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Sustentabilidade é o nome do jogo

No discurso de abertura de Brasil em EXAME, Roberto Civita, presidente do grupo Abril, afirma que o país precisa de uma estratégia sólida de crescimento e mostra quais são os principais desafios a ser vencidos

EXAME.com (EXAME.com)
DR

Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h36.

"Refletindo sobre Como Crescer em 2004, resolvi dar uma checada no Boletim Focus, do Banco Central, para ver como andam as previsões para o próximo ano. Qual não foi minha satisfação ao observar que, segundo os economistas dos principais bancos do país, não temos mais de nos preocupar com 2004. O país vai crescer 3,2%, a inflação vai ficar em apenas 6%, o dólar fechará o ano que vem em 3,10 reais, a balança comercial terá superávit de 17 bilhões de dólares, e por aí afora. Parece que o nosso ministro Furlan vai poder tirar um ano sabático.

Assim sendo, o que gostaria de fazer é colocar a discussão sobre 2004 num contexto mais amplo de tempo, pensando nos anos, nas décadas e nas gerações que temos pela frente. O que o Brasil, que tem crescido em ziguezague, de forma descontínua e sobre bases movediças, precisa fazer para garantir a sustentabilidade desse crescimento por décadas a fio? Escolhi apenas quatro pontos que me parecem essenciais levar em conta como pano de fundo para os nossos debates.

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O primeiro ponto é o da educação. Não é de hoje que se conhece a correlação entre escolaridade e desenvolvimento, mas, num mundo em que o conhecimento vem ganhando importância exponencial, talvez nunca tenha sido tão urgente sair da retaguarda e, no mínimo, começar a acompanhar o ritmo dos países que deram ou estão dando certo. E o Brasil, apesar de todos os avanços dos anos recentes, ainda deixa muito, mas muito, a desejar nesse terreno. Será que temos mesmo uma estratégia educacional coerente? Agora que 97% das crianças brasileiras estão na escola, que tal começar a lhes ensinar algumas coisas revolucionárias, como ler, entender o que ler, pesquisar, analisar, questionar e, acima de tudo, aprender a aprender?

O segundo ponto relevante é o da qualidade da gestão da coisa pública. Infelizmente, ainda se acredita, no nosso país, numa falácia tão absurda quanto daninha: gestão é assunto do setor privado. É como se garantir a eficiência, cuidar dos custos, medir os resultados e controlar os processos não tivesse nada a ver com a qualidade de vida e o suado dinheiro dos contribuintes. O resultado é uma máquina excessivamente cara, extraordinariamente ineficaz e ainda com inúmeros bolsões de corrupção que sobrevivem governo após governo.

Terceiro ponto: o da carga tributária. Tem ligação direta com o segundo. Já é consenso que o Brasil possui um dos sistemas mais disparatados do planeta. Até parece que o critério dos nossos governantes na hora de escolher os tributos seja separar o joio do trigo e jogar fora o trigo. Além de arrecadar quase 40% de tudo o que o Brasil produz e devolver muito pouco em serviços de qualidade, a gula estatal tem outro efeito perverso: complica imensamente a vida das pessoas. Segundo um levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, nossa legislação tributária tem mais de 55 000 artigos, 33 000 parágrafos, 23 000 incisos, 10 000 alíneas e mais de 3 000 normas. Não seria a hora de fazer que os brasileiros gastem menos tempo preenchendo formulários, tentando driblar fiscais e consultando um batalhão de tributaristas para poder passar a dedicar mais tempo e energia a realizar e prosperar? Por que não reduzir o custo da máquina do governo, desonerar a carga, descomplicar o sistema e facilitar a vida dos cidadãos?

O último ponto diz respeito ao nosso sistema jurídico: lento, ineficaz, freqüentemente injusto e burocrático. O Brasil ainda não conseguiu criar um ambiente institucional que garanta o cumprimento das leis num prazo civilizado -- algo que está na base do funcionamento tanto das sociedades avançadas como do próprio sistema capitalista. Os episódios recentes de ameaça à propriedade, de um lado, e ao cumprimento de contratos, de outro, mostram que estamos até regredindo em pelo menos algumas frentes essenciais. O Brasil precisa de regras que sejam estáveis, previsíveis e aplicadas com bom senso. E ponto final.

Em vez de ficar fantasiando com invenções e intervenções estatais, miraculosas, capazes de tudo disciplinar e tudo resolver, estou convicto de que o que o Estado precisa fazer na frente econômica é propiciar um ambiente favorável aos negócios, garantindo a estabilidade da moeda, empenhando-se no aumento de volume e na redução de custo do crédito, regulando o que tem de ser regulado e, sobretudo, entendendo e reconhecendo que o motor da economia e da inovação é sempre da iniciativa privada. Esses quatro pontos me parecem vitais para uma estratégia sólida de crescimento. Afinal, o crescimento sustentado não é uma corrida de 100 metros, na qual um arranque espetacular ou um sprint final determinam quem ganha ou quem perde. Estamos aqui falando de maratonas, aliás, de um tipo especial de maratona que dura muitas décadas. Para se dar bem nessa prova, é preciso preparo, fôlego, perseverança e consistência por várias gerações. Não seria hora de aproveitar a retomada da economia esperada para 2004 para construir as bases dessa longa empreitada?"

COMPLICADOR FISCAL
A legislação tributária brasileira tem:
55 000
artigos
33 000
parágrafos
23 000
incisos
10 000
alíneas
3 000
normas
Fonte: Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário

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