Clubes sul-americanos inovam e ampliam possibilidades para arrecadação
De entrada na bolsa de valores a vaquinha com a torcida, entenda a busca das principais equipes do continente por novas formas de obter receitas
Redação Exame
Publicado em 18 de outubro de 2024 às 07h40.
Em meio ao mercado competitivo dos dias atuais e à busca por, cada vez mais, ampliar o poderio econômico, algumas das principais equipes da América do Sul têm buscado inovar na forma de obter receitas. Nos principais pólos econômicos do continente, Brasil e Argentina, os exemplos são variados, ao longo dos últimos meses. As iniciativas incluem movimentos desde a criação de fundo e entrada na bolsa de valores à criação de vaquinha com a torcida e até mesmo a inauguração de uma nova plataforma de apostas.
O exemplo mais recente vem do país vizinho. Recentemente, o River Plate entrou na Bolsa de Valores da Argentina, ao criar o “Club River Plate Financial Trust”. Com isso, o clube torna-se apto a receber investidores. Através de um corretor da bolsa de valores, qualquer cidadão ou empresa com 12 mil pesos (equivalente a R$ 67,4) pode investir no clube. A ideia da equipe é obter 20 milhões de dólares (em torno de R$ 120 milhões) para custear obras de infraestrutura, a exemplo da continuidade da reforma do Monumental de Nuñez e obras para os estádios da categorias de base.
“Trata-se de uma interessante alternativa para que o River Plate possa levantar recursos sem comprometer de imediato o caixa do clube. Polêmicas a parte da questão burocracia da lei da SAD, a equipe acaba tendo acesso a uma antecipação de crédito, promovendo, aos investidores, um retorno garantido em 30 meses, corrigido pela inflação mais taxas de juros. É um conceito que no Brasil é conhecido como debênture, uma antiga forma de captação de recursos mas ainda sim muito eficiente, já que sairá mais barato para o clube do que um empréstimo convencional com algum banco”, analisa Fernando Lamounier, Head de Marketing da Multimarcas Consórcios.
Também na Argentina, o Estudiantes aproximou-se, recentemente, de receber aporte de 120 milhões de dólares (R$ 650 milhões na cotação atual) do empresário norte-americano Foster Gillett, podendo receber os investimentos mas sem entregar o controle do clube. Ambas as estratégias diferenciam-se da criação de uma SAD (Sociedade Anônima Desportiva), equivalente à SAF (Sociedade Anônima do Futebol) no Brasil, algo que ainda é proibido pela legislação do país vizinho.
Um pacote de medidas anunciado no final do ano passado pelo presidente Javier Milei esteve próximo de mudar esse cenário, ao incluir a modificação da Lei Geral de Sociedades, de 1984, para permitir aos clubes de futebol a se tornarem sociedades anônimas (S.A.). A questão, entretanto, além de não ser de interesse das principais equipes, também envolve a federação argentina, a AFA, que é contra a medida. A entidade, ainda, proíbe que qualquer governo intervenha no estatuto de uma federação. Para Marco Loureiro, sócio dos CCLA Advogados e responsável pela área de Direito Societário, a mudança desse paradigma, no entanto, seria benéfico para o futebol argentino.
"Assim como já ocorreu em todos os principais países do futebol mundial, ora por organização do próprio mercado, como na Inglaterra, ora por determinação do governo, por meio de lei, como em Portugal e Brasil, a migração do modelo associativo para o empresarial causará um grande impacto positivo na Argentina. Essa mudança certamente proporcionará a chegada de investidores , especialmente estrangeiros - o MCOs - e, com isso, a distância entre os orçamentos dos clubes argentinos e brasileiros tende a diminuir", afirma o especialista.
Já no Brasil, a iniciativa mais recente vem do São Paulo. Em movimento inédito entre clubes de futebol no continente, o Conselho Deliberativo do clube aprovou, no início deste mês, a criação de um fundo de investimentos, em direitos creditórios (FIDC), para a captação de R$ 240 milhões. A operação é fruto de parceria com as gestoras de investimentos Galápagos e Outfield, constituindo-se como uma espécie de empréstimo financeiro ao clube, para pagamento de dívidas com instituições bancárias, mas com juros menores. Assim, o tricolor espera reestruturar as finanças e ganhar respiro no caixa.
No Fundo, disponibilizado a investidores, será possível colocar o dinheiro já sabendo o quanto ele irá render, dentro das regras e taxas estabelecidas. O tricolor terá de seguir regras de governança para garantir tanto a sustentabilidade do clube quanto o pagamento aos cotistas do fundo. Como garantia de pagamento às gestoras, o São Paulo destinará as receitas provenientes de venda de jogadores, licenciamento, direitos de transmissão, patrocínios, naming rights, entre outras.
“A saída escolhida pelo São Paulo é muito interessante. As exigências de austeridade e governança que o FIDC impõe para que o clube siga tendo acesso ao aporte de recursos, se cumpridas, têm tudo para colocar o tricolor em outro patamar financeiro, principalmente a médio prazo. Além de servir como case para que, cada vez mais, os clubes brasileiros tenham credibilidade com o mercado de capitais para construir e alavancar oportunidades de negócio”, destaca Joaquim Lo Prete, que já comandou o departamento de marketing do São Paulo e hoje é country manager da Absolut Sport no Brasil, agência de experiências esportivas e parceira oficial da Conmebol para a Copa Libertadores e Sul-Americana.
O rival Corinthians também é outra das equipes que busca alternativas para pagar as dívidas. No caso, a solução partiu da torcida, mais especificamente da organizada Gaviões da Fiel, que idealizou, junto à Caixa Econômica Federal, um projeto que consiste em uma “vaquinha virtual”, em que serão arrecadadas doações de torcedores, com o propósito de quitar a arena do clube. Em meio ao aniversário do Corinthians, a organizada anunciou que o clube aprovou o projeto, para a criação de uma chave Pix oficial, junto ao banco estatal, para o depósito do valor que for doado pelos torcedores.
“Clubes com uma torcida como a do Corinthians apresentam um imenso potencial para a realização de projetos deste porte. A quitação de uma arena contando com o apoio da torcida seria algo histórico e inédito. Mas, para arrecadar o máximo de valor, seria viável ter outras grandes ações que possam contar também com patrocínios de empresas, trazendo mais uma nova receita. Porém, antes de tudo, a gestão do clube obrigatoriamente tem que passar confiança para que todos abracem de verdade o projeto”, analisa Rene Salviano, CEO da agência Heatmap.
O Flamengo, por sua vez, investiu na criação da plataforma de apostas Flabet, que será operada pela atual patrocinadora máster do clube, a Pixet. O licenciamento, aprovado pelo Conselho Deliberativo do rubro-negro em agosto, complementa a parceria e explora novas formas de faturamento. O acordo prevê um mínimo garantido de R$ 82,5 milhões ao Flamengo, com uma entrada de R$ 10 milhões em 2024, mais R$ 22,5 milhões em 2025 e R$ 25 milhões tanto em 2026 quanto em 2027. O rubro-negro ainda pode lucrar mais, a depender do desempenho da plataforma de apostas. O novo site já foi aprovado pelo Ministério da Fazenda na lista divulgada pelo governo no início deste mês.
“Este movimento da Pixbet junto ao Flamengo mostra as inúmeras formas pelas quais o setor betting pode cada vez mais contribuir para fortalecer o futebol nacional. Iniciativas como essas podem ganhar força agora que o mercado está cada vez mais próximo da regulamentação, com regras claras de boas práticas que todas as empresas do segmento devem adotar”, analisa João Fraga, especialista no mercado de apostas e CEO da techfin Paag, que têm lançado produtos para ajudar as bets a se adequarem às novas diretrizes para a indústria.
Outras formas para levantar recursos
Nos últimos três anos, uma das novas formas de os clubes brasileiros receberem investimentos foi através da criação das Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs), em vigor desde agosto de 2021 e que desde então vem possibilitando uma série de vantagens às equipes. No Brasil, somente na Série A do Brasileirão, algumas que já adotaram esse modelo foram Atlético-GO, Atlético-MG, Bahia, Botafogo, Cruzeiro, Cuiabá, Fortaleza e Vasco.
“Tal arcabouço jurídico permitiu que os clubes pudessem se reorganizar financeiramente, a partir da possibilidade da renegociação da dívida. Além disso, também favorece as SAFs no pagamento mensal de um tributo unificado, na medida em que limita a 5% sobre as receitas mensais, excluindo-se a receita com transferências de jogadores. A partir do sexto ano da constituição da SAF, a alíquota é de 4%, em ‘regime de caixa mensal’, sobre todas as receitas, inclusive sobre a receita com transferências de jogadores”, explica José Francisco Manssur, sócio do escritório CSMV Advogados e um dos autores do projeto de lei que criou a Sociedade Anônima do Futebol ( SAF ).
Além dos investidores, outra forma para que clubes possam fortalecer os cofres dos clubes é através da captação de recursos via Lei de Incentivo ao Esporte do Governo Federal. Neste ano, por exemplo, o Náutico, de Pernambuco, conseguiu acesso a quase R$ 1,5 milhão, após aprovação de projeto voltado para o futebol feminino, destinando a quantia para a estrutura do clube e das jogadoras na modalidade.
“Esses tipos de incentivos são essenciais para que a modalidade possa crescer cada vez mais. Precisamos de mais leis de incentivo e mais trabalho de base. Com esse tipo de apoio, aumentam-se as chances de descobrir jovens atletas talentosas que poderão ser lapidadas com as devidas condições para a formação”, explica Vanessa Pires, CEO e fundadora da Brada, startup que auxilia empresas a investir em projetos de impacto positivo.