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Carlos Nobre: nova economia na Amazônia também precisa de capital privado

Cientista avaliou papel de empresas e investidores na promoção de um novo modelo econômico no principal bioma do mundo. Para ele, corporações são resposta para tirar bioempreendedores do chamado "vale da morte"

Brazilian climatologist Carlos Nobre poses for a picture during an interview with AFP at the Vatican on October 10, 2019. - Carlos Nobre is calling for a bioeconomic plan to save the Amazon by drawing on its wealth of berries and nuts, an idea championed at a key Vatican summit. "The Amazon has great economic potential", said Nobre, who has studied the tropical habitat for 40 years and contributed to a scientific report for the special three-week assembly of Catholic bishops on the Pan-Amazonian region. (Photo by Tiziana FABI / AFP) / TO GO WITH AFP STORY BY KELLY VELASQUEZ AND CATHERINE MARCIANO (Photo by TIZIANA FABI/AFP via Getty Images) (Tiziana FABI/AFP)
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Maria Clara Dias

Publicado em 27 de abril de 2021 às 08h00.

O Brasil tem ainda um longo caminho a percorrer quando se fala em preservação ambiental. Apesar das recentes alegações de que seria capaz de extinguir completamente o desmatamento ainda na próxima década, falta sintonia entre o discurso e ação. Essa é a opinião de Carlos Nobre, cientista e climatologista e uma das principais autoridades nos estudos climáticos sobre o bioma amazônico. Segundo o especialista, o discurso de Jair Bolsonaro durante a Cúpula do Clima , que aconteceu na última semana, foi o oposto de um comprometimento sólido. “Não houve nenhuma novidade. O Governo veio ignorando a meta de zerar desmatamento até pelo menos 2010, e o cenário foi de total ignorância a respeito das metas ambientais nestes últimos 2 anos e 4 meses. O desafio é imenso”, avaliou.

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Para Nobre, não se trata apenas do cumprimento das metas assumidas durante o Acordo de Paris. Ao falar sobre preservação na Amazônia, o desmatamento não deve ser, nem de longe, o único foco das autoridades. A palavra de ordem, segundo ele, deve ser bioeconomia. “Quando pensamos na criação de um novo modelo econômico a partir da biodiversidade, temos de entender que é um desafio nacional”, diz. “Todos os outros biomas do Brasil também têm pouco desse potencial explorado. Temos que mudar a rota por aqui”.

O novo modelo econômico, pautado na exploração consciente dos recursos da floresta, será atrelado à necessidade de um volume gigantesco de investimentos privados para chegar até a fase de escala. Essa será a lógica aplicada à maioria das pequenas empresas, startups e negócios conduzidos por produtores da região. Mas, a injeção de capital vinda de empresas só será possível depois de um mínimo incentivo por parte do Estado.

Na prática, isso significa que, para estarem aptos a receberem os subsídios corporativos que encurtam o caminho entre os produtos e soluções regionais e o mercado nacional, os empreendedores da Amazônia precisam de um subsídio inicial do setor público. “O setor público é responsável pelo incentivo na ponta, no início desses ecossistemas de inovação, sejam eles institutos ou universidades", diz.

A explicação de Nobre está baseada no que o ecossistema de empreendedorismo brasileiro chama de “vale da morte”, período em que uma empresa sobrevive sem qualquer retorno financeiro - geralmente associado ao início da companhia. Na visão do cientista, o ecossistema de negócios sustentáveis no Brasil tem um vale da morte a mais. Este, segundo Nobre, surge depois da fase de estruturação, e é enfrentado por empresas que precisam dar um passo adiante no mercado.

“Primeiro, o setor público investe em pesquisa básica e aponta para as tendências e potenciais perspectivas com base em novos conhecimentos (primeiro vale) e o setor privado transforma isso em algo que pode gerar valor econômico e faz com que a ideia chegue aos mercados (segundo vale)”, diz.

Nobre diz que nos países desenvolvidos, 85% dos custos de pesquisa para a criação e distribuição de produtos de inovação são despendidos por laboratórios de pesquisa do setor privado. No Brasil, grande parte desse montante vem da filantropia, majoritariamente ligada a doações do setor privado. “Temos a esperança de que a partir de agora, o Governo também comece a fomentar e apoiar o avanço dessa bioeconomia”, diz.

Para despertar a atenção de grandes companhias sobre o assunto, Nobre se uniu a um projeto da plataforma Grape ESG, que lançou um documentário sobre a exploração consciente da floresta. O filme, que leva o nome “Amazônia 4.0”, fala sobre o projeto de pesquisa de Nobre, que defende o desenvolvimento e estabelecimento da bioeconomia brasileira a partir da incorporação de tecnologias da quarta revolução industrial no bioma. A ideia é mostrar que há uma “terceira via” produtiva e sustentável para a Amazônia que foge das tradicionais lógicas de exploração desenfreada e conservação total da floresta.

“Queríamos mostrar para as empresas que sustentabilidade não é custo, mas sim criação de valor. Chamar especialistas e criar um produto diferente do que vemos por aí foi a nossa aposta”, disse  Ricardo Assumpção, presidente da Grape ESG e produtor executivo do documentário. “Não queremos esconder o desmatamento e as queimadas, mas mostrar as oportunidades ímpares para criação de valor para aquelas marcas que souberem aproveitar a Amazônia de maneira sustentável e inteligente”, disse.

Entre as principais propostas do Amazônia 4.0 está a criação de laboratórios científicos para o desenvolvimento de pesquisas, tecnologias e geração de conhecimento em bioeconomia. Um deles, em São José dos Campos (SP), já está 80% concluído e foi levantado a partir de capital filantrópico, segundo Nobre.

A princípio, quatro comunidades irão receber a capacitação do Amazônia 4.0, que será viabilizada pelo financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Serão realizados treinamentos a moradores de comunidades e estudantes para a produção de itens relacionados à cadeia do cupuaçu e cacau.

No momento, o  projeto está em busca dos recursos faltantes para o desenho e construção dos outros três laboratórios previstos. “Conseguimos 75% de todo o capital necessário para os primeiros trabalhos de campo. Estamos agora em uma busca ativa pelos 25% de recursos restantes”, diz.

Impulsionando a bioeconomia

O climatologista coordenou um recente estudo do Instituto de Engenharia sobre Amazônia que apresentou as ações recomendadas ao Brasil para avançar na bioeconomia. O caderno propõe uma “reindustrialização” que adote a bioeconomia como prioridade, com mudanças em governança,  criação de uma Política Nacional de Bioeconomia pelo Governo Federal, e a criação de um Conselho Nacional da Bioindústria que tenha como atribuição central a promoção da competitividade da indústria do setor.

Um outro compromisso sugerido está no apoio à Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), promovendo o avanço estrutural de entidades e parques tecnológicos que transformem as inovações em produtos e serviços de alto valor agregado a partir do investimento em educação, infraestrutura, e melhores incentivos para atração de capital privado no setor. “Precisamos de recursos, públicos ou privados.  Do contrário, não conseguiremos destravar o potencial da bioeconomia na Amazônia, nem até 2030 nem em momento algum”, diz.

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