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Privatização da Eletrobras vira página de modelo a grandes usinas

Historicamente, as estatais do grupo foram algumas das principais responsáveis pela construção do parque de super hidrelétricas que são esteio do setor

Eletrobras: dos leilões das usinas do Madeira e Belo Monte para cá, muita coisa mudou (foto/Divulgação)
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Reuters

Publicado em 5 de setembro de 2017 às 14h32.

Brasília - Se não representar por si só o fim da era das grandes hidrelétricas no Brasil, a privatização da Eletrobras exigirá, pelo menos, a busca por um novo modelo para viabilizar a construção desse tipo de usina, que há décadas depende de dinheiro público e de estatais para sair do papel.

O governo federal anunciou no mês passado a intenção de iniciar processo para desestatizar a Eletrobras, holding que controla as maiores geradoras de energia do país, como Chesf, Furnas e Eletronorte, além de deter metade de Itaipu, atualmente a maior hidrelétrica do mundo em produção.

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Historicamente, foram as estatais do grupo Eletrobras e, em menor grau, algumas estatais estaduais, as principais responsáveis pela construção do parque de super hidrelétricas que há décadas são o principal esteio do setor elétrico nacional.

Se no passado gigantes como a binacional Itaipu e Tucuruí (PA) eram construídas apenas com as estatais, mais recentemente, nos governos petistas, usinas como as do rio Madeira (RO) e Belo Monte (PA) foram feitas em parcerias com o setor privado, mas com a Eletrobras fortemente presente.

"Não sei se as grandes hidrelétricas já seriam uma página virada, mas será muito mais difícil construí-las. Imagina fazer as usinas do Madeira sem a participação do Estado? Com o Estado, já demorou para conseguir as licenças", disse à Reuters o ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Edvaldo Santana, hoje presidente-executivo da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace).

O leilão para a concessão da usina de Santo Antônio (RO), no Madeira, que marcou em 2007 a retomada dos grandes projetos de hidrelétricas pelo Brasil, tinha uma subsidiária da Eletrobras em cada um dos três consórcios que participaram da disputa, vencida afinal por um grupo liderado por Odebrecht e Furnas, com participação também da estatal mineira Cemig.

Na época, a parceria com empresas da Eletrobras nos consórcios era vista como uma maneira de dar equilíbrio à competição.

"Nenhuma grande usina, dessas de maior porte, foi feita até hoje no país com capital puramente privado", disse à Reuters um ex-executivo da Eletrobras, sob a condição de anonimato.

Mas dos leilões das usinas do Madeira e Belo Monte para cá, muita coisa mudou. A Eletrobras passou a conviver com grandes dificuldades financeiras, principalmente após a Medida Provisória 579, de 2012, que reduziu as receitas do grupo com a renovação condicionada de contratos de usinas, em uma tentativa do governo de reduzir significativamente a conta de luz.

Limites naturais

Além da mudança prevista no papel da Eletrobras, restam hoje limitados aproveitamentos hídricos no país que comportem hidrelétricas de grande porte, com mais de 1 mil ou 2 mil megawatts.

Os que restam estão em sua ampla maioria na região amazônica e enfrenta fortes resistências por parte de ambientalistas, como é o caso do projeto da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós (PA), cujo processo de licenciamento foi arquivado ano passado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Desde então, o projeto tem sido mantido em "stand by" e não está nos planos do governo do presidente Michel Temer, como afirmou recentemente o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Paulo Pedrosa.

"O governo já sinalizou que não fará mais a usina de Tapajós. O Brasil não terá mais projetos de grandes usinas, e térmicas e renováveis vão se beneficiar", disse o secretário no final de agosto, ao participar de evento no Rio de Janeiro.

"Os potenciais ainda não explorados têm problemas, porque estão próximos a áreas indígenas ou de preservação. Não vejo um grande potencial a ser explorado sem problemas", disse a diretora da consultoria Engenho, Leontina Pinto.

Além de considerar que o nível de dificuldade dos projetos pode complicar a atração de capital puramente privado, a consultora ressaltou ainda que a situação financeira atual da Eletrobras não a habilita a liderar novos grandes projetos.

"O que adianta ter uma Eletrobras quebrada? É preciso pensar na Eletrobras sem paixões", disse.

Fio d'água

O consultor Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), acredita que o modelo de construção de grandes usinas baseado em dinheiro estatal acabou e pondera que as restrições ambientais que obrigam a construção de novas hidrelétricas sem reservatório são determinantes para prejudicara atratividade desse tipo de empreendimento.

"O sistema de usinas a fio d´água transforma as hidrelétricas em uma geração intermitente, já que não se pode regular a água."

Ainda assim, Pires acredita que uma legislação moderna e taxas de retorno dadas pelo mercado podem possibilitar a atração de capital privado para esse tipo de projeto no futuro, com um novo modelo.

Apesar de reconhecer que a hegemonia das hidrelétricas no sistema elétrico terminou, o coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Gesel-UFRJ), Nivalde de Castro, acredita que, se superar as dificuldades ambientais, o governo tem capacidade para estruturar modelos que viabilizem a construção de usinas, quando a economia voltar a crescer.

Pelo menos nos próximos anos, porém, obras de grandes hidrelétricas estão fora do radar.

O chamado Plano Decenal de Expansão de Energia, da estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE), lista 15 usinas que podem entrar em operação até 2026, as maiores delas com pouco mais de 700 MW.

"O que o planejamento busca é o desenvolvimento sustentável de projetos dentro de um marco de escolher os projetos certos e desenvolvê-los de forma certa, buscando a sustentabilidade técnica, econômica, regulatória e sócio ambiental", disse o presidente da EPE, Luiz Barroso.

Ele lembrou que a EPE optou por não incluir grandes hidrelétricas no Plano Decenal mesmo antes do anúncio da desestatização da Eletrobras.

Questionado sobre como atrair o investidor privado para liderar projetos de grandes usinas, Barroso admitiu a hipótese de buscar, no futuro, mecanismos de incentivo.

"Caso determinados projetos sejam julgados essenciais e de caráter estratégico para o país, não há problemas em o governo atuar fomentando o seu desenvolvimento, por exemplo, com financiamentos incentivados...", exemplificou.

Mas ele ressaltou que o valor desse impulso governamental para grandes projetos deve estar explícito para a sociedade, conforme requer a transparência almejada pelo novo modelo do setor elétrico.

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