Mundo vive evolução tecnológica, e Brasil pode exercer liderança, diz especialista
Autor de livros sobre o tema, Ricardo Cavallini aponta necessidade de investimentos em educação para mudanças estruturantes
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Publicado em 17 de julho de 2024 às 10h44.
Educação e tecnologia são complementares, e a relação entre ambas é indispensável para o desenvolvimento de qualquer nação. Para despontar como potência nos próximos anos, é preciso que o Brasil encontre a “sua verdade” no processo de evolução tecnológica exponencial dos tempos atuais. O argumento é de Ricardo Cavallini, autor de livros que abordam tecnologia, negócios e comunicação e embaixador da publicação MIT Sloan Management Review Brazil. Segundo ele, o País tem capacidade principalmente para liderar o desenvolvimento de soluções na área de energia.
“Nós temos uma vantagem em relação ao resto do mundo. Inteligência artificial [IA] consome energia de uma maneira feroz. Será que não pode ser um diferencial para o Brasil?”, refletiu o especialista, que concedeu entrevista exclusiva à Esfera Brasil sobre como enxerga o futuro.
Abaixo, o bate-papo na íntegra:
Com as mudanças estruturais da sociedade, o que será da educação no Brasil nos próximos 10, 20 e 30 anos?
A gente está cansado de falar que educação é o futuro, a única forma para quase todos os problemas estruturais do Brasil. A gente vai acabar caindo nessa questão ao falar de violência, de emprego. Nós estamos em um ponto em que estamos sentindo de maneira muito radical o fato de o Brasil, como nação, não ter investido corretamente em educação.
Estamos chegando no limite. Se a gente não começar a trilhar o caminho correto, a gente vai chegar a um ponto de não retorno. Vivemos uma evolução tecnológica exponencial. As coisas estão mudando radicalmente em um espaço muito curto de tempo. Se a gente não corrigir a rota do Brasil na educação, a nossa distância, que já é grande em relação ao resto do mundo, vai ser tão absurda,que não vai ter como acompanhar.
Educação e tecnologia combinam?
Não só combinam, como é essencial. Perder empregos ou poder gerar empregos, estar mais ou menos competitivo no mercado, para tudo isso a tecnologia é fundamental. Eu falo de tecnologias que permitem serem utilizadas para fazer algo novo. É um ponto relevante. Porque é muito comum, principalmente em escolas, quando a gente fala em tecnologia, acha-se que tecnologia é ter um computador por cada aluno, ter uma lousa digital. Vejo diferença grande de usar tecnologia como usuário, para usar de maneira passiva, e de usar a tecnologia de maneira ativa, para mudar o mundo à nossa volta. Muitas escolas particulares hoje estão colocando a educação juntamente com uma impressora 3D ou uma plataforma eletrônica. Eu posso usar isso para criar uma solução, criar um serviço ou produto, mudar algo que não está bom. É nesse sentido: usar a tecnologia para empoderar as pessoas a mudarem o mundo à nossa volta para melhor.
Quais são os principais pontos de atenção em relação à inteligência artificial no Brasil? Tem alguma coisa que não está no radar da sociedade e que pode vir a se tornar um problema?
Todos nós, seja um executivo, um gestor, seja alguém dos Três Poderes, precisamos entender que precisamos fomentar a tecnologia para trazer o lado bom, como fomentar novos empregos, para aumentar a qualificação, a produtividade. Não importa se estou falando de um gestor de uma empresa ou alguém do Legislativo. E, ao mesmo tempo, a questão é como que eu olho para possíveis problemas que essa tecnologia vai trazer.
Questões éticas, morais, questões práticas, que podem tirar emprego, gerar um problema ou risco. Essas duas coisas têm que ser feitas simultaneamente. Se eu olho só para o perigo, eu vou criar regras ou empecilhos que vão proibir a inovação e dificultar a produtividade. E, ao mesmo tempo, se eu olho só para o lado positivo, eu vou estar ignorando todos os problemas que a tecnologia pode trazer. As pessoas precisam entender os riscos e possibilidades. A tecnologia será usada para duas frentes, e a gente precisa trabalhar as duas simultaneamente.
Quais são os desafios éticos e morais da inteligência artificial?
Muitas empresas estão olhando para a IA e pensando: ‘O que posso fazer melhor do que eu faço hoje?’. Eu gostaria muito que as empresas olhassem para a IA e pensassem o que podem fazer hoje que não poderiam fazer antes. Criar novos produtos e serviços que terão um impacto muito maior na sociedade do que melhorar incrementalmente o que a gente faz hoje.
É possível comparar o cenário de tecnologia no Brasil a experiências internacionais de destaque, como Estados Unidos e países desenvolvidos da Europa, em relação aos atrasos tecnológicos?
Está todo mundo atrasado. Alguns países do mundo, como China, EUA, Alemanha, Inglaterra e Índia estão investindo bilhões de dólares todos os anos em tecnologias como computação quântica e inteligência artificial. Quando a gente compara países como o Brasil com esses outros países, a distância é gigantesca.
O Brasil não tem essa quantidade de dinheiro que EUA e China têm para investir, por exemplo. Vamos ter que achar a nossa verdade e descobrir o que o Brasil pode fazer de diferente do mundo. Nós temos muita coisa boa. Eu posso citar a questão da energia. Nós temos uma vantagem em relação ao resto do mundo. Inteligência artificial consome energia de uma maneira feroz. Será que não pode ser um diferencial para o Brasil? Outro exemplo: você tem alguém que pode levantar a bandeira da sustentabilidade? Somos nós. O mundo está indo para [um modal] elétrico em diversas camadas, e diversos países estão entendendo como armazenar energia. Existe um universo de coisas que a gente poderia fazer que o Brasil pode ter vantagem competitiva em comparação com o resto do mundo. Precisamos colocar dinheiro, esforço e carinho, mas precisamos estrategicamente descobrir onde que o Brasil pode ter um diferencial.
Você tem medo do futuro?
Hoje, a gente tem menos guerras, menos doenças, menos pessoas morrendo de fome. Mesmo com a pandemia, se a gente comparar com outros períodos, o mundo está muito melhor. A única coisa que a tecnologia não resolve é a desigualdade. Ela está chegando em um limite muito perigoso. À medida que empresas valem trilhões, essa desproporção só aumenta.