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Pacto Social pode virar armadilha para Lula

Dialogar e ouvir os insatisfeitos. Reunir na mesma sala empresários, sindicalistas, políticos e intelectuais, criando uma força supra-partidária capaz de dar as diretrizes de como tirar o Brasil da crise e colocá-lo da rota do crescimento. Enfim, colocar em prática o Pacto Social que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva falou durante a […]

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h46.

Dialogar e ouvir os insatisfeitos. Reunir na mesma sala empresários, sindicalistas, políticos e intelectuais, criando uma força supra-partidária capaz de dar as diretrizes de como tirar o Brasil da crise e colocá-lo da rota do crescimento. Enfim, colocar em prática o Pacto Social que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva falou durante a campanha e também em seus primeiros dias de homem mais forte do país. O que é apresentado como solução por Lula pode, sim, comprometer seu primeiro ano de governo. "Nunca na história esse país teve 10% do diálogo que eu vou promover entre a sociedade", disse Lula, em São Paulo, nesta quarta-feira. "As reuniões com os vários setores da sociedade se tornarão rotina no Brasil a partir de agora."

Levar a promessa de pacto adiante é louvável, mas pode custar caro para o governo Lula: gastar muito tempo discutindo e ter pouco tempo para, de fato, aprovar as mudanças que o país precisa. Para o cientista político Sérgio Abranches, dar muita força às câmaras setoriais com empresários e sindicalistas pode criar rigidez e demora no processo de negociação que acabaria atrapalhando em vez de ajudar. "Tem decisões que só podem ser negociadas no Congresso. Não adianta discutir fora", diz Abranches. "Lula corre o risco de se tornar refém do seu próprio pacto."

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Na opinião de Christopher Garman, da Tendências Consultoria, o pacto social, embora se apresente como uma medida popular, pode levar o governo Lula a perder o tempo precioso para a aprovação das reformas no Congresso. "Ouvir muitas vozes cria-se espaço para ruídos desnecessários. As reformas, por exemplo, têm de ser discutidas apenas no Legislativo", diz Garman. "Surgirão propostas que não poderão sair do papel e irão dificultar a negociação com o próprio Congresso."

Governadores

Os dois cientistas políticos acreditam que Lula precisa aproveitar a onda otimista de mudança que o país vive e que o elegeu com mais de 50 milhões de votos para avançar nas negociações com o Legislativo e alterar os sistemas fiscal e previdenciário. "O esforço tem de ser feito em 2003", diz Garman. "Lula não pode deixar para depois e correr o risco de sua popularidade cair e a relação com os governadores se desgastar."

Além de representar risco para a agilidade e eficácia do governo Lula, Sérgio Abranches destaca que o pacto social, por essência, não é adequado à atual situação brasileira. "Não faz sentido falar em pacto porque não estamos em processo traumático de transição de ditadura para democracia", diz ele. "É indicado para crises agudas e graves e não só financeiras como a brasileira". Abranches cita o exemplo da Espanha, que recorreu ao pacto social após a ditadura de Franco na década de 70.

Promessa versus caixa

Além de fugir da armadilha que o pacto social pode representar para seu governo, Lula terá de mostrar muita habilidade política para lidar com a enorme expectativa por mudanças que sua eleição representa para o povo. "As manifestações pós-eleitorais mostram que toda a sociedade espera que Lula atenda suas necessidades rapidamente", diz Abranches. "O problema é que não existe a menor possibilidade financeira e substantiva para atender toda essa demanda". Para o cientista político, reduzir essas esperanças da sociedade sem perder a popularidade e o apoio que tem hoje será um desafio enorme para o presidente eleito. "A saída é construir um governo que expresse a amplitude do apoio que ele teve e montar uma agenda de governo que discipline essas expectativas", diz Abranches. "O Brasil é um país presidencialista de coalizão. Sem alianças não há governabilidade".

O PT, agora no poder, já abrandou o discurso de oposição e vem mudando sua postura sobre o aumento do salário mínimo e a manutenção da alíquota do Imposto de Renda em 27,5%. "Tudo indica que o PT reconhece a necessidade de manter o compromisso fiscal do último governo e que isso é incompatível com muitas promessas de campanha", diz Christopher Garman. "Isso certamente vai frustrar integrantes de seu partido e sua militância. De forma mais ampla, essas restrições fiscais colocam limite às promessas sociais de Lula."

Elo com os governadores

Outro desafio que o presidente eleito terá pela frente é manter uma boa relação com os governos estaduais. A maioria está sob o comando dos partidos de centro, PMDB e PSDB, e apenas três são governados pelo PT: Mato Grosso do Sul, Acre e Piauí. O equilíbrio de forças que saiu das urnas nos dois turnos das eleições 2002 tornou, segundo Sérgio Abranches, mais difícil a tarefa de Lula para governar. "Vai exigir mais articulações de Lula do que exigiu de Fernando Henrique nesses últimos oito anos", diz o cientista político.

Para Christopher Garman, o eleitor usou critérios diferentes para a eleição estadual e federal. "Ele queria Lula no governo federal, mas essa demanda por mudança não repercute necessariamente nos estados", diz o analista da Tendências. "Muitos governadores foram reeleitos, o que mostra a satisfação nos estados".

Diante desse cenário, que mostra insatisfação da sociedade com a economia, mas sem estender ao PT o domínio nos estados, Lula terá de negociar novamente com todas as legendas para conseguir desobstruir a reforma tributária, assunto federal, porém com grande impacto e repercussão na vida dos estados. "Boa parte do sucesso do novo presidente no Legislativo vai depender de sua relação amistosa com os governadores eleitos", afirma Abranches. "É imprescindível uma boa relação". Na opinião de Christopher Garman, a fraca presença do PT nos governos estaduais e a maior força de PMDB e PSDB será uma faca de gumes para o presidente eleito. O lado positivo: Lula poderá oferecer mais benefícios aos governos destes partidos desde que tenha o apoio deles no Congresso. "O presidente do PT, José Dirceu, já começou a fazer isso: condicionou a renegociação das dívidas dos estados à aprovação da reforma tributária", diz Garman. "Lula ganha um instrumento de barganha". Mas há também o lado negativo: quando os pedidos dos governadores tucanos e peemedebistas forem muito penosos à União e Lula não aceitar, o Executivo perderá o apoio dos partidos do centro no Congresso. "Dizer não a governadores petistas seria fácil a Lula. Dizer não ao PMDB e PSDB pode custar caro no Legislativo", afirma o cientista político.

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