O que vale é a força da economia
Receber o grau de investimento é uma boa notícia - mas nada ficou melhor ou pior desde então. O que realmente vai fazer a diferença é a saúde da economia no mundo real
Da Redação
Publicado em 18 de março de 2010 às 14h14.
O Brasil que existia até o dia 30 de abril, quando recebeu da agência de avaliação Standard & Poor’s o grau de investimento, é exatamente o mesmo do dia seguinte, de hoje e do futuro mais próximo. A capacidade que tem de pagar seus débitos também é a mesma antes e depois. O que havia de positivo na economia brasileira continua positivo, e o que havia de negativo continua negativo. Nada, em resumo, ficou muito melhor - nem pior, felizmente. Esse parece ser, para o bem geral do país, o pensamento predominante nos círculos econômicos. É verdade que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em mais um desses discursos que vem fazendo em seu passeio sem fim do Oiapoque ao Chuí, disse que "o Brasil vive hoje um momento mágico" e que a aprovação da Standard & Poor's significa que agora, enfim, nos tornamos um "país sério". Mas o presidente está no seu papel de propagandista número 1 de si próprio e de seu governo; se reage dessa forma mesmo diante das piores notícias, é claro que não vai perder a oportunidade de festejar uma notícia boa. O que importa é que o Brasil das realidades, hoje em dia, parece mais imunizado em relação a bonanças ilusórias - e já não acredita que um pedaço de papel assinado em Nova York tenha força, por si só, para mudar grande coisa.
Receber o grau de investimento é bom? Sem dúvida, principalmente quando se considera que sempre seria pior não recebê-lo ou ser rebaixado. Trata-se, além disso, de uma mudança na ladainha habitual. Em geral, quando sai alguma lista de avaliação internacional - e seja lá o que estiverem avaliando a nosso respeito - , o Brasil está sempre ali, naquela mesma turminha, entre um cafundó e outro perdido num fundão de África. Lista após lista, o país não sai do manual das piores práticas em vigor no planeta: corrupção, ambiente negativo para negócios, insanidade da burocracia, concentração de renda, má qualidade da educação, miséria, queima de florestas e por aí afora. Não quer dizer grande coisa, pois o Brasil real está longe de ser essa desgraça toda; em todo caso, para variar, desta vez não estão dizendo que estamos no fundo do poço. Já é alguma coisa. Isso dito, é bom não perder de vista alguns fatos básicos.
Dos 22 graus disponíveis nos sistemas de avaliação da Standard & Poor’s, o Brasil foi promovido ao número 13 - o mínimo possível para ter o grau de investimento, ou BBB-, no linguajar dos avaliadores. Faltam ainda mais nove graus para chegar ao topo, o AAA, habitado exclusivamente por gente seriíssima; o Brasil, por enquanto, é apenas sério, como lembra o presidente Lula. No modesto BBB- que nos atribui a agência, estamos junto da Romênia e abaixo de países como a Tunísia, que não chega a impressionar como potência econômica, ou a África do Sul; ficamos muito abaixo do Chile, que é um bonito A+, cinco lugares à frente, para citar um país companheiro da América Latina. Quanto à primeira divisão, mesmo, onde só jogam times AAA, melhor nem pensar; ali sim, só com mágica. Outra questão a levar em conta é a necessidade de avaliar os avaliadores. A Standard & Poor’s e suas colegas no ramo de negócios, como a Moody’s ou a Fitch Ratings, dão a impressão de já terem vivido dias melhores. É certo que no momento não parecem nenhuma esquadra inglesa - não depois de terem dado sua bênção à seriedade e à segurança de instituições envolvidas até o talo num dos maiores micos de que se tem notícia na história econômica moderna, a crise do subprime no mercado americano de hipotecas. É verdade, ao mesmo tempo, que não há na praça outras agências de avaliação com o seu porte - e, na falta de alternativas, os investidores têm de se orientar por elas na hora de calcular o risco de suas aplicações.
O efeito prático mais visível dessas avaliações, que pode ou não acontecer, é o aumento no volume dos investimentos estrangeiros no Brasil. Muitos fundos financeiros internacionais só podem aplicar recursos em países dotados do grau de investimento; a partir de agora, em sua nova condição de BBB-, o Brasil torna-se tecnicamente apto a receber aplicações desses investidores. Vai receber mesmo? É coisa ainda a ser vista. Para as empresas multinacionais que há anos ou décadas vêm investindo no Brasil segundo uma lógica adequada a seus negócios, e para os fundos de investimento que não têm restrições para aplicar seus recursos, a avaliação da S&P é indiferente; vão aumentar, manter ou reduzir os investimentos que fazem aqui de acordo com seus planos e interesses. Para os demais, a promoção conferida ao país significa que, pelo menos na opinião da agência, diminuiu-se o risco de não receberem os frutos de suas aplicações por pane na capacidade brasileira de pagamento; se tais aplicações vão resultar ou não em bom negócio, isso já é outra história. No fim das contas, como sempre, o que vai mesmo fazer diferença é a saúde, o dinamismo e a eficácia que a economia brasileira for capaz de demonstrar no mundo das coisas reais. É aí que o jogo verdadeiro é jogado.
Era feliz e não sabia
A apresentação da ministra Dilma Rousseff no Senado Federal, na semana passada, foi mais uma amostra perfeita da prodigiosa irrelevância do debate político no Brasil de hoje. Por tudo o que se falou ao longo do último mês, com governo e oposição travando o que descreviam como o mais "importante" confronto de forças jamais travado no plenário da casa, era até possível, quem sabe, que talvez saísse alguma coisa dessa história toda. Mas de onde menos se espera é de onde não sai nada mesmo, e mais uma vez a escrita do Barão de Itararé foi confirmada - as 9 horas seguidas que a ministra passou no Senado, onde supostamente deveria explicar questões inexplicadas sobre a utilização de dados oficiais como arma de pressão política e sobre o misterioso PAC, resultaram num dos mais extravagantes episódios de perda de tempo já registrados na memória recente da vida pública nacional. Como nada de esclarecedor resultou, seja do interrogatório inepto da oposição, seja da verbiagem enfezada da ministra, o governo declarou uma grande vitória. O esquisito vai continuar esquisito, mas, como a história toda, agora, tende a cair no arquivo morto, para o Palácio do Planalto ficou de bom tamanho. Até se imagina, por ali, que a ministra saiu no lucro, como possível candidata oficial à sucessão do presidente Lula.
Para a população em geral, que paga a conta disso tudo, havia apenas dois pontos de interesse no caso, não mais que dois, e ambos tiveram nível zero de atendimento. Em primeiro lugar, interessava ao público saber, sim ou não, se foi feito algum progresso real para evitar que autoridades do governo continuem passando a mão em dinheiro público, por meio do uso de cartões de crédito pagos pelo Erário, para saldar despesas pessoais. Em segundo lugar, interessava ao público saber, sim ou não, se existe prova da existência de alguma obra do PAC - isso é, obra que possa ser efetivamente descrita como "obra", segundo o léxico corrente da língua portuguesa. A primeira questão, como se sabe, está na origem do tema debatido no Senado - ao se comprovar as lambanças com os cartões, a reação do governo, em vez de corrigir os erros, foi montar um dossiê (ou "banco de dados", como insiste a ministra) para mostrar que no governo anterior se fazia a mesma coisa. Disso não se saiu até hoje, embora o ministro Paulo Bernardo, do Planejamento - para quem, aliás, o controle sobre as retiradas em dinheiro com os cartões do governo "equivale a zero" -, anuncie intenções de fazer alguma coisa a respeito ali pelo mês de junho, talvez. A segunda questão, a do PAC, ficou igualmente na mesma. O presidente da República, como também se sabe, não se cansa de fazer comícios (segundo recente definição da própria ministra Dilma) para inaugurar promessas de obras - aqui vai ser feita uma universidade, aqui vai ser feita uma ponte, aqui vai ser feita uma refinaria. Fala, vai embora e acha que está trabalhando uma barbaridade. Assim estava e assim ficou.
Oswaldo Aranha, numa definição que se tornou célebre, disse que o Brasil de seu tempo era "um deserto de homens e de idéias"; imagine o que diria depois dessas 9 horas de enrolação no Senado da República. Oswaldo Aranha era feliz e não sabia.