Com divulgação de parecer inédito, CVM ‘abriu as portas’ para criptoativos, concordam especialistas
A Comissão de Valores Mobiliários teria se demonstrado aberta a regulação adequada de criptoativos no Brasil por meio de documento
Mariana Maria Silva
Publicado em 18 de outubro de 2022 às 09h00.
Última atualização em 19 de outubro de 2022 às 14h06.
A Comissão de Valores Mobiliários do Brasil ( CVM ) divulgou na última semana, um Parecer de Orientação sobre criptoativos e o mercado de valores mobiliários. De número 40, o documento ressalta uma abordagem amigável da autarquia para o setor e as novas tecnologias e impulsiona o otimismo de especialistas do setor, que enxergam o parecer como uma forma da autarquia demonstrar que está de “portas abertas” para os criptoativos.
Com recomendações que buscam garantir a previsibilidade e segurança do mercado, o parecer divulga orientações sobre seis áreas diferentes: tokenização, caracterização de tokens como valores mobiliários, enquadramento, transparência de informações, mercado marginal e tecnologia.
"O parecer tem caráter de recomendação e orientação ao mercado, com o objetivo de garantir maior previsibilidade e segurança para todos, além de contribuir em direção à proteção do investidor e da poupança popular, bem como de fomentar ambiente favorável ao desenvolvimento da cripto economia, com integridade e com aderência a princípios constitucionais e legais relevantes", afirmou João Pedro Nascimento, presidente da CVM no documento.
Orientações
De acordo com o documento, a tokenização em si não está sujeita à prévia aprovação ou registro perante a CVM.
No entanto, emissores e a oferta pública destes tokens estarão sujeitos à regulamentação aplicável, assim como a administração de mercado organizado para emissão e negociação dos tokens que sejam valores mobiliários, bem como para os serviços de intermediação, escrituração, custódia, depósito centralizado, registro, compensação e liquidação de operações que envolvam valores mobiliários.
"CVM nos parece indicar direções para buscar viabilizar a oferta pública e negociação de tokens que sejam valores mobiliários dentro do conjunto de regras existentes, com a possibilidade de sua flexibilização, desde que, evidentemente, sejam apresentadas salvaguardas que a justifiquem", comentou Erik Oioli, da VBSO Advogados.
"Isto denota, também, a importância da estruturação adequada e idônea dos projetos de tokenização, para construção de casos de uso que realmente tragam benefícios para o mercado, sem prejuízo do grau de proteção dos investidores", disse.
“Fica também muito evidente que derivativos são valores mobiliários, conforme descrito na Lei 6385/76, mesmo aqueles que tenham como ativo objeto um criptoativo. Portanto, é totalmente ilegal qualquer oferta de derivativos de cripto, seja qual for, feito por empresas não reguladas pela CVM”, salientou Carlos Ratto, CEO da Vórtx QR Tokenizadora.
Sandbox Regulatório
Antes da divulgação do parecer, a autarquia já vinha realizando pesquisas que buscavam entender as condições do mercado de ativos digitais e quais destes poderiam ser caracterizados como valores mobiliários.
Uma destas iniciativas foi o Sandbox Regulatório, que originou a Vórtx QR Tokenizadora, uma joint venture entre a QR Asset e a Vórtx.
“A CVM demonstra que está acompanhando de perto a evolução dos mercados que ela administra, tanto do ponto vista de supervisão, para coibir ações irregulares, como do lado do desenvolvimento do mercado. O caminho correto para desafiar o modelo tradicional do mercado de capitais e transformá-lo em algo mais eficiente, dinâmico e acessível é o Sandbox, onde tudo isso é desenvolvido em conjunto com o regulador, possibilitando evoluir com segurança”, afirmou Carlos Ratto, CEO da Vórtx QR Tokenizadora, em entrevista à EXAME.
Portas abertas
Entre a maioria dos especialistas consultados pela EXAME, a opinião foi praticamente unânime de que o parecer, muito mais que uma divulgação de orientações, mas principalmente, uma forma de comunicar os brasileiros de que a autarquia está de “portas abertas” para os criptoativos.
“Esse parecer de orientação sinaliza uma postura de abertura da CVM em relação aos criptoativos. A instituição mostra que está atenta às novas tecnologias para aplicá-las no mercado financeiro, sobretudo para a digitalização e transformação tecnológica de todos os processos que envolvem a negociação de valores mobiliários”, comentou José Artur Ribeiro, CEO da Coinext.
Além disso, o parecer pode trazer segurança jurídica para quem está inserido no contexto de tokenização, acrescentou Ribeiro.
“Ao tratar com clareza a definição de um valor mobiliário e as regras para o mercado desses ativos, a CVM dá tranquilidade para atores que atuam nesse cenário, seja para quem oferece criptos relacionadas a valores mobiliários, pois agora sabem quais regras seguir, e para quem oferece criptos que não possuem esse lastro, pois agora oficialmente sabem que não estão infringindo nenhuma norma”, disse.
Subjetividade
No entanto, outros especialistas do setor jurídico apontam os riscos da subjetividade no documento da Comissão de Valores Mobiliários brasileira.
Segundo Gustavo Blasco, CEO do Grupo GCB, holding do mercado de capitais, e Fernando Blasco, Tabelião de Notas do Cartório Blasco, o parecer aborda os conceitos próprios à caracterização de valores mobiliários e reitera o valor da transparência e clareza das informações dispostas aos investidores, permitindo a inferência de que, nos casos de zona cinzenta regulatória, levará em conta a boa-fé dos participantes da oferta.
Por isso, ainda que a visão exposta pela CVM transmita uma compreensão amigável e favorável aos negócios do setor, “o conteúdo do parecer é mais um manual contra absurdos do que um guia hábil a sanar as reais e atuais dúvidas daqueles que, de boa fé e imbuídos de espírito empreendedor, vêm inovando no mercado de capitais”, afirmam.
“O hype do “novo” não justifica o descumprimento da lei e isso foi categoricamente acentuado pela autarquia, ao pontuar que a tokenização em si lhe é irrelevante, cabendo-lhe somente perquirir se há emissão de valores mobiliários com fins de distribuição pública, quando tanto os emissores quanto a oferta pública de tokens estarão sujeitos ao registro autárquico”, disse uma análise conjunta de ambos os profissionais.
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