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CEO da Mondelez e membro do Mover: Sem equidade racial, Brasil não crescerá na máxima potência

Em entrevista exclusiva à EXAME, Liel Miranda compartilha a jornada para a compreensão do racismo estrutural no Brasil e seu posicionamento antirracista: "equidade racial amplia o conceito meritocracia e foca em habilidades importantes nas empresas e na sociedade"

Liel Miranda, presidente do Mover (Selmy Yassuda /Divulgação)

Liel Miranda, presidente do Mover (Selmy Yassuda /Divulgação)

Marina Filippe

Marina Filippe

Publicado em 12 de janeiro de 2023 às 06h02.

Última atualização em 16 de janeiro de 2023 às 09h55.

"Eu sou um homem branco, CEO de uma empresa de presença global, e reconheço que só percebi a dimensão do racismo no Brasil há pouco tempo", escreveu Liel Miranda, porta-voz do Movimento pela Equidade Racial, que conta com 47 grandes empresas, e da fabricantes de bens de consumo Mondelez em um artigo exclusivo publicado na EXAME.

Por mais necessária que seja a constatação de Miranda, não são muitos os CEOs que tem a coragem de admitir o tamanho da desigualdade racial no Brasil, especialmente quando se olha para presença de pretos e pardos em cargos de liderança nas empresas. 

Em 2017, quando o então presidente da Bayer no Brasil, Theo van der Loo, abordou no LinkedIn o racismo na seleção de emprego, muitos elogiaram o posicionamento claro -- e inédito. Contudo, o problema não foi resolvido e ficou evidente em situações como o assassinato de João Alberto Freitas em uma loja da varejista Carrefour, em Porto Alegre (RS). "Naquela tragédia as empresas sentiram necessidade de se posicionar e ser parte da solução do racismo estrutural", diz Liel Miranda.

Em entrevista à EXAME, o executivo detalha a estrutura do Mover, as conquistas e os objetivos. Miranda também aponta como a equidade racial é boa para os negócios e para a sociedade, assim como a evolução da sua percepção e práticas no tema.

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"Naturalmente, há tempos percebo a dicotomia entre os 56% de pessoas negras no país e a baixa diversidade racial na liderança das empresas. Mas, isto era mais uma coisa que estava na minha cabeça, mas sem uma ação tão prática. O Mover foi o catalizador para entender o racismo estrutural e desempenhar um papel de aliado", afirma. Leia a entrevista completa:

Como o senhor se envolveu no Mover?

O Mover nasceu, em novembro de 2020, logo após tragédia que aconteceu no Carrefour -- a morte de João Alberto Freitas em uma loja de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul -- e foi um movimento espontâneo das empresas que sentiram a necessidade de se posicionar. Ali, quisemos entender como poderíamos ser parte da solução do racismo estrutural.

Assim, treze empresas que tinham algum nível de relacionamento em outras causas sociais, se uniram e assumiram que o problema existe e precisa ser resolvido. As empresas também tinham alguma prática de inclusão, como trainee para negros, ou programa de recrutamento que olhasse para a diversidade. Mas, a conclusão era que cada empesa sozinha conseguia muito pouco, e a união era necessária. Hoje são 47 empresas que, claramente, se posicionam contra o racismo estrutural.

Na prática, como o Mover combate o racismo estrutural?

A primeira coisa que fazemos é compartilhar boas práticas. Algumas já têm programas de inclusão há anos, outras estão começando, e juntas elas dividem os aprendizados de tal modo que tornou possível criar os dez princípios que norteiam o Mover. 

A segunda coisa é que nos comprometemos a criar mais vagas de liderança para pessoas negras. Atualmente, o compromisso é com 10 mil vagas de liderança para até 2030. Hoje 56% da população brasileira se autodeclara negra. A maioria das empresa têm cerca de 40% de colaboradores negros no quadro geral, mas na liderança isto é menos de 10%, algo que precisa mudar.

A terceira iniciativa é que essas empresas fizeram um fundo de 15 milhões de reais por ano para investir na capacitação de pessoas negras para que eles possam estar melhor preparadas no mercado de trabalho. O investimento é focado em capacitação em inglês e tecnologia. Em 2022 investimos para capacitar 20 mil pessoas. Agora, acabamos lançar nosso primeiro edital, através do fundo Baobá que é especializado em equidade racial, para treinamento e capacitação.

E tem um quarto pilar: das 47 empresas, a maior parte são de grande porte e podem impactar a cadeia produtiva. Por isto, acreditamos na conscientização e formação da sociedade brasileira. As empresas têm, juntas, mais de 1,2 milhão de colaboradores. Agora vamos tentar chegar a 100 empresas para termos o dobro de vagas de liderança, o dobro de impacto e de letramento.

Qual a importância do CEO ser o represente da empresa no Mover?

Os CEOs participam de uma reunião presencial, voluntária, uma vez a cada três meses. Neste momento a empresa anfitriã do encontro apresenta um case, e todos compartilham boas práticas. Só pode ser o CEO para não deixar o tema delegado para outra pessoa da companhia. Entendemos que a liderança mais sênior tem que estar comprometida com a temática para uma ação bem sucedida.

Além do grupo de 47 companhias, há um conselho [do qual Miranda exerceu o mandato até dezembro de 2022] com seis CEOs e membros da sociedade civil, como o Prof. José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares e a Nina Silva, fundadora do Movimento Black Money. O conselho se reúne uma vez por mês e é responsável pela gestão do Mover. Além disso, temos a Marina Peixoto como diretora executiva, uma das pessoas 100% dedicada ao Mover.

Qual a importância do Mover para a sua percepção sobre ser de fato antirracista?

O Mover definitivamente contribuiu para esse posicionamento. Acho que, até em nome dos outros CEOs, nenhum de nós tinha o conhecimento do que é o racismo estrutural no Brasil, nem os desafios das empresas para representarem melhor a diversidade do país.

O movimento nasceu da indignação e da conclusão de que precisávamos fazer algo. Essa não é uma pauta do governo ou das entidades da causa racial, é uma questão de todos os brasileiros. O Brasil não crescerá na máxima potência se não houver equidade racial entre todos os brasileiros.

Qual o seu entendimento pessoal sobre a importância da equidade racial?

A equidade racial não é boa apenas para os negros, ela é boa para o Brasil. Por exemplo, se a empresa não tem equidade racial, ela não representa os consumidores do país. E como atender bem o cliente sem representar a realidade? E já esta provado por estudos de grandes consultorias, como McKinsey, que grupos e times diversos são muito mais efetivos, inovadores e flexíveis quando há equidade e diversidade.

E mais, com isto, se incorpora na economia um contingente de pessoas que não estão consumindo efetivamente. Isto é bom para o Brasil do ponto de vista econômico, e é fundamental do ponto de vista social para mitigar a desigualdade social e suas vertentes na saúde, educação e segurança.

O que mudou na Mondelez desde o início do Mover?

Todas as empresas do Mover mudaram algo. Na Mondelez, o programa de trainee exclusivo para a equidade racial é um exemplo. Outro ponto é o inglês, que passou a ser exigido apenas para posições na qual a segunda língua é realmente necessária. Se não é, abrimos a possibilidade para que as pessoas aprendam inglês quando já são funcionárias da companhia.

Quando falamos da flexibilização para as vagas, há quem pense que está "baixando a régua". Como mudar esse vies? 

Quando fazem isto, as empresas não baixam a régua, elas abrem as portas. Assim se passa a olhar para pessoas que são empreendedoras, inovadoras e resilientes. Isto eleva a valorização de soft skills que não estavam tão presentes nas empresas. Por exemplo, se você pegar alguém que estudou em escola pública e trabalhou para pagar a faculdade, está escolhendo alguém com capacidade de transformação e pronta para enfrentar desafios. A equidade não é contraditória a meritocracia. Ela amplia o conceito de meritocracia para habilidades que são mais importantes para as empresas hoje.

Há também uma questão de orçamento dedicado para a inclusão, certo?

É um investimento em talentos. A guerra por talento é um problema para todas as empresas. E, se você não está aberto para atrair pessoas negras, está restringindo os talentos que pode ter. O investimento  se paga muito rapidamente ao tornar a empresa mais diversa e competitiva.

Como é para o senhor, como homem, branco e líder, fazer parte da discussão antirracista?

No Mover, a maioria dos CEOs são homens brancos. O ponto central é que estamos nessa posição de poder e precisamos abrir as portas. Se a gente não criar condições para que as empresas sejam mais diversas, a equidade não vai acontecer tão facilmente. O nosso papel é o de aliado, de permitir que o acesso seja dado e o desenvolvimento aconteça para que as pessoas negras sejam os/as futuros (as) CEOs das empresas.

Antes, eu imaginava que a questão de equidade racial era um problema de políticas públicas. Depois, entendi que toda a liderança tem de ser protagonista nesse processo. Aprendi que esse é o projeto de uma sociedade, com governos, empresas, organizações da sociedade civil e mais.

E quando essa percepção mudou de fato?

Ao longo da vida tive algumas experiências que me fizeram valorizar a diversidade. Primeiramente, sou do interior do Mato Grosso do Sul, de uma cidade com 20 mil habitantes, o que me faz entender que há muitos "brasis", e que há talentos no país todo. Outra questão foi ter morado no Canadá e na Inglaterra, locais onde a equidade racial é mais abordada, também devido ao grande número de imigrantes.

Naturalmente, há tempos percebo a dicotomia entre os 56% de pessoas negras no país e a baixa diversidade racial na liderança das empresas. Mas, isto era mais uma coisa que estava na minha cabeça, mas sem uma ação tão prática. O Mover foi o catalizador para entender o racismo estrutural e desempenhar um papel de aliado.

O que se espera do Mover neste ano?

Todas as empresas têm metas para atingir as dez mil posições que anunciamos. Além disto, vamos ter mais dois editais em parceria com o Fundo Baobá para chegarmos a três milhões de pessoas capacitadas. Outro ponto é intensificar o uso de um aplicativo que desenvolvemos para o letramento racial dos funcionários nas empresas parceiras. Por fim, estamos comprometidos a dobrar o número das associadas ao Mover e chegar em 100 participantes.

Qual a dica para quem quer começar a se envolver no tema?

Há quem pense que o assunto difícil demais ou que a empresa não é grande o suficiente para tratar da equidade de forma estruturada, mas é importante começar. Há muitos parceiros para ajudar na evolução do tema, e o Mover é um deles.

É importante também entender que a mudança é possível. Há alguns anos parecia difícil imaginarmos 50% de mulheres na liderança. Hoje, na Mondelez elas são 51% e sabemos do impacto positivo que isto tem na companhia. E, com a equidade racial não será diferente.

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