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Orçamento e teto de gastos serão os desafios fiscais em 2023

Para economista, próximo governo precisa ter uma política fiscal responsável, previsível, que ancore as expectativas de inflação e estabilize a taxa de juros neutra

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Palacio do congresso Nacional - Brasilia - DF 
Capital do Brasil - Politica

Foto: Leandro Fonseca
data: 16/08/2022 (Leandro Fonseca/Exame)

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Mariam Dayoub*

Publicado em 1 de outubro de 2022 às, 12h09.

Neste domingo (2), o Brasil vai às urnas para eleger presidente, governador e o novo Congresso. Na economia, entre os desafios que o próximo mandatário do país enfrentará, dois bastante importantes são da área fiscal, em ambiente de condições financeiras domésticas e externas mais apertadas.

O primeiro será o Orçamento para 2023. O segundo, endereçar a sustentabilidade fiscal de médio e longo prazo.

Surpresas fiscais positivas permearam o noticiário em 2021 e 2022. Tais melhoras, todavia, são de natureza cíclica e podem ser largamente associadas ao “imposto inflacionário”, às receitas não recorrentes, como dividendos e privatizações, e à alta nos preços de commodities.

Segundo as Estatísticas Fiscais elaboradas pelo Banco Central, em 2021, o efeito do crescimento nominal do PIB tirou 12,4 pontos percentuais da razão dívida/PIB e, no acumulado até julho, 5,3 pontos percentuais. Com isso, a razão dívida/PIB caiu de 88,3% em 2020 para 80,3% em 2021 e 77,6% em julho de 2022, acima da média de 65% para países emergentes. Projeções de queda gradual dessa razão ao longo do tempo requereriam o cumprimento do teto de gastos e a geração de superávit primário a partir de meados da década.

 “Nada é tão permanente quando um programa temporário de governo” (Milton Friedman)

Com relação ao Orçamento de 2023, na elaboração da peça, alguns itens não foram incluídos e outros serão desafiados. Entre os primeiros, vale destacar que, por falta de lastro legal, a previsão de despesas com o programa Auxílio Brasil não incluiu o aumento do benefício mensal médio de R$ 400 para R$ 600 e a expansão do universo de assistidos em 2,2 milhões para 20,4 milhões, o que teria um custo extra aproximado de R$ 60 bilhões.

Entre os segundos, destacam-se:

1) após congelamento desde 2018, os salários dos servidores serão reajustados em 5% a um custo de R$ 11,6 bilhões, porém, caso a alta fosse de 18%, como o concedido para os servidores do Judiciário, o custo aproximado seria de R$ 40 bilhões;

2) a renovação da redução de impostos federais sobre combustíveis, com custo de R$ 52,9 bilhões;

3) a perda de R$ 27 bilhões de receita com a redução de 35% do IPI sobre 170 produtos fabricados no Brasil, dos quais R$14 bilhões são a parte do governo federal.

O cerne do segundo desafio está no teto de gastos. Lembremo-nos que o país enfrentou severa crise econômica, social e política entre 2014 e 2016. O cerne dessa crise foi a deterioração fiscal e, portanto, sua solução ensejou medidas fiscais que começaram a ser implementadas no governo do presidente Michel Temer. Entre elas, a principal ferramenta de estabilização econômica foi a promulgação do teto de gastos, mecanismo de ajuste fiscal gradual bem aceito pelo mercado.

Porém, desde a pandemia, a nova âncora fiscal brasileira sofreu inúmeros ataques. Entre os últimos, destacam-se a PEC dos Precatórios em 2021 e a PEC dos Benefícios em 2022. E, como o cumprimento da regra teto em 2023 será difícil, candidatos à Presidência falam em revisá-la ou revogá-la. Assim, o próximo presidente terá de apresentar uma nova âncora fiscal que garanta a sustentabilidade das contas públicas a médio e longo prazos e que tenha credibilidade junto ao mercado.

O dinheiro é fungível, mas nem tanto nas finanças públicas

Em 31 de dezembro de 2023, expira a Desvinculação de Receitas da União (DRU), cuja extensão foi aprovada no governo do presidente Temer, permitindo que 30% das receitas de todos os impostos e contribuições sociais federais fossem remanejadas. Esse mecanismo, cuja raiz está no Plano Real, visa reduzir o engessamento das despesas previstas no orçamento, já que quase 90% dos recursos arrecadados tem o gasto vinculado. Essa realidade gera grande ineficiência, pois, quando faltam recursos para uma área, o governo não pode remanejar receitas que já estão carimbadas e tem que elevar o endividamento público.

Uma ideia para lidar com a rigidez do orçamento seria sua desvinculação total, dando maior flexibilização orçamentária ao governo e permitindo-lhe controlar melhor suas contas. Essa política pública, todavia, teria de ser combinada com reformas dos gastos obrigatórios, que representam cerca de 94% das despesas totais (45% com benefícios previdenciários e 20% com pessoal e encargos sociais, daí a importância da reforma administrativa).

Vale notar que essa parcela não é maior por causa da reforma da Previdência de 2019, do fim da política de reajustes reais ao salário-mínimo a partir de 2017 e da suspensão de reajustes salariais para o funcionalismo desde 2019. Tamanha é a rigidez do Orçamento que, na proposta orçamentária de 2023, dos R$ 2,32 trilhões em despesas primárias, restaram R$99 bilhões para despesas discricionárias, como os investimentos.

Com relação aos entes subnacionais, uma desvinculação total do Orçamento preservaria as transferências constitucionais do governo federal para Estados e municípios, estimadas em R$ 453 bilhões na proposta orçamentária de 2023. Ademais, outra fonte de receita para esses entes são as emendas parlamentares, que são de execução obrigatória e, no Orçamento de 2023, totalizam R$ 38,8 bilhões (R$ 7,7 bilhões de bancada; R$ 11,7 bilhões individuais; e R$ 19,4 bilhões de relator-geral, conhecida como RP9).

Apesar de serem fontes adicionais de recursos aos entes subnacionais, elas acentuam inequidades, como mostrou a reportagem de 2020 “Desertos políticos”, de O Estado de São Paulo, com 522 cidades, onde vivem 13 milhões de pessoas, ficando de fora da distribuição de recursos federais por falta de representantes no Parlamento. Também falta transparências à execução das emendas de relator. Por fim, em ambiente de severa restrição orçamentária, é necessário aumentar a eficiência do gasto público.

“O Banco Central é passageiro, o piloto é o fiscal” (Roberto Campos Neto, 24/08/2020)

Os primeiros 100 dias do próximo governo, conhecidos como “lua de mel”, precisam ser utilizados com sabedoria, priorizando o encaminhamento desses desafios fiscais e, assim, tirando essa incerteza do horizonte. O prêmio Nobel Christopher Sims foi enfático em uma apresentação de que participei há alguns anos: sem metas fiscais conhecidas e executadas, o nível de preços de uma economia fica indeterminado.

Com uma política fiscal responsável, previsível, que ancore as expectativas de inflação e estabilize a taxa de juros neutra da economia, o Banco Central poderia, em 2023, iniciar um processo de flexibilização da taxa de juros, sustentando uma retomada cíclica do crescimento mais adiante. Para além dos 100 dias, é imperativo perseverar na agenda de reformas.

*Mariam Dayoub é economista-chefe e cientista de dados da Grimper Capital.

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