Economia

Por que a inflação cai mesmo com dólar nas alturas e PIB aquecendo

Nem dólar nominal recorde e salto nos preços da carne abalaram as previsões para o IPCA de 2020, que caem há seis semanas

Por que a pressão cambial não está sendo repassada à inflação? (fatido/Getty Images)

Por que a pressão cambial não está sendo repassada à inflação? (fatido/Getty Images)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 11 de fevereiro de 2020 às 16h46.

Última atualização em 2 de março de 2020 às 11h58.

São Paulo — Dólar em cotação nominal recorde, atividade econômica em aceleração, juro em mínima histórica e preocupações com a economia global. Em outros tempos, a união desses fatores significaria inflação galopante no Brasil — mas está acontecendo o oposto.

A estimativa para a inflação brasileira em 2020 medida pelo IPCA caiu de 3,20% para 3,19% no último Boletim Focus, que reúne as expectativas do mercado. Foi a nona semana seguida de queda.

Enquanto isso, o dólar, que influencia custos de produção, importações e o valor de itens importantes para a formação de preço como a gasolina, começou o ano na faixa de R$ 4 e encerrou fevereiro com alta de 4,6%, a R$ 4,48

Por que a pressão cambial não está batendo nas expectativas de inflação? Há algumas razões.

A primeira delas é que o IPCA de janeiro surpreendeu muito para baixo, e foi o menor para o mês desde o início do Plano Real. O grande responsável por isso foi a carne, que havia disparado 40% no atacado no fim de 2019 com o aumento nas exportações para a China. Em janeiro, ela despencou.

"Ou seja, já começamos o ano com uma deflação contratada nesse item", diz Júlia Passabom, economista que acompanha o IPCA para o Itaú.

A gasolina também está contribuindo: somente em 2020 a Petrobras já anunciou quatro cortes no preço do combustível às refinarias, acompanhando a queda na cotação internacional.

Passabom explica que a queda dos preços da carne e da gasolina neste momento também acabaram impactando as previsões do mercado para o resto do ano.

"É isso que está por trás de parte dessas revisões do Focus, que acabam sendo muito indexadas ao curto prazo, que é o período para o qual já é possível fazer contas mais detalhadas", diz. 

Repasse menor

Além da queda da gasolina e da carne, os economistas apontam para outro fator: caiu o impacto de altas do dólar sobre o nível de inflação. Esse cálculo, chamado pass-through, varia dependendo do período econômico e teria atingido o pico no Brasil antes do tombo da recessão em 2015.

Quando a economia está menos aquecida, com baixa utilização da capacidade instalada e desemprego maior, o potencial de repasse cambial cai, diz Thais Zara, economista-chefe da Rosenberg Consultores Associados. As empresas sabem que se repassarem os preços, vão perder clientes, então acabam absorvendo uma parcela maior desse impacto. 

Esse movimento fez com que o pass-through no governo Dilma chegasse a 10%. Isso significa que, se o dólar subisse 10% em um ano, o impacto sobre o IPCA seria de 1 ponto percentual. Hoje, essa conversão seria a metade: se o dólar subir 10% em um ano, o impacto sobre o IPCA seria de 0,5 ponto percentual. 

O banco Daycoval calcula esse valor em 4%, enquanto o Itaú trabalha com uma taxa de 6%, contra 7,5% em agosto de 2018.

Outra variável é o efeito do câmbio sobre as expectativas, mais difícil de ser precisado, já que é indireto e depende de quanto os agentes acreditam na meta de inflação.

"A principal razão dessa mudança é ligada ao fato de as expectativas para a inflação estarem ancoradas. A credibilidade na equipe econômica do governo atual faz com que os juros fiquem baixos, o que acaba criando uma situação mais controlada ou contornável do pass-through", diz André Perfeito, economista-chefe da Necton.

Em janeiro, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, também destacou que “o prêmio de risco fez o repasse mudar”. Essa percepção de risco baixo do Brasil, no entanto, também considera que reformas econômicas importantes continuarão sendo feitas.

Outro fator importante, segundo Perfeito, é que o preço de algumas mercadorias importadas também vem caindo devido à demanda desaquecida lá fora. "O dólar subiu, mas os preços caíram também", diz. 

Um dos principais mecanismos do pass-through é via commodities, que estão em queda no mercado internacional. O CRB, principal índice do setor, já recuou 8,5% em dólar só neste ano.

"Como milho, soja e trigo são cotados em bolsas internacionais, se a nossa moeda fica mais fraca, o preço desses grãos sobe e toda cadeia de derivados acaba sendo afetadas", diz André Braz, coordenador do IPC do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

Recuperação lenta

Outro fator importante para determinar a inflação é a atividade econômica, que gera demanda e pressiona os preços. A previsão do mercado, também pelo Focus, é que o crescimento vá acelerar de 1,1% em 2019 para 2,3% em 2020, mas que a capacidade ociosa e o desemprego seguirão elevados.

"Tendo em vista a magnitude do hiato do produto e o tempo necessário para seu fechamento, não vemos, no momento, risco significativo de inflação de demanda", diz o Itaú em relatório desta segunda.

Em outras palavras, vai demorar para o Brasil recuperar o que perdeu nos últimos cinco anos. Enquanto isso não acontece, a indústria ainda tem espaço para aumentar oferta.

Vale ressaltar também que o mercado espera que o atual pico do dólar seja temporário, pois reflete o temor com o surto global do coronavírus, que eventualmente deve ser controlado.

O Itaú coloca a taxa de câmbio como principal risco potencialmente altista para o IPCA. A previsão do banco é que inflação termine o ano em 3,3% e em 3,5% em 2021.

Acompanhe tudo sobre:CâmbioDólarInflaçãoPreços

Mais de Economia

Oi recebe proposta de empresa de tecnologia para venda de ativos de TV por assinatura

Em discurso de despedida, Pacheco diz não ter planos de ser ministro de Lula em 2025

Economia com pacote fiscal caiu até R$ 20 bilhões, estima Maílson da Nóbrega

Reforma tributária beneficia indústria, mas exceções e Custo Brasil limitam impacto, avalia o setor