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Luciene Rodrigues, do MOVER: "É necessário conscientizar quem já está na liderança para que se tornem agentes da transformação" (Willy Roberto/Divulgação)
Repórter de ESG
Publicado em 20 de novembro de 2024 às 10h00.
Última atualização em 21 de novembro de 2024 às 11h36.
O Movimento pela Equidade Racial (MOVER) é uma das principais organizações brasileiras que atuam pelo engajamento das empresas na pauta racial. Criada em 2021, a associação conta com 56 empresas afiliadas, garantia do compromisso corporativo em aumentar a presença de pessoas negras em cargos de tomada de decisão e melhorar a qualidade de vida da população.
A organização é ambiciosa em suas metas. Até 2030, é esperado que mais de 10 mil posições de liderança sejam ocupadas por pretos e pardos e que outras 3 milhões de oportunidades para esta população sejam geradas, o que inclui promoção de cursos, capacitações e vagas em todos os níveis.
Embora reconheça nos números de 2024, resultados animadores - até o momento, contabilizam pouco mais de 2 mil pessoas negras em cargos de chefia, um número bem acima da meta de 1.277 que previam até fim deste ano - o caminho para atingir os desejos de 2030 não deve ser fácil, considerando o movimento global de queda nos investimentos em diversidade e inclusão.
A estratégia do MOVER, porém, passa justamente por não se deixar influenciar tanto pelas perspectivas mundiais. Gerente sênior de relações públicas do MOVER, Luciene Rodrigues, pondera que a discussão não pode ser simplesmente importada para a realidade brasileira. “Nosso país teve processo escravatório de séculos, é o que mais recebeu pessoas escravizadas e no qual o racismo está nas estruturas. É constitucional fazer ações afirmativas aqui”, lembra.
Inclusão produtiva da população negra
Mais do que garantir a entrada de pessoas negras nas companhias, a batalha do MOVER - e da própria Luciene, ela ressalta - é pela plena inclusão dessa população, sem que os profissionais vivenciem microagressões ou casos mais graves de racismo. “Antes de garantir o desenvolvimento dos profissionais, precisamos que eles resistam e estejam de pé para suportar essas mudanças”, conta.
Dentre as violências mais comum, está a tokenização, conceito que denomina situações em que negros são usados para um marketing da cultura diversa da empresa, que no dia a dia não corresponde à realidade. Luciene conta que esse cenário, também chamado de “o preto único”, ainda é muito recorrente no ambiente corporativo brasileiro.
“Enquanto negra, acabamos ascendendo e percebendo que somos a única em muitos lugares. No ambiente corporativo, se isso é praticado, é muito nocivo. Por isso no MOVER, temos iniciativas para minimizar esse ponto”, conta.
Desde sua fundação, o MOVER se empenho em contruir uma base de diretrizes para guiar o caminho da diversidade racial dentro das companhias, incluindo ações para promoção de um ambiente seguro, criação dos já mais tradicionais grupos de afinidade e até construção de uma agenda de marketing efetiva sobre a cultura de inclusão – um passo mais adequado para aquelas companhias que estão mais avançadas nesta agenda. “Sabemos que combater algo estrutural não é da noite para o dia, e o resultado às vezes demora para aparecer”, explica Rodrigues.
Parte da busca pela solução são as trocas entre as equipes de ESG e recursos humanos das companhias e a associação. Além de fóruns trimestrais com os líderes, o MOVER ainda realiza reuniões individuais para entender os avanços – e retrocessos – em cada companhia. “Antes de implementar qualquer ação de impacto social, é preciso que a população negra esteja saudável na empresa.”
Assim, o movimento incentiva a criação de redes de apoio, aquilombamento e networking entre os funcionários negros, onde podem se auxiliar no processo de enfrentamento do racismo.
A saúde mental dos profissionais pretos frente às sutilezas do racismo corporativo é uma das prioridades do MOVER. “Ouvir as microagressões -- como o sutil 'Você que é da limpeza?', até ações mais concretas e explícitas, como ‘Seu cabelo ficaria tão mais bonito liso’ -- levam você a duvidar do seu potencial”, conta.
Por isso, criar espaços seguros para a denúncia de casos de racismo, assim como tratar de que as agressões não impactem o psicológico dos profissionais, está entre os objetivos do Movimento pela Equidade Racial.
“As pessoas não pedem ajuda com medo do que vai acontecer depois. O empoderamento, o autocuidado e o trabalho com o RH ajudam a receber isso de forma melhor, lidando com uma camada que antes era ignorada.”
Para mulheres, esse impacto é ainda pior. Além das maiores taxas de desemprego -- acima mesmo da média nacional --, elas são minoria na liderança executiva e as principais responsáveis pelo sustento da própria família. Mas não é por falta de vontade ou interesse.
“As mulheres estão aí e querem fazer, mas é preciso promover o acesso e disponibilizar oportunidades para que elas cheguem lá. Antes da estrutura racial, temos o machismo”, explica Rodrigues. No programa MOVER Hello, que oferece bolsas de inglês gratuitas, cerca de 60% dos inscritos eram mulheres. Já no Educatech, voltado para o ensino de tecnologia, elas foram 52% dos inscritos.
A solução mágica para a desigualdade racial, infelizmente, ainda não existe. Luciene acredita que o processo inclui olhar mais de perto as ações das empresas. Em 2025, a organização busca um acompanhamento individual de cada funcionário contratado a partir das ações do MOVER, o que pode ajudar a desenhar melhor os direcionais e acompanhar os resultados com propriedade.
Responsabilizar quem surfa nos privilégios também é uma das – difíceis – tarefas. Para Luciene, a mudança não deve cair sobre o colo dos negros: quem precisa dar o pontapé na mudança de hábitos são as pessoas brancas, aqueles que são aliados e têm poder de decisão e liderança. “É necessário conscientizar quem já está na liderança para que se tornem agentes da transformação. As pessoas estão cansadas. Quem vai ser o responsável por isso? Quem vai fazer a agenda mover?”, questiona.