com dinheiro físico. Por oferecer um serviço melhor, ainda ganham com a maior satisfação dos consumidores.
Os números provam a aceitação do Pix entre os consumidores: nesta semana, a média diária de operações no novo sistema foi de 8 milhões de transferências nos dias úteis e de 4 milhões aos finais de semana. Foram cerca de 7 bilhões de reais movimentados por dia útil no Pix.
"O Pix é um dos poucos exemplos de situação 'ganha-ganha', que é boa para os dois lados”, diz Renato Lulia, diretor de Relações com Investidores e Inteligência de Mercado do Itaú. “O consumidor tem um serviço melhor, o banco tem mais dados, novos clientes e menos custos... Forma-se um círculo virtuoso, em que todas as partes envolvidas saem ganhando."
Além disso, as receitas com taxas de TED e DOC nunca foram das mais significativas para as instituições financeiras. Se o número absoluto, de 2,2 bilhões de reais, é impactante, ele perde força ao se considerar que é a soma dos valores recebidos pelos mais de 150 bancos do país. Para o Itaú, por exemplo, representava menos de 1% do faturamento, segundo a própria instituição.
Outro ponto importante é que a estimativa do Morgan Stanley é relativa ao ano de 2019 e, desde então, o valor das receitas com as taxas diminuiu, devido à maior concorrência com fintechs e bancos digitais, que em geral não cobram essas tarifas e obrigaram os bancos tradicionais a seguir o mesmo caminho. "Nós já não cobrávamos taxas de TED e DOC de um número significativo de clientes. Em novembro, quando o Pix foi lançado, decidimos não cobrar de mais ninguém e zeramos essa taxa. O Pix é uma ferramenta melhor e gratuita, por que vamos cobrar para outras?", diz Lulia.
Pix reduz custos dos bancos
Se o Pix elimina uma fonte de receita, também corta gastos para os bancos, possivelmente com impacto muito maior para as instituições. A primeira redução de custos diz respeito ao próprio sistema do Pix, cuja infraestrutura técnica é mais simples e mais barata de ser operada.
"Além de ser uma ferramenta que funciona, o Pix tem um custo operacional muito mais baixo não apenas para o consumidor, mas para o próprio banco", diz o diretor do Itaú.
Outra vantagem é a possibilidade de transferir dinheiro de maneira instantânea, 24 horas por dia, 7 dias por semana, o que ajuda a reduzir o uso de dinheiro em espécie, que gera custos bilionários para os bancos e riscos para o consumidor.
"O Pix é uma importante oportunidade para o Brasil reduzir a necessidade do uso de dinheiro em espécie em transações comerciais, o que tende a reduzir os altos custos de transporte e logística de cédulas em um país de dimensões continentais. Somente o custo de logística totaliza cerca de 10 bilhões de reais ao ano", diz a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) em nota à EXAME.
Para o consumidor, deixar o dinheiro físico de lado é uma vantagem em termos de segurança — já que os riscos de perda, roubo ou furto deixam de existir — e também de comodidade, pois evita a necessidade de realização de saques.
Bancarização e crescimento
Por ser um sistema gratuito para pessoas físicas e de uso bastante simples, o Pix derruba barreiras de entrada no universo dos produtos e serviços financeiros. Isso significa que o sistema pode ajudar a bancarizar milhões de brasileiros que atualmente não são atendidos por nenhum banco ou instituição financeira.
Em 2019, estimativas apontavam para 45 milhões de brasileiros nessa situação, número que caiu consideravelmente em 2020, motivado principalmente pelas fintechs, bancos digitais, pela digitalização financeira promovida pela pandemia e, mais tarde, também pelo Pix.
“O Pix ataca uma receita, mas vai muito além disso. É uma porta de entrada para uma população não bancarizada começar a fazer transações", afirma Renato Lulia, do Itaú, acrescentando que isso pode impulsionar o número de clientes do banco e possibilitar uma melhor oferta de produtos. "A partir do momento que passarmos a entender como essa faixa da população utiliza o Pix, poderemos oferecer serviços específicos para ela.”
O Pix tem atualmente, segundo dados do BC, mais de 134 milhões de chaves e cerca de 56 milhões de pessoas cadastradas no sistema, o que mostra que, apesar da rápida aceitação e de números positivos em relação à utilização, ainda há muito espaço para crescimento.
Isso deverá acontecer conforme as pessoas se habituam ao sistema, ainda bastante novo, e pode ser impulsionado com as novas funções prometidas pelo BC ainda para 2021, como sistema para parcelamento, cobrança recorrente, uso offline, entre outras.