Apesar das evidências de que a presença de mulheres em cargos de liderança melhoram o desempenho das empresas, ela segue estagnada desde 2000 (Klaus Vedfelt/Getty Images)
Rodrigo Caetano
Publicado em 30 de junho de 2021 às 13h40.
Última atualização em 30 de junho de 2021 às 13h40.
A presença de mulheres em cargos de diretoria já foi conectada a melhores resultados financeiros. Mas o impacto dessa diversidade, provavelmente, é maior e mais duradouro do quem alguns trimestres de ganho elevado. É o que mostra uma pesquisa feita na FGV, pela mestranda Monique Cardoso, somente com empresas brasileiras: a liderança feminina melhora, e muito, o desempenho ESG.
O trabalho de Cardoso aponta que, nos critérios ambiental e social, companhias com ao menos uma mulher em cargo de chefia pontuam melhor em índices ESG, como o score S-Ray ESG, da Arabesque. “Sempre que há mulheres na diretoria, os dados ESG são melhores”, afirmou Cardoso à EXAME.
Em geral, das empresas com mulheres líderes, 52% apresentam notas ESG elevadas (acima de 97,23 pontos no Arabesque S-Ray). Esse porcentual cai para 48% entre as empresas totalmente masculinas. Quando a liderança feminina já chegou ao nível de conselho, a diferença é ainda maior: 72% a 24%.
Para a pesquisadora, uma das conclusões do estudo é que a presença de mulheres quebra mais do que barreiras de diversidade. “Elas não apenas derrubam muros invisíveis que barram a diversidade, como também superam abismos imaginários que impedem as empresas de avançar na agenda ESG”, diz Cardoso.
Há, no sistema masculinizado vigente, o costume de promover mulheres a cargos de liderança, mas delegar a elas tarefas marginais ou consideradas muito difíceis. “A ideia é forçar o fracasso para justificar a manutenção do status quo”, diz a pesquisadora. O tiro, no entanto, tem saído pela culatra. A mudança de cenário, em virtude da ascensão do ESG como modelo de negócios e gestão, acabou por potencializar os resultados obtidos nas diretorias de sustentabilidade.
Isso fica claro quando se olha apenas para o aspecto ambiental. Na comparação entre empresas com mulheres e sem mulheres, as primeiras ganham por 54% a 40% no porcentual de notas altas. No recorte social, a diferença é de 53% a 42%. Somente em governança, uma área mais técnica e consolidada nas empresas de capital aberto, que a presença feminina não faz muita diferença. Ainda assim, elas ganham de 48% a 46%.
O trabalho teve uma segunda parte, qualitativa. Cardoso conduziu entrevistas com executivas sobre o que elas fazem de diferente para ampliar o desempenho ESG. A conclusão é que elas têm uma noção clara do que precisam fazer em relação à sustentabilidade. Mais importante, rejeitam estereótipos masculinos de liderança, abraçando a força do feminino.
“As lideranças femininas derrubam essa ideia de que é preciso se masculinizar para avançar na carreira”, diz Cardoso. “Elas estão usando recursos da maternidade, do cuidado, que dão uma visão de futuro. Também agregam valores como honestidade e a consciência de que é preciso estudar continuamente.”
No final do dia, essas características femininas são o que os investidores têm buscado nas empresas. Cardoso partiu da premissa de que a agenda ESG será um divisor de águas para empresas que terão acesso a capital de longo prazo, e as que passarão a contar apenas com capital especulativo, mais caro e instável. A prova disso, ela cita no estudo, é que, hoje, 1 em cada 3 dólares investidos nos Estados Unidos está em ativos considerados ESG.
Apesar das crescentes evidências de que mulheres na liderança ampliam a capacidade das empresas de gerar valor para os acionistas, ao mesmo tempo em que contribuem para o avanço da sociedade, a presença feminina nas gestoras de portfólio permanece inalterada há décadas.
Segundo uma reportagem da Bloomberg, ao final de 2020, as mulheres representavam, globalmente, 14% dos gestores que administram fundos mútuos e negociados em bolsa de renda fixa, ações e alocação de ativos. É a mesma proporção registrada em 2000. Considerando apenas os Estados Unidos, o porcentual até cai: 11%.
O problema pode estar no chamado overboarding, como é chamada a “reciclagem” e a super utilização das poucas mulheres que entram no mercado financeiro. Essa prática gera a impressão de que há mais mulheres no comando, porém, na realidade, elas continuam tendo as mesmas dificuldades para subir na carreira.
Pesquisas como a de Monique Cardoso indicam que a presença feminina faz bem aos negócios e traz lucros maiores e por mais tempo. Porque o mercado ainda resiste em derrubar as barreiras da diversidade, diante dos números, é uma questão que só tem uma resposta possível. O que ainda não se sabe é por quanto tempo será possível ignorar as evidências.